publicado dia 17 de outubro de 2014
Artistas transformam conjunto habitacional em galeria a céu aberto
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 17 de outubro de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Perto da confluência entre os rios Tietê e Tamanduateí, postada em frente ao seu comércio, Judinete admira os painéis de graffiti recém-pintados no Parque do Gato, conjunto habitacional da região central de São Paulo.
“Esse trabalho trouxe cor para a nossa comunidade”, acredita, referindo-se ao Revivarte, iniciativa que está transformando o local em uma grande galeria de arte a céu aberto. Desde 2013, quando ocorreu a primeira edição do projeto, foram pintadas 26 empenas cegas (as paredes sem janelas) de 36, em um total de 18 prédios.
E não são quaisquer desenhos: as pinturas se baseiam nos relatos de vida dos moradores e refletem o cotidiano e a realidade de quem vive por ali. O projeto Revivarte foi selecionado pelo VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais da Prefeitura de São Paulo) em 2013 e 2014.
Judinete é dona do Bar da Madonna, apelido que ganhou quando jovem por causa dos cabelos loiros. Localizado na praça do Parque do Gato, sai de tudo de sua cozinha: picadinho, fígado acebolado, cebolinha com abóbora e, principalmente, camarão e peixe frito. Não precisa nem chegar o meio-dia para aparecerem clientes: “Ô Loira, qual o almoço de hoje?”.
Um deles é Nio. “Estou aqui desde que o conjunto era uma favela”, relembra. O Parque do Gato ficou pronto no último ano da gestão de Marta Suplicy (2001-2004) e possui 486 apartamentos. “Para mim, o mais importante é a arte valorizando a nossa moradia”, defende o dono do ferro-velho vizinho ao conjunto.
Ao lado de nomes como Mundano, Fel e RMI, o grafiteiro SubTu é um dos idealizadores do Revivarte. Ele ressalta o lado democrático do projeto, tanto para os artistas que participaram da segunda edição, como para a comunidade do Parque do Gato. Todos os moradores receberam cédulas para votar nos desenhos que queriam ver estampados nas paredes dos prédios. Eles têm duas medidas: 11m x 5m e 14m x 5m.
O edital recebeu inscrição de 87 artistas e coletivos de arte, totalizando 166 propostas de painéis vindas de dez cidades paulistas, como Sorocaba e Campinas. A idade dos inscritos variou de 18 a 49 anos. “Isso mostra que os artistas têm vontade de pintar em grande escala, mas existem poucas oportunidades”, comenta SubTu.
Inicialmente, foram selecionados 15 artistas – um dos critérios de seleção era nunca ter pintado prédios. A comunidade, então, escolheu seis desenhos. Se juntaram aos idealizadores os artistas Apolo Torres, André Firmiano, Enivo, Iskor, Thiago Goms e Mev Crew.
“Eu votei no painel do gato, que já virou um símbolo da nossa comunidade”, ressalta Nio. Já Judinete escolheu o desenho de uma mulher amamentando seu filho, “uma homenagem às guerreiras que vivem aqui, trabalham de manhã, lavam a roupa e fazem comida à tarde ao mesmo tempo em que cuidam de muitos filhos. Todo dia que abrem a janela, às seis da manhã, são novas mulheres.”
A cozinheira gosta tanto dos painéis que, sempre que pode, leva camarões fritos para os pintores, em agradecimento. “O povo adora o trabalho deles.” Em retribuição ao acolhimento e hospitalidade, os artistas também pintaram a fachada do Bar da Madonna.
“Sempre tive o sonho de fazer pinturas desse tamanho”, revela SubTu. “Agora, com a segunda edição caminhando para o fim, teremos aqui uma referência para o muralismo em São Paulo.”
O projeto também realizou um mutirão de revitalização do espaço. Aos finais de semana, a iniciativa promove atividades culturais com foco especial nas crianças do Parque do Gato. Pipa, costura, pintura de camisetas, música, desenho e graffiti já foram temas de oficinas; nesta última, os participantes tiveram a oportunidade de pintar um muro que separa o conjunto da Avenida Castelo Branco.
“Mudar as crianças é mudar tudo. Queremos motivar elas com arte, que considero o principal combustível para conseguirmos transformações sociais”, defende SubTu.
O Revivarte tem a intenção de chegar a outras comunidades de São Paulo, como o Conjunto Habitacional da Água Branca, na zona oeste. “Acreditamos que ações como essa melhoram a autoestima dos moradores e mostram que a união pode ajudar a conseguir o que quiserem. Além, é claro, de semear o interesse das pessoas pela arte”, conclui o artista.