publicado dia 3 de outubro de 2014
A escola é o melhor investimento social para superação das desigualdades urbanas, defende economista
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 3 de outubro de 2014
Reportagem: Pedro Nogueira
Vivemos numa era em que as desigualdades econômicas e sociais estão crescendo. As cidades são um reflexo desses tempos e, quanto mais se expandem, mais segregadas ficam. A miragem do trabalho urbano amontoa círculos de exclusão pelo mundo e as crises acabam por punir os mais pobres e remunerar o capital dos mais ricos. O ambiente urbano é propício para o desenvolvimento humano, mas apenas uma parcela minoritária se beneficia dele. Reféns de políticas do lucro que moldam territórios a seu bel prazer, as cidades do século 21 podem solucionar parte de seus problemas com uma antiga lição de casa: investindo em boas escolas.
Essas foram algumas das conclusões apresentadas pelo economista inglês Gareth Jones, da London School of Economics (LSE), na aula “Cidades em tempos de desigualdade”, promovida pela Rede Britânica de Ciência e Inovação nesta quinta-feira (2/10), na sede da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Especializado em processos de segregação do espaço urbano, Jones desenvolveu, ao longo de mais de duas horas de palestra, uma aproximação entre indicadores econômicos e espaciais e colocou noções de desenvolvimento para conversar com o planejamento urbano, apontando dilemas e possíveis soluções.
Desigualdades crescentes
Os debates sobre o crescimento das desigualdades econômicas têm dado a tônica das principais campanhas políticas e fóruns globais. Barack Obama, presidente dos EUA, afirmou em 2013, que reduzir a desigualdade é um “desafio definidor dos novos tempos”. Justifica-se: 7 entre cada 10 seres humanos vivem em países onde a desigualdade cresceu. 50% da riqueza do mundo pertence a 1% da população, sendo que os 85 mais ricos do mundo concentram 65 vezes mais capital do que a metade de baixo da pirâmide.
As grandes cidades tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres
O resultado disso é que os de cima estão com medo. “A principal preocupação do Fórum Econômico Mundial de Davos é a estabilidade econômica. A desigualdade é a segunda. Os ricos sabem o que esse ressentimento – que vem da má distribuição – pode fazer com a coesão social. Gera revolta. Brasil, Chile, Espanha e as revoltas árabes são tributárias desse quadro de crise que remunera os que detém capitais e assola com medidas de austeridades as camadas populares e assalariadas”, afirmou.
Apoiado nas teses do economista francês Thomas Picketty, autor do estudo “O Capital no Século XXI”, o economista lembra que essas revoltas se deram depois de um ciclo prodigioso dos anos 50 aos 80, no qual a democracia social e as medidas de regulação conseguiram alocar grandes gastos em medidas compensatórias de redução de desigualdades. Entretanto, nas duas últimas décadas, a queda global da produtividade fez esse índice estagnar em todo o mundo – com exceção da América Latina. E isso teve impacto decisivo na formação das cidades, que em 2007, passaram a concentrar mais de 50% da população mundial.
“As cidades atraem pessoas, mas observamos uma tendência que revela que, quanto maior e mais densa a cidade, mais cara e segregada ela fica. As grandes cidades tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres”, pondera. Não à toa, quase 1 bilhão de seres humanos vivem atualmente em favelas ou habitações precárias e trabalham por salários de miséria. “Onde a desigualdade vira norma, isso também se transforma num modelo de negócios e exploração de mão de obra para que tudo fique igual e seja lucrativo. As cidades de hoje são mais desiguais do que eram em 1929. O que acontece é que, por mais que haja mais igualdade ‘social’, o abismo econômico cresceu”, analisa Jones.
O apartheid acabou e pouco mudou
Um dos exemplos mais gritantes citados por Jones é o caso da cidade de Durban, na África do Sul, país que faz parte dos BRICS – agrupamento econômico de nações em desenvolvimento composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Embora tenha derrotado o apartheid – regime de segregação racial terminado em 1994 – o país mantém sua malha urbana e pirâmide social praticamente intocadas.
“Mesmo os programas de habitação social, que construíram milhões de casas no país de 1994 até hoje, só serviram para reforçar essa exclusão. São casas pré-fábricadas, de rápida desvalorização e longe dos centros urbanos, reproduzindo velhos sistemas de exclusão racial e social”, comparou o economista, referindo-se também aos riscos de programas como o brasileiro Minha Casa, Minha Vida. “O ideal era que os imóveis já existentes fossem ocupados e áreas nobres aproveitadas para habitação social. Mas nós sabemos como isso é difícil e acabamos reproduzindo o ‘muramento’ dos pobres.”
O resultado disso são cidades mais violentas, menos felizes e com abandono do espaço público urbano. Os impactos podem ser percebidos, inclusive, no sistema educacional. “É mais difícil encontrar boas escolas públicas policlassistas em cidades injustas”, lamenta o professor.
Educação: uma saída para a desigualdade
Jones chama a atenção para a questão da educação porque, de acordo com ele, ter boas escolas é fundamental para romper o quadro de desigualdade. “Não podemos contar sempre com crescimento, produção e estabilidade. Nesse sentido, o melhor investimento social, e existem milhares de estudos comprovando isso, está na educação. Uma boa escola em um bairro pobre é capaz de transformar uma realidade e a vida de seus habitantes. Os gastos em jovens de 10 a 13 anos são primordiais na promoção de uma cidade mais justa”, propõe.
Uma boa escola em um bairro pobre é capaz de transformar uma realidade e a vida de seus habitantes
Além disso, outras medidas poderiam auxiliar a criação de um novo modelo de cidade: taxação de propriedades, análise cuidadosa de políticas públicas investigando sempre seu efeito nos mais pobres, e melhora do capital humano. “Também é necessário ter cuidado com os slogans de ‘cidades globais’, que acabam por se transformar – através de megaeventos como a Copa do Mundo, Olimpíadas, etc. – em vetores de crescimento da exclusão”, conclui, alertando para a necessidade de comunicação entre arquitetos e planejadores urbanos com economistas.
“É um diálogo de surdos. Não se pode pensar no espaço urbano sem levar em conta indicadores de distribuição de riqueza. Parques são ótimos e necessários, mas se quisermos mais do que uma cidade agradável, precisamos de escolas e distribuição de renda.”