publicado dia 4 de setembro de 2014
Professor defende liberdade na internet para transformar a China
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 4 de setembro de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Ocorrido há 25 anos, o massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim – episódio no qual cerca de 2.600 civis foram brutalmente assassinados pelo exército ao protestarem contra o governo chinês –, se tornou um ponto divisório na vida do professor Xiao Qiang.
À época, ele morava em Indiana, nos Estados Unidos, e finalizava seu PhD em Astrofísica na Universidade de Notre Dame. Depois do trágico incidente, Xiao se engajou na agenda social e política de seu país natal. Nos dez anos seguintes, dirigiu a ONG Direitos Humanos na China, sediada em Nova Iorque, e foi vice-presidente do Movimento Mundial pela Democracia.
Xiao participou do TEDx Liberdade, realizado em São Paulo, em abril deste ano, onde discorreu sobre os desafios que surgem no caminho de quem luta por liberdade de expressão na China.
Censura
Em 2003, quando dava aulas na graduação de Jornalismo da Universidade de Berkeley (Califórnia), Xiao lançou o periódico virtual China Digital Times, cuja missão era contextualizar e traduzir informações e notícias sobre o país asiático. Hoje, o astrofísico faz pesquisas sobre uma questão delicada: a censura e o controle da internet promovida pelo Estado chinês.
“Mesmo sob censura, os 600 milhões de internautas chineses estão se comunicando virtualmente”, afirma Xiao. “Sim, é perigoso. Porém, se você quer promover um livro ou um panfleto nas ruas, pode ser preso. Se publicar suas opiniões online, seu post pode ser deletado, mas isso não impede as pessoas de continuar compartilhando ideias, opiniões e valores.”
Pessoas do pum
Entre risadas, o ativista citou uma nova expressão que entrou para o vocabulário político chinês: as “pessoas do pum”. E logo tratou de explicá-la. Em 2008, um membro do Partido Comunista jantava em um restaurante de frutos do mar e perguntou para a garçonete onde ficava o banheiro. Ela apontou a direção, mas o oficial pediu que ela o acompanhasse.
Ao chegar ao local, o homem tentou abusar da garota e gerou um rebuliço enorme no restaurante. Os clientes se revoltaram e o interpelaram, no que ouviram uma resposta desagradável: “Eu agarrei ela, e daí? Vocês sabem que eu fui enviado pelo Ministério dos Transportes e tenho a mesma importância do seu prefeito? Aqui eu sou a autoridade e vocês são como um pum para mim.”O que ele não sabia é que a cena estava sendo gravada pelas câmeras de segurança e logo caíram na realidade viral da internet. “Nem a censura pôde impedir a larga reprodução do vídeo, e nem os jornais puderam ignorar tal fato”, recorda Xiao. “Foi uma tempestade de opinião pública no ciberespaço chinês.”
Xiao acredita que a união do povo pode transformar a China. “Muitas pessoas vivem dentro de uma mentira por algum tempo; muitas por muito tempo; mas nenhuma pessoa na Terra, nem os chineses, com nossa gloriosa história ancestral, nem os ucranianos, nem os russos, nem os tunisianos, nem os brasileiros, podem viver numa mentira eternamente”, desabafa o ativista, que encerrou sua apresentação desafiando o Estado chinês. “Vinte e cinco anos atrás eu não era capaz de segurar vocês. Mas dessa vez vocês que não vão me segurar!”
Foi questão de tempo para a expressão “pessoas do pum” se transformar em uma nova identidade para aqueles que se sentiam censurados pelo governo. “Chamo isso de consciência política dos usuários de internet”, aponta.
Em busca da cidadania
O ativista acredita que a web é o espaço ideal para os chineses se unirem, já que o aparato repressivo estatal dificulta as reuniões em espaços físicos. “Se a história das ‘pessoas do pum’ se tornou viral, devemos espalhar mais histórias sobre corrupção no governo, sobre as crianças nas áreas rurais que não têm acesso à educação, ou sobre o advogado que é perseguido ao defender seu cliente.”
Para ele, o movimento atual favorece a transformação das ‘pessoas do pum’ em cidadãos. “Desde a China milenar, as pessoas ordinárias são chamadas de pessoas pequenas, sem valor, do mato, sem nome, comuns, violentas, súditas de um governante. Hoje, elas são as ‘pessoas do pum’. E amanhã, seremos finalmente cidadãos?”, questiona Xiao.
“É isso o que buscamos ser: cidadãos em nosso próprio país. Discutir assuntos públicos, declarar nossas opiniões, poder se associar com quem tem ideias em comum.”
Confira a apresentação de Xiao Qiang no TEDxLiberdade (sem legendas):