publicado dia 12 de agosto de 2014
Infância na Copa: denúncias de violações aumentam, mas rede protetora ainda é insuficiente
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 12 de agosto de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Passados quase trinta dias do encerramento da Copa do Mundo, diversos setores que participaram da construção do megaevento – e também aqueles que protestaram contra a sua realização – divulgam balanços sobre os legados que o Mundial de futebol deixou aos cidadãos brasileiros.
Aspectos sociais como mobilidade urbana, segurança pública e violação dos direitos das crianças e adolescentes, muito debatidas antes do pontapé inicial, continuam na pauta de diversas articulações da sociedade civil e movimentos sociais, para que se entenda o que deu e o que não deu certo durante os 32 dias de torneio.
Denúncias aumentam
De acordo com dados do Disque 100, serviço telefônico que recebe denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes, o contingente de queixas cresceu 15,6% durante a Copa do Mundo se comparado com o mesmo período do ano passado, quando ocorreu a Copa das Confederações. Durante o megaevento de 2014, foram recebidas 11.251 denúncias de abusos contra crianças e adolescentes no Brasil – 69% dos casos nos 12 estados-sede.
Por vezes, uma única denúncia se desdobra em vários tipos de violações. Assim, o número total de infrações atingiu 22.437, sendo 5.093 casos de violência física e 2.972 de exploração sexual. Nos plantões realizados nas cidades-sede houve 1.068 ocorrências; dessas, 251 estão relacionadas ao trabalho infantil.
Agenda de Convergência
Buscando diminuir a vulnerabilidade de crianças e adolescentes e manter seus direitos intactos, órgãos públicos e entidades civis lançaram, em agosto de 2012, a Agenda de Convergência Proteja Brasil, que criou comitês locais de proteção às crianças e adolescentes e foi saudada como a primeira iniciativa que, em períodos de Copa do Mundo, integrou diferentes esferas de governo em uma pauta de proteção à infância.
“Se tratando de um megaevento, é preciso haver uma preparação de toda a rede, pois existe o risco de haver maiores violações dos direitos dessas pessoas. Articulamos as 12 cidades-sede e, nelas, criamos redes de garantia de direitos, articulando o trabalho de conselhos tutelares, secretarias de assistência e Ministério Público”, afirma Rodrigo Torres de Araújo, secretário nacional substituto na pasta de Promoção dos Direitos da Criança e Adolescente, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
Ao todo, a iniciativa envolveu 2.500 pessoas, incluindo equipes móveis de abordagem e plantões de atendimento integrado e multidisciplinar. Para a vice-coordenadora Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, Thalma Rosa de Almeida, “a Agenda de Convergência foi um instrumento fundamental para que as atividades e ações de diversos órgãos participantes pudessem trabalhar como uma engrenagem, sem repetição de ações e retrabalho”.
Medida paliativa
Assessora comunitária do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE), Cecília Góis considera a Agenda de Convergência uma medida paliativa e admite que esperava uma atuação mais contundente do poder público no tema. “No que estamos acostumados em Fortaleza, posso dizer que a incidência de casos de violação foi baixíssima durante o megaevento”, revela Cecília. “A violência contra a criança no período da Copa do Mundo foi de certa maneira invibializada, já que a cidade estava tomada por guardas, policiais e agentes da força nacional de segurança.”
Ela acredita que, após o evento, os números de casos devem voltar ao normal. “Nossa conclusão: se tivéssemos uma segurança realmente pública, humana e fortalecida, um poder público mais integrado e políticas públicas duradouras e efetivas, teríamos menos casos sempre. Se antes se falava que o governo não tinha condições de proteger as crianças, agora sabemos que ele tem, mas por que não faz isso sempre?”, questiona.
A campanha Proteja Brasil, lançada em maio pelo governo federal, envolveu cerca de 1.800 cidades, segundo Araújo, levando materiais educativos de enfrentamento à violência contra a criança e o adolescente em campanhas de rádio, TV e internet.
O secretário afirmou ainda que o Disque 100 ampliou sua capacidade em 30%, incluindo novas línguas (inglês e espanhol) no rol de atendimento. O Aplicativo Proteja Brasil, destinado à smartphones, correspondeu a quase 40% dos atendimentos.
A campanha Proteja Brasil previu também a equipagem de conselhos tutelares com kits de estrutura mínima para o seu funcionamento, como carro, computadores e impressora. Segundo Araújo, o kit chegou a 1.855 conselhos tutelares do Brasil.
Cecília Góis, no entanto, problematiza os resultados da campanha. “Se você investe na propaganda do Disque 100, vai ter um aumento das denúncias. Mas não faz sentido ter esse aumento e não ter crescimento da rede de retaguarda.”
Questão de prioridade
A cidade de Fortaleza tem mais de 2,5 milhões de habitantes e apenas seis conselhos tutelares. “Alguns vêm passando por reformas, mas o que precisamos mesmo é de mais conselhos para dar conta da realidade da população”, aponta Cecília. Apenas em 2014, o estado do Ceará concentra 1.300 denúncias de exploração sexual contra menores de 18 anos.
Referência da prefeitura de Fortaleza no tema, a Rede Aquarela contou, em 2010, com um orçamento de R$ 255 mil, executando quase 95% desse valor. Já em 2013, o recurso destinado ao programa foi de R$ 911 mil – sendo executado pouco mais de 4%. Ao mesmo tempo, a Arena Castelão, estádio de Fortaleza que foi usado no Mundial, deixou como legado para o governo cearense uma dívida de R$ 351,5 milhões com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“Quando uma política é prioritária, como foi a Copa do Mundo, investe-se muito dinheiro para que ela seja executada. A situação da criança e do adolescente de Fortaleza é exatamente o oposto: não se investe porque não é prioridade”, reclama.
Proteger as crianças
Os dados referentes ao trabalho infantil no Brasil também são alarmantes: segundo o Censo 2010, mais de 3,4 milhões de crianças e adolescentes na faixa entre cinco e 17 anos se encontram nessa situação. De acordo com Isa de Oliveira, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), “tanto na Copa das Confederações como na Copa do Mundo houve uma indicação de aumento do trabalho infantil nas cidades-sede”.
Ela observa que a realidade de meninos fazendo malabares e vendendo produtos em semáforos e feiras livres passa despercebida do cotidiano de uma cidade, mas fica evidenciada em ocasiões extraordinárias – o que levou ao aumento de denúncias durante o Mundial. “Todo grande evento é uma oportunidade para o trabalho infantil ser mais visto”. Isso comprova que, no Brasil, há inúmeras crianças e adolescentes em situação de trabalho, e que as políticas públicas e iniciativas do governo não têm sido eficazes para prevenir, eliminar e, assim, proteger as crianças, assegurando a elas os seus direitos”, finaliza.