publicado dia 6 de agosto de 2014
Para as meninas da Nigéria, educação é a chave que abre as portas para o progresso
Reportagem: Coluna Livre
publicado dia 6 de agosto de 2014
Reportagem: Coluna Livre
Por Nnenna Agba
Publicado originalmente pela ONU Mulheres
Cresci na Nigéria, em uma cultura na qual estar grávida de um menino valida uma mulher e sua família, na qual um homem ocupa inerentemente um lugar superior na sociedade, à frente da mulher. Aos 11 anos de idade, ajudei minha mãe a dar à luz a sua quinta filha, minha irmã caçula, e vi nossa mãe morrer nas mãos de um médico incompetente.
Minha mãe havia sucumbido às exigências de sua sociedade; embora já tivesse quatro filhas saudáveis, pela tradição, queria ter um filho homem, mesmo que isso custasse a sua vida. Perceber os fatores subjacentes que a sujeitavam a essa situação tão difícil projetou uma clara imagem do lugar que eu ocupava como menina na sociedade nigeriana.
Criada na Nigéria, Nnenna Agba alcançou popularidade depois de participar do programa de grande audiência, America’s Next Top Model. Graças às várias bolsas de estudo recebidas de forma merecida, formou-se em Química pela Universidade do Texas A&M; além disso, obteve título de mestre em Desenvolvimento Urbanístico. Nnenna está pagando a educação de suas quatro irmãs na Nigéria e representa o Projeto Kechie, uma ONG que oferece bolsas de estudo a meninas em escolas nigerianas.
Quase de maneira imediata, a educação adquiriu um significado diferente em minha vida e na vida das minhas quatro irmãs. Estudei para me formar em Química e obter o título de mestre em Desenvolvimento Urbanístico. Graças à minha educação, pude financiar a educação das minhas irmãs na Nigéria, aumentando assim a possibilidade de que tenham um futuro melhor, que ultrapasse as limitações tradicionais definidas por nossa sociedade.
Para as meninas da Nigéria, como minhas irmãs e eu, a educação abre a oportunidade de vencer para além das expectativas estabelecidas. A educação é um direito fundamental e acredito fortemente que seja algo que todas e todos devemos receber de forma natural. É a única opção que a maioria das meninas nigerianas tem para superar o sistema cultural e tradicional de estratificação que segue colocando as mulheres em um lugar inferior ao de seus companheiros homens, tanto do ponto de vista econômico e político, como social.
As mulheres que puderam se livrar dessa submissão conseguiram graças ao empoderamento alcançado com a educação. Uma boa educação oferece às meninas da Nigéria a oportunidade de converterem-se em membros essenciais de sua sociedade e, por esse motivo, luto para garantir que minhas irmãs sigam com seus estudos.
Para as meninas da Nigéria e de todo o mundo, a educação pode oferecer independência econômica, pavimentar o caminho rumo à participação política e empoderar mulheres e homens com conhecimentos necessários para enfrentar de maneira ativa e eficaz as normas opressoras que perpetuam diferentes formas de violência contra as mulheres. Em contraste com a cultura da desigualdade de gênero que persiste na Nigéria, a educação é a vitrine que expõe uma alternativa cultural. Permitir que as meninas descubram outras formas de viver representa uma ameaça importante para grupos extremistas como Boko Haram.
Embora sonhemos e aspiremos com um milagre que nos conceda soluções imediatas, sei que a mudança não surge por mágica, nem da noite para o dia; ao contrário, requer dedicação e um esforço coletivo incessante. A morte da minha mãe é fruto de normas sociais injustas que facilitam uma desigualdade de gênero perversa. Os costumes de uma sociedade vêm definidos por suas gerações anteriores e, da mesma forma, seus futuros cidadãos podem remodelar a cultura que os rege, fomentando novas condutas através da educação.
Sou otimista e acredito que é possível mudar o mundo, melhorar a condição das mulheres, estejam onde estiverem, especialmente em lugares como a Nigéria. Penso assim não porque seja ingênua ou porque não seja consciente das deficiências de muitas iniciativas que querem por em marcha a mudança. Meu otimismo nasce de uma tentativa desesperada, de uma convicção profunda de que o mundo – líderes, cidadãs e cidadãos – deve despertar diante da urgente necessidade de pôr fim à injustiça contra as mulheres.
Na minha opinião, a necessidade e a possibilidade são agora sinônimos, já que viver com as consequências da desigualdade de gênero só reforça a ideia de que a transformação é inevitável.
Iniciada após o sequestro de 276 estudantes de uma escola em Chibok, em abril de 2013, a campanha “Devolva nossas garotas” voltou as atenções do mundo para os acontecimentos recentes na Nigéria. Na ocasião, as meninas foram brutalmente raptadas por homens pertencentes ao Boko Haram, grupo fundamentalista que defende a construção de um Estado islâmico e se diz contra a educação “ocidentalizada”.
Enquanto meu coração se rasgava com o grito de socorro de “Bring Back our Girls” (Devolvam nossas garotas), minha mente sonhava desesperadamente com a ilusão renovada de que a Nigéria já não pode seguir dando as costas para a agonia de mulheres e meninas. Lamentavelmente, às vezes temos que presenciar a dor para reunir toda a paixão de um país, promover mudanças sem reservas e exigir que o governo atue. Apesar do Boko Haram ser um impedimento para o progresso, o maior impedimento radica em uma reticência mais ampla em adotar medidas para proteger as garotas da Nigéria, porque o único que querem é educação.
As meninas nigerianas, como minhas irmãs e eu, queremos e merecemos que se cumpram nossas aspirações de nos convertermos membros importantes da sociedade. A educação é o caminho que pode tornar esse sonho realidade.