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publicado dia 27 de agosto de 2013

Mais Educação São Paulo: Reforma ou Retrocesso?

Reportagem:

O prefeito de São Paulo lançou no último dia 15 o Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo e abriu uma Consulta Pública para que em trinta dias a população possa fazer sugestões e comentários. Não está claro como e se as sugestões serão incorporadas ao Programa, mas o espaço aberto está fomentando importante debate na área.

Acompanhe a repercussão da proposta para o ensino paulistano:
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Ouvi de um professor e pesquisador que a proposta apresentada é “bem avançada para a Europa de 1913 talvez”. Faz sentido o comentário, especialmente quando nos atemos aos aspectos que mais chamam a atenção da mídia: o retorno da reprovação, obrigatoriedade de lição de casa, das provas bimestrais, dos boletins com notas de 0 a 10.

No entanto, quando lemos a íntegra do programa, notamos aspectos consideravelmente avançados para os dias de hoje. O principal deles é a referência à “qualidade social da educação”, definida em nove itens, a saber: integração de diversos espaços e tempos educativos; valorização das diferenças; foco no projeto político-pedagógico e no gosto pela aprendizagem; organização do currículo, do trabalho pedagógico e da jornada do professor com foco na aprendizagem; preparação dos profissionais da educação; compatibilidade entre proposta curricular e infraestrutura; integração da comunidade escolar; valorização dos profissionais da educação; parcerias intersetoriais.

Ainda na apresentação dos Princípios e Conceitos, o Programa propõe a “Avaliação Formativa”, com suas variações – avaliação contínua, modular, diagnóstica – que se contrapõe à “avaliação com fins apenas classificatórios e somativos”, assumindo as dimensões de valorização, cuidado e acompanhamento. Buscando um sistema inclusivo, o Programa assevera que a avaliação da aprendizagem deve reconhecer a diversidade, os estilos e ritmos diferenciados de desenvolvimento.

Em relação ao currículo, o Programa propõe a abordagem interdisciplinar e por projeto, citando a proposta da educação integral, segundo a qual a cidade passa a ser reconhecida e produzida como multiplicidade de espaços, tempos e agentes educadores.

O último aspecto definitivamente avançado nos Princípios afirmados pelo Programa refere-se à autonomia escolar, defendendo-a como fundamento de uma gestão, que buscará a descentralização de recursos financeiros, técnicos e administrativos, com base no fortalecimento do projeto político-pedagógico da unidade.

É na apresentação das Diretrizes Programáticas que o discurso do século XXI começa a ser solapado por estratégias basicamente reacionárias.

A reorganização dos nove anos do Fundamental em três ciclos de três anos cada poderia ser interessante se os ciclos superassem definitivamente a seriação, um modo de organizar o conhecimento mais condizente com a forma enciclopédia do que com a navegação hipertextual possibilitada pelas tecnologias atuais.

Ao invés de ficarem em salas de pessoas exatamente da sua idade – algo que também não encontra justificativa em qualquer pesquisa sobre o desenvolvimento humano – os estudantes do mesmo ciclo poderiam desenvolver projetos interdisciplinares, orientados por “professores integradores”, como refere o Programa. Nessa estrutura realmente nova, os estudantes seriam continuamente desafiados, envolvidos e acompanhados ao longo de todo o seu percurso. Se fosse necessário a algum estudante permanecer mais de três anos no mesmo ciclo, para desenvolver as habilidades previstas no ciclo, ele se envolveria em novos projetos, enfrentando novos desafios, ao invés de rever as mesmas aulas e os mesmos conteúdos, em uma repetição sem significado, em um grupo de estudantes mais novos.

Ainda no que se refere ao currículo, na forma de projetos interdisciplinares, as atividades iniciadas na escola podem ser continuadas pelos estudantes em suas casas, na medida em que isso faça sentido, que seja necessário para a realização do projeto. A obrigatoriedade de lição de casa, de forma isolada, é um dispositivo que combina mais com a escola como instituição disciplinar, voltada para formar pessoas obedientes, que cumprem tarefas que lhe são ordenadas, sem questionamentos. Sim, fazia sentido na Europa no início do século passado.

Dai entramos na outra estratégia reacionária do Programa: a avaliação por meio de provas bimestrais, com notas de 0 a 10 publicadas em boletins. Não é possível compreender como a notação numérica engendrará processos formativos, como os descritos nos Princípios e Conceitos do Programa. Sempre, desde que as notas em provas foram inventadas e até que se universalizaram por países como o Brasil, elas foram única e exclusivamente utilizadas para os fins classificatórios e “somativos” que o documento critica. Não há qualquer justificativa pedagógica no próprio documento para a primazia das provas e das notas de 0 a 10.

Afirma-se apenas que isso seria mais claro para interpretação pelos alunos e suas famílias. Seria interessante saber como os pais irão interpretar a nota 6,5 tirada pelo João em matemática. Quais aspectos da matemática João compreendeu menos que Maria, que tirou nota 7? O que significa o 0,5 ponto que faltou para Thiago passar de ano?

Não, definitivamente não são os boletins com notas que vão aproximar as famílias das escolas. Essa aproximação tem que ser buscada no sentido da escola. A escola precisa conhecer, reconhecer e valorizar os saberes e experiências das famílias de seus estudantes, o lugar onde está inserida e, com base nisso, construir um Projeto Político Pedagógico que faça sentido para sua comunidade.

O Programa menciona que as notas serão acompanhadas de análises e “anotações que incentivem a continuidade dos estudos ou possíveis correções de rumo”. Isso, sim, é importante. No entanto, para que se efetive, os professores precisariam ter tempo de sua jornada de trabalho dedicado à elaboração destes relatórios avaliativos.

A interdisciplinaridade também depende de um tempo de planejamento de qualidade, o planejamento coletivo da equipe escolar. Assim, os professores precisariam trabalhar em uma única escola e ter 50% de sua jornada de trabalho dedicados ao planejamento individual e coletivo das atividades, à análise da produção dos estudantes, elaboração de relatórios, ao contato qualificado com as famílias. A qualidade social da educação, os nove itens que a compõem mencionados acima, depende fundamentalmente desta reorganização da jornada de trabalho do professor.

Por fim, porém mais importante, o aspecto mais incoerente entre o que é afirmado nos Princípios e estratégias propostas refere-se à autonomia escolar. As definições das formas de avaliação e da organização das atividades dentro e fora da escola são aspectos estruturantes do Projeto Político Pedagógico de cada escola. Se ela não tiver autonomia para tanto, o discurso da democracia não passa disso – um discurso vazio.

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