publicado dia 9 de agosto de 2013
Bolívia: escola comunitária de Warisata conta história de resistência
Reportagem: Redação
publicado dia 9 de agosto de 2013
Reportagem: Redação
O texto abaixo foi publicado originalmente em espanhol pelo jornal mexicano “La Jornada” e parte do relato do jornalista uruguaio Raul Zibecchi. A tradução e reelaboração para o português foi feita pela equipe do Portal Aprendiz. Clique aqui para ler o texto original em espanhol.
No altiplano boliviano, uma pequena cidade chamada Achacachi, bordeada pela cordilheira dos Andes e em frente ao imenso lago Titicaca, abrigou uma das primeiras experiências de educação comunitária do continente: Warisata. Chamada de escola-comunidade, a experiência foi um marco na luta dos camponeses indígenas pela recuperação de suas terras.
Tudo começou quando em 1899, um exército de liberação indígena, liderado pelo malku [cacique] Pablo Zárate Wilika, foi derrotado. As comunidades, para garantir sua sobrevivência e resistência, criaram escolas indigenistas. Mas as elites econômicas e políticas locais não concordavam com esse exercício de autonomia e muitos professores indígenas foram presos, torturados e até mortos.
Entre eles está o aimará – mesma etnia do atual presidente boliviano Evo Morales – Avelino Siñani, considerado o fundador de Warisata. Após ensinar clandestinamente por muitos anos em sua comunidade, foi denunciado e perseguido. Seguia saltando de localidade em localidade, fundando pequenas escolas até que foi preso e torturado.
Sua história chamou atenção de Elizardo Perez, um professor que se tornou inspetor de educação primária no estado de La Paz. Em 1931, ambos propuseram criar uma escola-comunidade na qual o índio educaria o índio. Os habitantes da região, comuneros, criaram o Parlamento Amauta como órgão de decisão da escola e da comunidade, unidas.
A primeira decisão foi abolir a servidão e o trabalho gratuito que os índios eram obrigados a prestar ao subprefeito, ao corregedor e ao padre local. A escola se apropriou, então, de terras usurpadas por latifundiários e os pequenos agricultores da região cederam pedaços de seus lotes para que a escola cultivasse. Em livro publicado sobre Warisata, Pérez revela os princípios que guiavam a escola: tudo o que era comunitário se concentrava na escola e ela reproduzia a comunidade. O Parlamento Amauta abarcava a totalidade dos aspectos da escola, desde a pedagogia até a metodologia de ensino, os conteúdos e seu funcionamento.
A escola funcionava em um prédio com grandes salões para que dormissem os estudantes e tinha mais de dez hectares de terra para produção de alimentos. A escola não produzia apenas conhecimento – produzia também os bens materiais necessários para sua subsistência. O modo de aprendizado partia da prática comunitária, priorizando o conhecer antes do copiar, transformar e não consolidar, recriar e não paralisar, como define a historiadora Karen Claure. Os alunos construíam suas camas, plantavam, colhiam e lavavam suas roupas no rio.
As atividades de ensino se desenvolviam ao ar livre, desde o manejo do tear até caminhadas sobre a cordilheira. Elizardo relata em seu livro que legislar, cozinhar e aprender eram trabalhos simultâneos. Professores, alunos e camponeses almoçavam juntos. As fotos de época mostram pessoas em roda, com caderno na mão, em um espaço aberto. É impossível saber se trabalham, estudam ou brincam.
O Parlamento Amauta também criou um mercado semanal livre, sem intermediários, para comercializar o excedente do que foi produzido pela comunidade, como forma de se sustentar, ao controlar o comércio de seus produtos. A escola era uma extensão da comunidade. Esta, por sua vez, detinha o controle e se servia da experiência educativa. As comunidades construíam o edifício, pagavam os professores e decidiam como se ensinava. A escola redundava no fortalecimento das estruturas comunais e na expansão de suas lógicas.
“Para nós acabou a maldição de não ver nada sem ser cegos; de não ouvir nada sem ser surdos; de não poder falar sem ser mudos. Por isso levantamos essa grande escola. Observem-na! É nossa filha e nossa mãe”, disse à época o jilakata Cipriano Tiñini, a autoridade indígena local.
Warisata expandiu então sua lógica e experiência em 15 núcleos escolares em todas regiões da Bolívia. Em 1940, no entanto, os fazendeiros se apoderaram da educação e desmembraram a escola-comunidade: seus editores foram destituídos e o edifício saqueado. Ainda assim, a Warisata é considerada o antecedente da reforma agrária de 1952.
Hoje em dia
Apesar da ofensiva, após a Segunda Guerra Mundial, Elizardo Pérez se tornou ministro da educação e expandiu o modelo da escola. Hoje, ela funciona no município de Warisata e trabalha sob as mesmas diretrizes, formando professores índios.
Recentemente, um curta que conta a história de Warisata foi divulgado na internet. Confira abaixo.
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=b4njET4g0sk[/youtube]