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publicado dia 2 de agosto de 2013

Repper Fiell: “A função social da arte é promover a educação”

Reportagem:

Emerson Cláudio Nascimento dos Santos, 34, mais conhecido como Repper Fiell, é mais um morador do morro Santa Marta, a primeira comunidade do Rio de Janeiro a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Mas quem vive a pacificação na pele, imprime nas palavras e nos versos uma história diferente da oficial, repleta de abusos e violações.

“Eu sou artista-militante, ser só artista é fácil. Estou no front, no dia a dia da favela, envolvendo a população”, diz Fiell.

É nesse contexto que Fiell gravou seu terceiro disco, “Pedagogia da Dominação”, lançado em maio, pouco antes da onda de mobilizações que varreu o país. Disponível na internet, a obra é uma referência direta ao educador Paulo Freire, que escreveu em 1970 o livro “Pedagogia do Oprimido”, que propõe um método educativo democrático e em constante diálogo com a realidade dos professores e estudantes. Defensor também de uma pedagogia da libertação e da autonomia, Freire influenciou – e é citado – ao longo de todo o CD de Fiell.

“Pedagogia tem a ver com a educação e a função social da arte é promover a educação e com isso trazer a reflexão para a população da situação social que eles tão vivendo. Sempre vivemos numa educação dominadora, que não funciona para libertar a população e sim dominar pela educação. É um dos veículos sociais mais importantes da nossa sociedade”, avalia o cantor.

Para desconstruir o que Fiell define como pedagogia da dominação, o rapper não poupa esforços, alvos e palavras: o Estado, os capitalistas, a burguesia, a polícia e a UPP, a especulação imobiliária, os opressores, os poderosos, o governo. Todos esses elementos estão na prosa e poesia do compositor, que também se apoia em Eduardo Galeano, Zé Keti, Zumbi dos Palmares, nas minas e nos manos do Santa Marta, para criar sua “contrapedagogia musical” embalada em rap, funk, repente, xote, baião e samba.

788 degraus

A sétima música do álbum, “788”, retoma os degraus que ligam o Botafogo ao Santa Marta. Fiell canta e conta assim, sua história, subindo a mesma escadaria de tantos outros habitantes das periferias das grandes cidades brasileiras. Nascido em Campina Grande, na Paraíba, chegou ao Rio ainda adolescente, instalando-se inicialmente na Cidade de Deus, e há oito anos vive no Santa Marta.

O nome artístico adotado por Emerson vêm desse itinerário. “Repper com ‘E’ porque eu sou brasileiro e faço música pra cá”. E se Cabral não descobriu o Brasil, como denuncia a primeira faixa do disco, quem há de negar que quando se trata de ritmo e poesia (Rhythym and poetry, sigla para a palavra Rap), os repentistas do nordeste brasileiro não teriam antecipado a canção que viria das periferias dos Estados Unidos no final da década de 70?

“Meus avôs eram repentistas, eu tinha esse vínculo com eles. E eu via muito, observava, fui aprendendo”, relata Fiell. Mas foi quando o passado encontrou as pancadas e pancadões da grande cidade, que surgiu a substância que culminaria nesse disco.

“Racionais MCs e o GOG me trouxeram a curiosidade. Canto desde 1997, quando tinha 16 anos. Comecei adolescente a fazer poesia. Eu via que o que os caras estão falando nas músicas tem a ver com a minha vida, de pobre preto, do lado esquecido do Estado que só chega com repressão. Foi aí que eu vi que eu tinha que transformar o que vejo em poesia e alertar os outros jovens.”

Preso por direitos

Mas não é apenas com a sua música que ele busca alertar os jovens. Quando o Santa Marta recebeu a UPP, afirma ele, a paz não veio. “Tive na primeira semana pistola apontada na cara, fui hostilizado pelos soldados e aí percebi que tendo uma mínima visibilidade já fui tratado assim, imagina como outros jovens e adultos, pessoas comuns seriam tratados?”. Pensando nisso, articulou com outros moradores uma cartilha sobre abordagem policial, informando os direitos previstos na Constituição, o que um policial pode fazer e quando há necessidade de um mandado. Conseguiram diminuir o número de abusos de autoridade. “A comunicação pode servir para informar ou desinformar, né?”

No entanto, pouco tempo depois, foi preso junto com sua esposa, uma pedagoga, e seu irmão enquanto realizava um show em um bar local. “Forjaram a prisão por desacato à autoridade, mas essa retaliação já havia sido declarada. Foi uma prisão política”, conclui. Para ele, o intuito da UPP, que figura como um exemplo de política de segurança pública bem sucedida, foi o de militarização, não de pacificação. “A polícia não foi criada para levar direitos sociais, cidadania. Ela foi construída pra proteger o patrimônio dos ricos, com autoritarismo, racismo e armamento”, protesta Fiell.

Confiante na ação comunitária, o cantor-ativista se viu novamente em conflito com a lei. Por 8 meses, entre 2010 e 2011, articularam uma rádio comunitária que foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Queríamos criar um canal para debater a vida dos moradores, seus problemas e soluções. Mas a justiça trata morador de favela como potencial criminoso e nossa rádio foi fechada.  Até agora as pessoas perguntam, ‘Fiell, cadê a rádio? Vai voltar quando?”

Música da revolta

Fiell participa de debate em escola na cidade de Duque de Caxias (RJ)

Esses acontecimentos deram origem ao “Pedagogia da Dominação”. Seu contato com movimentos sociais também foi decisivo: “A partir do momento em que temos acesso aos debates, movimentos sociais, formações políticas podemos enxergar que não é só pedir a Deus que você vai mudar de vida”.  A revolta, no entanto, vêm acompanhada de uma mensagem didática.

A faixa “Abomine o crime”, por exemplo, relata a vida de um homem preso que pensa em mudar. Há uma canção dedicada ao discurso de João Goulart, na Central do Brasil, em 1964, que prenunciou o golpe militar. “Eu sou artista-militante, ser só artista é fácil. Estou no front, no dia a dia da favela, envolvendo a população”, define a si mesmo o Emerson que virou fiel.

E assim, desviando das batidas e firme na sua, Fiell segue sendo uma pedra no sapato de muita gente. Participa do Coletivo Visão da Favela, tem sido chamado para falar em universidades sobre a vida dentro da comunidade, publicou um livro e lançou sua própria grife, a Movimente-se. “Se eu tiver um salário mínimo fazendo o que gosto, tá ótimo”.

Quem quiser conhecer melhor o trabalho de Fiell pode acessar seu site clicando aqui. O álbum Pedagogia da Dominação, está disponível online.



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