publicado dia 6 de março de 2013
Games nas escolas: experiências revelam impacto positivo no aprendizado
Reportagem: Marjorie Ribeiro
publicado dia 6 de março de 2013
Reportagem: Marjorie Ribeiro
No começo do ano, uma escola em Estocolmo, na Suécia, ganhou destaque na mídia ao incluir um jogo online como disciplina curricular obrigatória. Os educadores da instituição afirmam que o Minecraft, que se assemelha ao Lego por permitir construções com blocos, deu noções de planejamento e estimulou a criatividade dos alunos. No Brasil, apesar de ainda incipiente, a discussão em torno do potencial educativo dos games tem crescido entre professores e especialistas da área de educação.
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Games querem reconhecimento da escola
O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Games For Change, rede internacional que defende o potencial socialmente transformador dos jogos digitais, Gilson Schwartz, acredita que a chamada “gamification” – ou seja, o uso da tecnologia dos videogames fora da área de entretenimento – ganha cada vez mais destaque na educação de ponta. Diante dessa realidade, ele descreve duas visões possíveis na tentativa de incorporar os games como ferramentas de aprendizagem.
A primeira compreende os jogos como uma forma de incentivar a competição e o “ganhar”, o que muitas vezes é considerado positivo pelos que defendem um desempenho escolar pautado pelas regras do mercado de trabalho, com notas altas e rendimento elevado. Já a segunda, enxerga sua dimensão lúdica e propõe que, quanto mais divertido e saboroso, mais sentido um determinado assunto terá para o aluno.
“Existe sempre essa tensão entre o amor ao conhecimento e a necessidade de estudar para entrar na faculdade. Dependendo da situação, é possível combinar essas abordagens, mas é importante evitar a hipercompetitividade e o culto à performance que torna a escola excludente e pouco democrática”, ressalta.
Para o autor do livro “Doses Lúdicas”, Vince Vader, os games aproximaram elementos que antes pareciam opostos: aprender e se divertir ao mesmo tempo. “Educação não está apenas na escola, mas em nosso cotidiano. Um jogo que trabalha com senso de geografia, estratégia, dedução e lógica, aproveita o entretenimento para educar os jogadores”, afirma.
Jogos nas escolas brasileiras
Desde 2011, cerca de sete mil estudantes do ensino Médio e Fundamental do sistema SESI e de algumas escolas estaduais do Rio de Janeiro utilizam os jogos Manga High, que combinam conceitos simples e outros mais complexos de Matemática, dentro da sala de aula. Outra iniciativa em território nacional é o programa MenteInovadora, desenvolvido em 2006 e que atualmente abrange 700 escolas públicas e 170 particulares do país – totalizando aproximadamente 300 mil crianças e adolescentes.
Fruto de uma parceria entre secretarias municipais, estaduais e a empresa Mind Lab, o MenteInovadora é aplicado na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com o uso de jogos de raciocínio de tabuleiro em uma aula semanal de 50 minutos. A partir de 2013, a iniciativa passa a integrar também o Ensino Médio com games para tablets.
De acordo com o diretor de marketing da Mind Lab, Claudio Franco, tanto os jogos físicos quantos os digitais podem ser utilizados em diversas disciplinas, já que o objetivo é desenvolver habilidades que transcendam a sala de aula para a vida cotidiana, colaborando para a solução de problemas e tomada de decisões.
Mudanças na sala de aula
Em 2012, na Escola Municipal Carlos Novarese, em Salvador (BA), o programa foi aplicado nas aulas de Ciências e Matemática do 1º ao 9º ano do ensino Fundamental. Segundo a diretora da instituição, Rosemy Soares, no início, a proposta sofreu resistência dos pais que não conseguiam compreender como aquilo poderia resultar em aprendizado. Com o tempo, a mudança de comportamento dos alunos e a participação mais efetiva das famílias no processo educativo – os estudantes recebiam um kit para jogar também em casa – fez com que os pais reavaliassem.
Para Rosemy, a inserção dos games aumentou perceptivelmente a concentração e o interesse pelo aprendizado. “Até aqueles meninos que tinham dificuldade em se manter na sala por inquietação conseguiram se envolver no jogo”, relata. A professora de Ciências do 6º ao 9º ano, Maria Adélia da Silva, revela ainda que os jogos estimularam a participação dos adolescentes que antes ficavam mais quietos.
“Achei legal percebê-los através dos jogos, ter mais sensibilidade para compreender as dificuldades de cada um”, afirma. Além disso, acredita que a experiência conferiu mais sentido e valor para escola, recuperando estudantes que faltavam às aulas e reduzindo a evasão escolar.
Professor mediador
No MenteInovadora, os educadores participaram de uma capacitação e receberam um livro de orientação, com estratégias e conceitos que poderiam ser desenvolvidos, além de sugestões para a mediação e contextualização das experiências vividas pelo jogador. Os métodos e estímulos são adequados à faixa etária e realidade de cada fase de desenvolvimento.
Na percepção da orientadora educacional da Escola Estadual Leopoldo Jascobsen, em Taió (SC), Iria Lucia Oenning, quando essa formação não acontece, a aplicação dos games em sala de aula é prejudicada. Segundo ela, um dos professores que se interessou pela proposta não conseguiu participar do curso por ser oferecido apenas aos professores efetivos, não sendo estendido também aos contratados temporariamente.
O pesquisador da Unicamp em Linguísticas Aplicadas, Gustavo Nogueira, analisou a interação de duas crianças, de nove e dez anos, com os jogos September 11th e Call of Duty 4: Modern Warfare, ambos com referências aos ataques de 11 de setembro de 2001. Em sua dissertação de mestrado “A prática de jogar videogame como um novo letramento”, Nogueira monitorou a capacidade de compreensão dos meninos, observando as estratégias de leituras utilizadas.
Embora tenham executado devidamente as tarefas de jogador, não conseguiram compreender o contexto histórico dos jogos. A mesma atividade foi promovida com 20 crianças simultaneamente, mas dessa vez, com intervenções que incitaram o debate e o aprofundamento da temática. “Ficou evidente que sem o professor ou o mediador o conteúdo educacional fica em segundo plano”, constata. Para ele, o educador deve provocar o jogador a refletir sobre o que ele está fazendo, em qual contexto e questionar suas escolhas.
Além da escola
Nogueira acredita que os jogos podem também extrapolar as disciplinas curriculares e ser utilizados pelos professores para fomentar uma discussão mais aprofundada das novas tecnologias. “Se há um jogador mais crítico, eles mesmo vão questionar a violência excessiva de alguns jogos. Mas se não, eles serão meros consumidores das grandes produtoras, porque não há nenhum lugar que os ensine a lidar com essa mídia.”
Vince Vader concorda com o pesquisador e acrescenta ainda que “faltam pesquisas acadêmicas sobre como essas atividades agem na mente dos jogadores”. Para ele, o investimento mais amplo do mercado nacional, dos governos e de instituições, aliado ao avanço dos estudos na área são fundamentais para o aproveitamento do potencial educativo dos jogos, sejam eles físicos ou digitais.