publicado dia 1 de novembro de 2013
O Nepal, um país pequeno e populoso (tem área próxima a do Uruguai e cinco vezes sua população), recentemente ganhou o noticiário internacional, quando um movimento democrático, liderado por um partido comunista, acabou com a monarquia instaurando uma constituição e eleições, em 2008.
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De lá pra cá, o país começa a passar por mudanças. Em 2001, quase um em cada dois nepaleses era analfabeto. Dez anos mais tarde e já com um novo sistema político, 65% dos habitantes já sabiam ler e escrever. No entanto, enquanto 25% da população masculina permanecia analfabeta, 43% das mulheres do país não sabiam ler e escrever.
Uma das principais razões para tal discrepância está na questão dos casamentos infantis, que afeta o sudeste asiático de forma particular: 50% dos casamentos de meninas menores de 18 anos, ou seja, em idade escolar, acontece na região.
No Nepal, o programa “Choose Your Future”, do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), tenta mudar esse quadro empoderando as principais afetadas: as meninas e suas mães. Mesmo sendo considerada uma prática ilegal no país, metade de suas mulheres se casa antes de completar 18 anos.
As razões para o fenômeno, apontadas como culturais e parte da tradição – há uma crença de que pais que casem suas filhas cedo irão para o paraíso – é sublinhada pela pobreza. Além de o dote de uma filha mais velha ser mais caro para a família da noiva, a situação de pobreza, aliada à falta de informação e de acesso à saúde reprodutiva, empurra meninas para o casamento precoce, uma vez que seus pais não possuem os recursos para mantê-las em casa.
Shanti e Usha
Com 16 anos, Shanti já está casada com Ramesh, 17, há dois anos. Ambos tiveram que largar os estudos para se casar e hoje vivem em situação de pobreza e dificuldade. “A vida é difícil porque meu marido não tem emprego. Toda manhã eu cozinho para os parentes de Ramesh, dou comida ao gado, pastoreio e limpo a casa. Tudo sozinha.”
Ramesh, diante da situação, se solidariza com quem ainda está na escola: “Meu conselho é que estudem. Não casem se não puderem manter seus filhos”. Apesar de ainda não terem crianças, Shanti e Ramesh são uma exceção à regra: a maior parte das meninas casadas precocemente começa a ter filhos tão cedo quanto possa, o que acarreta grandes riscos de saúde para suas vidas. “Eu pedi a meus pais que não casem minhas irmãs tão cedo”, conta. O casamento dos dois jovens foi arranjado quando ambos não tinham mais que 12 anos.
Aos 15 anos, Usha era a líder de sua classe no programa da UNFPA – que ensina às jovens que casamento infantil é ilegal e, em caso de gravidez precoce, podem levar a problemas no parto – quando descobriu que seus pais queriam casá-la.
“Eu pensei: se eu sou a líder da minha classe e não puder evitar meu casamento, quem falará por minhas colegas? Então, com a ajuda de minhas amigas, confrontei minha mãe.” Diante da ameaça de denúncia às autoridades, seus pais desistiram da empreitada. Usha agora espera terminar a escola e virar uma professora ou doutora. “Ou uma comerciante”, diz. Além dela, outras meninas de seu grupo conseguiram resistir a essa prática, contando com o apoio das amigas.
Educação familiar
Outra frente importante no combate ao casamento infantil é o trabalho com os pais. Um dos casos relatados é de Sabrunisha Gaddi, que com 7 filhos e grávida, tentava casar sua filha Kabrunisha de 14 anos. “Sim, o casamento infantil é um problema. Mas tente olhar do lado dos pais: somos tão pobres e será mais difícil casá-la depois de velha. E temos filhos mais novos em casa”, lamenta.
Para Sita Ghimire, que coordena o programa Save the Children Nepal, ganhar as mães é uma etapa importante do projeto. Segundo Sita, as mães tendem a uma postura defensiva e dizem “Se eu consegui, porque minhas filhas não irão conseguir?”. “É ai que perguntamos quantos filhos elas tiveram, que problemas enfrentaram, como se sentiram na época, como foi ficar longe dos pais e casada aos nove anos? Aí elas tomam consciência e afirmam: ‘Não farei o mesmo com minhas filhas’”, revela a coordenadora.
Iniciativas desse gênero no Nepal têm se espalhado pelo país por programas de rádio, outdoors e teatros de rua para crianças, além de outros programas financiados por instituições internacionais e nacionais. Um comitê nacional composto por ministérios e governo está trabalhando com as Nações Unidas e organizações não governamentais para implementar uma campanha que envolva também garotos. A esperança é que no futuro Usha, Shanti e tantas outras meninas tenham voz nas escolhas de suas vidas.