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publicado dia 27 de março de 2013

Arte de rua, poesia e protesto

O graffitti está incorporado de tal forma na vida urbana que já faz parte da identidade das cidades.

Por Carolina Gutierrez, do Outras Palavras
Publicado originalmente em 11/9/2010. Republicado para celebrar o Dia do Graffiti

Enfeitar a cidade, transformar o urbano com uma arte viva,
popular, da qual as pessoas participem,
é a minha intenção.
(Alex Vallauri)

Para começo de conversa é graffiti! Grafite é aquele bastão fininho que tem dentro do lápis que serve para escrever. Mas graffiti também é escrita. Escrita inscrita nas paredes da cidade. É cor, linguagem, textura, arte, intervenção, protesto, provocação.

A história, as lendas e a Wikipédia dizem que o graffiti deriva lá do Império Romano, onde os muros eram utilizados como um dos suportes de diálogo com a esfera pública. Cristo foi crucificado, Maria Antonieta perdeu a cabeça, o muro de Berlim foi derrubado, a Hebe quase morreu e o Corinthians foi para a Libertadores, e o graffiti continua sendo intervenção, arte e denúncia urbana.

Generalizou-se pelo mundo a partir de maio de 1968, quando, no contexto de revolução política e cultural, os muros de Paris foram tomados por inscrições de caráter poético-político. Tornou-se popular e adquiriu forma nas ruas de Nova York. No Brasil, mais fortemente em São Paulo, surgiu na década de 1970. Primeiro através das pichações poéticas e depois com a stencil art (com reprodução seriada).  Já nos anos 90, o graffiti ampliou sua presença para as periferias no rastro do movimento hip-hop.

Hoje, está incorporado de tal forma na vida urbana que já faz parte da identidade das cidades. Em São Paulo, todo dia 27 de março, saúda-se o dia do graffiti (não oficializado nacionalmente).

As histórias dos graffitis se entrelaçam, se recriam. Numa paleta de cores, assumem novas formas e matizes. Os muros são o suporte, a morada de todos esses grafismos, ícones, histórias e memórias de uma metrópole. O graffiti é assim. Nasce da necessidade de passar uma mensagem. Caminha em cores por ruas cinzas. Provoca o olhar para a cidade. Em cada símbolo, torna os muros sociais visíveis. É poético. É ácido. É metáfora. É antítese.

Arte democrática e humanizadora

Embora autoral, o graffiti é arte intrinsecamente democrática. O desenho fica exposto a toda população sem distinção ou restrição – basta olhar a cidade. A efemeridade lhe insere um sentido de desprendimento. A noção de posse da obra é eliminada. “O graffiti mantém um diálogo muito rico entre os transeuntes e o poder público. Levanta questões sobre de quem é a cidade. Resgata o verdadeiro conceito de público”, explica a grafiteira Ziza de São Paulo.

É sempre muito curioso como as pessoas se relacionam com as imagens. O graffiti ocupa o espaço e interage o tempo inteiro.  Desde pautar olhares transgressores e reflexivos até situações engraçadas.

Quem nunca, por exemplo, ao indicar um caminho, disse “olha só! pega a primeira esquerda e vira na quarta a direita, na rua onde tem um graffiti bem colorido na esquina”. Ou ficou surpreso ao se deparar com a frase o amor é importante, porra! Ou ainda viu estremecer os pilares da sociedade racista ao ver o graffiti do recorrente saci, com as mãos para o alto, ao lado da inscrição quem ter orgulho de ser negro levanta a mão! E ficou chocado ao ver que, na realidade, um policial apontava uma arma em direção a esse mesmo saci.

“Toda a cultura hip-hop, incluindo o graffiti, é ato resistente numa cidade que sonega direito, sonega a voz. Ela ocupa, traz visibilidade, dá voz. Além disso, o graffiti tem um papel de revitalização – dá vida ao que não tem cor”, diz Paulo Carrano, professor da Faculdade Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, o graffiti humaniza e transforma o espaço urbano. Embeleza, ao mesmo tempo em que defronta a cidade e suas contradições, obrigando-a a contemplar sua própria miséria. Projeta imagens dialéticas. Reflete outro lado da organização social da metrópole. Em cada mensagem, a denúncia pelo direito à cidade – o direito fundamental à dignidade dentro desse mosaico social.

O grafiteiro e artista plástico Zezão, por exemplo, procura sempre locações vazias, abandonadas, com backgrounds deteriorados. É conhecido mundialmente por seus graffitis azuis nas galerias subterrâneas. Ele dá cor aos intestinos e vísceras de São Paulo.

“Enxergo minha arte como um curativo da cidade. Esse é o sentido do graffiti para mim. Levar arte para as pessoas que habitam os rincões esquecidos da metrópole. É quase um exorcismo do lugar”, contou.

Educação: graffiti e atitude

Dentro ou fora da escola, a maioria dos coletivos de graffiti desenvolve ações educativas. Seja na educação formal ou não-formal, os grupos procuram criar cotidianamente novos meios e espaços para se debater a arte de rua em sua cultura.

Muitas escolas, sobretudo públicas, oferecem oficinas de graffiti para os alunos. A associação DF-Zulu, por exemplo, trabalha com a revitalização dos muros da escola por meio de atividades de graffiti com os alunos. “A escola faz parte da comunidade, e promover a revitalização gera um retorno a valorização deste espaço. Procuramos transformar a escola em um ambiente que os jovens se sintam bem e empoderados do espaço de aprendizagem. No final, é uma valorização da própria comunidade”, pondera Satão.

Para Guilherme Marin, da Rede IVoz, a escola é um espaço de convivência de alto valor simbólico na comunidade. O graffiti, em sua capacidade de envolver o jovem, devolve o lúdico, a identidade e o respeito à comunidade. “Hoje, a maioria das escolas parecem verdadeiros presídios, perdendo o valor simbólico. A revitalização causa identidade no jovem. O fato do graffiti ser usado em sala de aula devolve e demonstra valor pelo conhecimento gerido pela comunidade. É a valorização da cultura periférica – criada na comunidade”, explica.

Porém, o uso do graffiti como instrumento pedagógico pode ser perigoso, se desvinculado de sua origem e história. O coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, Paulo Carrano, argumenta que dependendo da abordagem em sala de aula, corre-se o risco de descontextualização da cultura hip-hop em que o graffiti está inserido. “O graffiti é um mosaico de ações e sentidos; tem origem e contexto. Se usado na escola, não deve distanciar-se de sua origem”.

“O professor tem que ser um desbravador, levar os alunos à rua, ver o real, observar cores, técnicas, superfícies. Chega de criar ambientes de reprodução”, completa a grafiteira Ziza.

O educador é, muitas vezes, referência para os alunos. Ele inquieta, provoca, cria verdades. Carrano defende que as mensagens colocadas em sala de aula nunca devem ser impostas, mas negociadas. Os debates e atividades em torno do graffiti devem contemplar e valorizar a sua origem – cultura periférica. Uma cultura altiva, consciente de sua condição social e do quanto lhe foi negado.

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