publicado dia 30 de outubro de 2012
Por Yuri Kiddo, da Pró-Menino, da Fundação Telefônica-Vivo
“Prefiro ficar com o tempo livre para brincar e estudar. É chato demais arrumar a casa”. J.M.R.E. tem apenas 11 anos, mas já carrega um “currículo” extenso de trabalho infantil doméstico: foram três anos em casa, lavando, limpando e cuidando dos três irmãos mais novos. Entre tantas tarefas, a pequena, acompanhada da avó, ainda circulava pelas ruas de Diadema, região do ABC de São Paulo, em busca de garrafas pet para reciclagem. O objetivo era ajudar na renda da família composta por sete pessoas que dividem um quarto e uma cozinha localizado em Eldorado, bairro periférico da cidade. “Saía quase todos dias para pegar garrafa. O dono do ferro velho vinha até minha casa e pagava menos de R$10 por dia. Eu ficava com R$1 para comprar bolacha. E o resto eu dava para minha avó ajudar nas despesas.”
Ainda não tiveram a mesma sorte os 704 mil meninos e meninas que estão em situação de trabalho, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, embora tenha havido uma queda de 14% na faixa etária de cinco a 14 anos nos últimos dois anos. A Pnad de 2009 revelou que quase 600 mil crianças na mesma faixa dividiam o tempo entre escola e trabalho doméstico.
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Hoje J.M.R.E faz capoeira, participa de oficinas de brinquedos e de brincadeiras africanas há quatro anos na Associação de Apoio à Criança em Risco (ACER Brasil), ONG localizada no próprio bairro onde mora. Foi lá que identificaram, no final de 2009, a situação de exploração e a encaminharam ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para que fosse inserida no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal. O Programa articula ações para a retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos deste tipo de situação.
“Percebemos que ela era muito fechada, fugia quando nos aproximávamos, faltava às atividades. Depois que parou de trabalhar, o rendimento dela melhorou muito na escola e voltou a frequentar a ACER”, conta a psicóloga e educadora social, responsável por ela na entidade, Michely Galdino. Aos olhos menos atentos, chama a atenção J.M.R.E. não gostar muito de brinquedos. “Qual a graça para uma criança com este perfil brincar com boneca ou de casinha, se ela já cuidava da casa de verdade?”, justifica Galdino.
A aceitação do trabalho infantil é compreendida culturalmente como uma atividade “formadora do caráter” e que previne a exposição a riscos como a situação de rua, o uso de drogas, o envolvimento com o crime. “A mudança cultural caminha lado a lado com as das condições de vida da população. Neste sentido, é um processo em curso no país na medida em que o Estado vem ampliando a oferta de proteção social e promovendo a inclusão social e econômica da população historicamente excluída, tirando da extrema pobreza milhares de famílias”, completa a secretária nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Denise Colin.
Além do Peti, a menina está inserida no Programa Aprender Mais, do governo de Diadema, que desde 2010 atende alunos do quinto ano do Ensino Fundamental das escolas municipais oferecendo duas horas a mais por dia em aulas de alfabetização e Português. Em 2012 o Programa foi estendido até o terceiro ano do Ensino Médio para toda a rede de ensino. “Criança tem que estudar para ser alguém na vida”, afirma a garota que faz poesias e sonha em ser professora e escritora.
Políticas públicas brasileiras
As ações governamentais sejam nos âmbitos municipal, estadual e federal, vêm sendo criadas nas últimas décadas na tentativa de prevenir e erradicar o trabalho infantil e adolescente no país. Uma das mais recentes foi Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, lançado em 2010. Mas elas ainda são insuficientes principalmente na integração das três esferas e na adoção de medidas mais emergenciais como já apontou algumas vezes o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti).
Ao ingressar no Peti, a família tem acesso a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, acompanhamento e transferência de renda do Bolsa Família, com base na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Esta iniciativa faz parte do Plano Brasil Sem Miséria (BSM), também do governo Federal. Caso a família tenha renda mensal per capita igual ou inferior a R$ 140, ela receberá o Bolsa Família. Já se a renda for superior a R$140, o benefício recebido é o do Peti, no valor de R$ 40 por criança e adolescente em área urbana e de R$ 25 nas áreas rurais.
Atualmente o Peti atende mais de 820 mil crianças afastadas do trabalho em mais de 3,5 mil municípios. Porém, a educadora social Michely Galdino conta que há uma “resistência” para as famílias que estão inseridas no Bolsa ingressarem no Peti pelo fato de não poderem mais manter seus filhos em atividade econômica. “A família que está no Bolsa Família acaba garantindo a renda. Mas isso não quer dizer que a criança deixa de trabalhar, dividindo o tempo entre trabalho e escola”.
Para Denise Colin, não há dúvidas de que estes programas têm papel importante na erradicação do trabalho infantil. “São uma importante contribuição para que os números venham diminuindo continuamente no país, na medida em que além da renda, oferece a inclusão e o acompanhamento na rede escolar e de saúde de assistência social.”
Outra ação no âmbito federal é o Programa Mais Educação, do Ministério da Educação (MEC). Em 2011, quase 15 mil escolas num total de mais de três milhões de estudantes aderiram ao Programa a partir dos seguintes critérios: estabelecimentos de ensino estaduais ou municipais de baixo IDEB que foram contempladas com o PDE/Escola 2009; as localizadas em territórios de vulnerabilidade social e as situadas em cidades com população igual ou superior a 18.844 habitantes. As escolas atendidas oferecem jornada integral com atividades extracurriculares relacionadas ao projeto político-pedagógico da escola e da comunidade. O processo de adesão, desde 2009, acontece por meio de formulário eletrônico.
A educação integral é uma das formas de contribuir com a erradicação de crianças e adolescentes em atividade econômica. Segundo o governo, deverá aplicar até o final deste ano mais de R$ 1,4 bilhão para a ampliação deste tipo de ensino nas escolas públicas brasileiras.
O que fazer? Identificou alguma situação de trabalho infantil? Comunique ao Conselho Tutelar de sua cidade, ao Ministério Público ou a um Juiz de Infância. Há a opção também de denunciar pelo telefone ou site do Disque 100 – Disque Denúncia Nacional: www.disque100.gov.br
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