O uso dos celulares em sala de aula é assunto polêmico. Em 2010, o ex-deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS) apresentou à Câmara um projeto de lei que proibia o uso dos aparelhos por alunos e professores nas salas de aula de todas as escolas públicas do país. A proposta foi aprovada pela Comissão de Educação e Cultura, mas acabou sendo arquivada.Recentemente o Projeto de Lei 2806/11, de autoria do deputado Márcio Macêdo (PT-SE), retomou a proposta, permitindo porém a presença destes equipamentos, desde que relacionados ao desenvolvimento de atividades didáticas e pedagógicas e após a autorização dos professores ou da diretoria da escola.
O uso das novas tecnologias de informação, como lousas eletrônicas, iPads e e-readers, para citar alguns poucos exemplos, parece estar sendo cada vez mais incorporado ao ambiente escolar e, ao mesmo tempo, alimenta discussões pedagógicas sobre qual seria a melhor forma de utilizar tais tecnologias para que elas representem um benefício real ao processo de ensino e aprendizagem.
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A tese intitulada “Um ambiente virtual de aprendizagem que utiliza avaliação formativa, a tecnologia de mensagens curtas e dispositivas móveis”, de autoria de Samira Muhammad Ismail, aluna da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), vem contribuir para este debate. O trabalho trata do desenvolvimento de um sistema chamado SMS2E (Short Message Service To Educate), o qual permite a possibilidade da utilização da tecnologia SMS como uma ferramenta de apoio à educação. Segundo Samira, o SMS2E oferece uma solução que facilita o uso da avaliação para a formação, e não para a punição.
Este procedimento, que pode ser aplicado em aulas presenciais ou a distância, utiliza os celulares, o serviço SMS e os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) – como o TelEduc, elaborado pela Unicamp – para permitir que professor e aluno possam verificar instantaneamente os resultados do processo de ensino e aprendizagem.
“O professor formula uma questão de múltipla escolha relativa ao conceito apresentado em sala e os alunos, então, respondem utilizando seus celulares e escolhendo a alternativa que lhes parece correta. Em poucos segundos, as respostas são consolidadas através do sistema e os resultados são apresentados imediatamente aos alunos e professores em forma de gráficos. Esta apresentação, feita durante a aula, permite aos alunos e ao professor identificar possíveis falhas de ensino ou aprendizagem, a tempo de serem corrigidas”, explica Samira.
Sendo assim, o próprio aluno pode fazer uma auto-avaliação e o professor é capaz de decidir sobre a necessidade de reapresentação do conceito ou mudança na estratégia de ensino. A pesquisadora lembra que a avaliação é um recurso extremamente importante em qualquer processo de ensino e aprendizagem e que, quando preparada e executada com inteligência, pode contribuir para a melhoria do processo. Entretanto, segundo ela, a avaliação mais utilizada atualmente é aquela classificada como somativa, que é realizada somente ao final de certo período escolar, quando o professor atribui uma nota para o aluno, ou seja, quantifica o conhecimento adquirido por ele. “O problema é que, quando este é o único tipo de avaliação realizado, o processo pode se tornar punitivo, porque não dá chance para qualquer reação – nem por parte dos alunos e nem do professor.
O ideal é que o aluno possa ser avaliado constantemente, mas isto não se faz porque, sem o apoio da tecnologia, fica muito difícil para o professor, já que se criaria uma carga extra de trabalho, pois ele teria que constantemente preparar e corrigir estas avaliações adicionais, além de analisar seus resultados. O SMS2E vem para facilitar todo este processo e permitir que o professor possa fazer avaliações constantes e interferir no processo de ensino e aprendizado. Esta é a vantagem da avaliação formativa”, afirma Samira.
A proposta da tese, realizada dentro da linha de pesquisa “Ensino de Engenharia e Inovações Tecnológicas”, com orientação do professor Gilmar Barreto, levou em conta o fato de que a tecnologia SMS é inclusiva, pois está presente em todos os modelos de celulares, desde os mais simples, é fácil de utilizar e não requer a incorporação de nenhuma tecnologia nova, ou seja, não representa a adição de nenhuma dificuldade ou trabalho extra ao ambiente do educador. Ademais, tem um baixo custo de implantação, utilização, manutenção e substituição.
Barreto coloca que a ideia principal do trabalho é sempre usar a tecnologia no sentido de facilitar a educação. “O celular deve ficar ‘bem ligado’ dentro da sala de aula e tem que ser utilizado como uma ferramenta que complementa o aprendizado. A tese da Samira foi feita com os celulares mais simples possíveis. Mas, se pensarmos nos smartphones, que tendem a ficar mais baratos e vão, eventualmente, substituir os mais simples, o professor vai poder utilizar esta tecnologia também com imagens, por exemplo, numa aula de trigonometria do segundo grau.
O professor poderá enviar a questão ‘Aponte neste triângulo qual é o ângulo reto’ acompanhada da imagem do triângulo. O aluno, por meio da tecnologia touchscreen, vai apontar diretamente no celular qual é o ângulo reto e imediatamente o professor saberá quantos alunos aprenderam aquele conceito ou não. A mesma ideia vale para várias disciplinas”, aponta o orientador.
O trabalho foi apresentado em vários congressos e seminários, entre os quais o Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (Cobenge, em Blumenau?SC); o Congresso Internacional de Educação em Engenharia (Educon 2011, em Aman ?Jordânia); e o Seminário de Inovações Curriculares, em 2011, na Unicamp. Também foram publicados artigos relacionados ao assunto da tese em revistas conceituadas, como a IEEE – Multidisciplinary Engineering Education Magazine e a International Journal of Interactive Mobile Technologies.
Tiago Médici, aluno do 4º ano do curso de Engenharia Elétrica da Unicamp, atualmente utiliza o SMS para manter contato com a família e se comunicar com os amigos, mas aprova a ideia do uso da tecnologia durante as aulas. “Acho que seria uma oportunidade interessante de interação com o professor e de auxílio no aprendizado”, afirma. Luis Carlos Kretly, professor titular da FEEC, testou o SMS2E e aprovou o resultado: “É uma ferramenta bastante interessante e fácil de ser utilizada. Eu, com certeza, adotaria o SMS2E durante minhas aulas na faculdade”.
Durante o doutorado, Samira pretende continuar aperfeiçoando a ideia e o sistema. “Agora, pretendemos desenvolver um gateway SMS dedicado à universidade, oferecendo alguns novos recursos e visando o melhor aproveitamento do sistema. No entanto, devemos preservar os benefícios de baixo custo total de propriedade, que envolve a aquisição, operação, manutenção, substituição e expansão do sistema. Além disso, devemos manter uma arquitetura aberta, facilmente integrável às plataformas de software educacionais já existentes”, finaliza a pesquisadora.