Robôs-mula capazes de carregar centenas de quilos e se equilibrar em terrenos acidentados. Vírus desenvolvidos em computador e sintetizados para curar o câncer. Próteses que transformam deficientes em ciborgues. Aplicativos para smartphones para consultas médicas a distância. A crença de que os grandes problemas do mundo serão resolvidos por meio da inovação. Tudo isso embalado pela imagem hype do Vale do Silício, onde o mix de espírito empreendedor e capital de risco inverte raciocínios: você tem de se preocupar com o que quer mesmo fazer na vida, não com um emprego.
Essa é uma síntese possível do rasante feito em São Paulo este mês pela Singularity University (SU), polo hi-tech criado em 2008 em instalações da Nasa na Califórnia. Especialistas com aura de visionários falaram num evento aberto no dia 15, no Colégio Dante Alighieri (como parte do ciclo Grandes Universidades, promovido pela Fundação Estudar com apoio do Estadão.edu), e, nos dois dias seguintes, para estudantes da Fiap, faculdade de Tecnologia da Informação que é parceira da SU no Brasil.
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Variada como o cardápio apresentado, a comitiva tinha do fabricante de robôs Dan Barry, ex-astronauta que participou de três missões espaciais, ao professor indiano Vivek Wadhwa, criador de empresas de TI e referência em inovação e empreendedorismo nos Estados Unidos. Ou o ex-policial de Nova York Marc Goodman, especialista no combate ao cibercrime.
Concebida como uma antena do Vale do Silício, a SU tem um grupo estável de pouco mais de uma dezena de pessoas, que interage em cursos e fora deles com gente como Craig Venter, pioneiro do sequenciamento do genoma humano, e os fundadores do Google. Em comum, esse grupo carismático tem a fé na tecnologia. Uma fé que pode ser contestada, mas tem a capacidade de resolver vários problemas – a começar, talvez, pela falta de coisas nas quais acreditar.
Vivek sintetiza o conjunto de ideias que serve de alicerce para a SU. “Estamos assistindo a avanços tecnológicos em muitas áreas que podem resolver os grandes problemas da humanidade: fome, energia, poluição. Computação, robótica, inteligência artificial, nanotecnologia, medicina, todas estão avançando e convergindo.”
Os especialistas que vieram ao Brasil estão na linha de frente dessa revolução que vai criar as indústrias do futuro. Dan, por exemplo, é “o” cara do hardware. “A queda dramática do preço de componentes como sensores, que custavam US$ 5 mil há alguns anos e hoje saem por US$ 150, vai permitir avanços consideráveis na robótica”, diz. “No ambiente doméstico, por exemplo, eles ainda são muito lentos para executar tarefas e circular. Mas já podem ser bastante úteis para pessoas deficientes e é a partir daí que as coisas vão decolar.”
Além de experts, os professores da SU são empacotadores. Reúnem as principais tendência em palestras dinâmicas, nas quais apresentam uma visão geral de indústrias que nascerão na intersecção entre grandes áreas de conhecimento.
Na apresentação para alunos da Fiap, Dan empacotou futurismo com coisas que já acontecem. Diante delas, a excitação causada pelas redes sociais parece encolher: o Facebook é fichinha perto do que vem por aí no Vale do Silício.
Um exemplo? Dan mostrou imagens de robôs que já fazem segurança de shoppings e manutenção externa de naves no espaço ou dão voz de prisão a criminosos nas ruas, controlados a distância pela polícia. Outros, como o big dog, o robô-mula, transportam volumes superpesados. O mesmo fazem exoesqueletos, armaduras que permitem carregar sem esforço uma centena de quilos ou a deficientes andarem.
Outro cientista-empreendedor, Andrew Hessel, especialista em genética e computação, deu aos estudantes insights arrojados sobre a nascente indústria da biologia sintética. A partir da premissa de que hoje podemos criar organismos vivos para suprir nossas necessidades, Andrew acredita que este século será o da transição para o uso de vírus, bactérias e enzimas em áreas tão diversas quanto produção de energia e alimentos, reciclagem de lixo e combate a doenças. Um portfólio tão exuberante que a cura do câncer é apenas parte do cenário.
“O DNA é uma linguagem de programação; células são computadores vivos que podem ser infectadas com software, que são os vírus”, diz. “Hoje podemos decifrar o DNA de uma célula de câncer e escrever no computador um programa para combatê-las. O passo seguinte é sintetizar um vírus com esse programa e infectar a célula. Vamos criar terapias individualizadas contra o câncer.”
Andrew acredita que em até dois anos veremos a aplicação prática das terapias. Mas suas previsões são mais ambiciosas. “Você não precisa ser especialista em genética: vai poder encomendar a fábricas de microrganismos o que quiser, de vírus capaz de deixar a grama fluorescente, para permitir jogar golfe à noite, a bactérias com poder de processar lixo.”
O que Andrew diz pode parecer inatingível, mas a velocidade do desenvolvimento tecnológico sustenta seus argumentos. Concluímos há dez anos o mapeamento do genoma humano, gastando centenas de milhões de dólares. Hoje, já podemos encomendar análises de genomas individuais por menos de US$ 1 mil. Estima-se que esse custo cairá para centavos em alguns anos. “É hora de lançar outro Projeto Genoma. Depois de aprender a ler DNA, precisamos aprender a escrever DNA.”
Diretor da Ideiasnet, companhia de capital de risco, o brasileiro Everson Lopes, de 29 anos, fez em 2010 o Global Studies Program (GSP), curso mais intensivo da SU, realizado entre junho e agosto. Após um processo seletivo que incluiu basicamente entrevistas, ficou dez semanas no câmpus, em Mountain View. “O ponto essencial para eles é saber se você se acha capaz de fazer algo capaz de criar impacto no maior número de pessoas possível”, diz Everson, que ganhou bolsa equivalente à metade do custo de US$ 30 mil do curso – um “atalho” para o GSP é o concurso anual Call To Innovation da Fiap, que anunciará no dia 16 o autor do projeto de inovação premiado com bolsa integral.
O brasileiro passou com louvor na prova final do GSP: criar um projeto capaz de provocar impacto em 1 bilhão de pessoas. Propôs, com dois colegas, montar uma startup para desenvolver bactérias sintéticas capazes de processar lixo eletrônico e permitir o reaproveitamento de metal. “Um investidor da Califórnia acreditou no potencial da empresa. Trouxe outro investidor, de um fundo do qual o Al Gore faz parte.” A companhia agora está na fase de montagem da fábrica.
“A SU tem uma vibe incrível”, diz Everson. “É uma Disneylândia para adultos.”
(Estadão)