publicado dia 8 de março de 2012
“Eu não tinha noção de como as mulheres sofriam violência diária pela sociedade. Refiro-me às violências disfarçadas, que muitas vezes eu nem percebia como agressão”, disse uma das 54 participantes da turma de Promotoras Legais Populares do Distrito Federal (PLP/DF) de 2011.
Realizado há oito anos, o curso ensina as mulheres a se descobrirem como protagonistas na construção e na conquista por reconhecimento de seus Direitos. Uma pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito analisou como o projeto PLP fez diferença na vida das mulheres.
Lívia Fonseca, promotora legal desde 2008 e autora da dissertação A luta pela liberdade em casa e na rua: a construção do Direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal conta que a mudança de atitude das participantes do curso é evidente após as aulas.
“O simples ato de lavar a louça mudou para grande parte das novas promotoras legais. Muitas encaravam a situação como uma ‘ajuda’ do marido. Hoje, elas percebem que isso não é uma ajuda, é uma responsabilidade do homem com o bem-estar do lar”, explica Lívia. “O que muda drasticamente é a percepção do que é violência, e que ela é praticada em vários momentos”, completa.
Lívia lembra que, quando era adolescente, achava normal que os meninos puxassem seu braço em uma festa, ou que, quando passasse na rua, alguém gritasse algum nome ofensivo. “Fui percebendo que isso é uma violência sutil que se naturalizou na sociedade, passei a responder e não ficar calada”, exemplifica.
Ela avaliou as transformações das mulheres durante as oficinas, os debates e também por meio de questionários preenchidos durante os oito meses de curso. Além disso, o 1º Encontro das Promotoras Legais, que aconteceu em maio de 2011, ajudou a avaliar o discurso das mulheres. “Nesse encontro pude ver que elas se percebem como sujeitos de Direitos e que são capazes de mudar grandes e pequenas situações de preconceito, violência, agressão”, explica.
O orientador da pesquisa, José Geraldo de Sousa Junior, reitor e professor da Faculdade de Direito, comenta que acompanhar o estudo foi um aprendizado. “É um trabalho de excelente qualidade interpretativa da construção de Direitos e afirmação da cidadania”, disse.
Leila Rebouças, promotora legal desde 2007, conta que descobriu o curso quando trabalhava como secretária no Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Organizando uns papéis achou documentos sobre o projeto e ficou entusiasmada para participar. “Tudo o que estava escrito ali era compreensível. Eu era capaz de entender porque falava em uma linguagem acessível sobre Direito”, lembra.
Emocionada, a militante, que agora participa de fóruns, audiências e mobilizações, diz que sente imenso orgulho das promotoras legais. “A maioria delas, carroceiras, domésticas, donas de casa, que como eu não são intelectualizadas, conseguem promover grandes transformações sem ter o conhecimento teórico, científico”.
Promotoras 2011
A turma avaliada por Lívia é bastante diversa. Essa não é uma característica desse grupo. Todos os anos mulheres de diferentes idades, religiões, grau de instrução, estado civil e profissão participam do projeto. “A metodologia é baseada em Paulo Freire e consiste em construir o conhecimento coletivo. Acreditamos que não há um saber superior a outro, e é assim que elas se apropriam do Direito”, explica a pesquisadora. “Muitas vezes nós trocamos de papel e também nos identificamos com elas”, conclui.
Nos questionários as participantes do projeto apontaram como o curso influenciou nas suas vidas. Muitas disseram que perceberam as dificuldades de denunciar a violência em delegacias, pois na maioria dos casos são homens que fazem os atendimentos. Outras disseram que desenvolveram uma visão mais crítica e passaram a prestar mais atenção nas atitudes das pessoas, a perceber machismos e preconceitos.
Outra questão era para enumerar o que mudou depois do curso. As respostas mostraram que muitas mulheres passaram a conhecer novas formas de violência e a não julgar aquelas que sofrem violência doméstica por não tomarem uma atitude. “Teve uma estudante que frequentou o curso por mais de um ano porque dizia que ficava fortalecida na decisão de se separar”, conta Lívia.
O projeto
O Promotoras Legais Populares do Distrito Federal foi criado como um projeto de extensão da UnB em 2005, quando um grupo de estudantes leu um artigo sobre o PLP. Eles convidaram o professor José Geraldo de Sousa Junior para ser o orientador do grupo de educação jurídica popular feminista. Hoje, o grupo já formou mais de 300 promotoras legais populares. Basta participar durante o ano para receber um certificado.
Neste sábado, 10 de março, estarão abertas as inscrições para formar mais uma turma, das 9 às 12h, no Núcleo de Práticas Jurídicas na UnB Ceilândia.
Acesse o site do projeto aqui.