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publicado dia 28 de fevereiro de 2012

Duas colherinhas de cottage

Kulam medabrim al Shalom, af echad lo medaber al Tzedek”. “Todos conversam sobre a paz, porém ninguém fala sobre justiça”. Esta frase, refrão de uma das canções israelenses de maior sucesso na atualidade, tem sido desmentida de forma recorrente nos últimos tempos.

[stextbox id=”custom” float=”true” align=”right” width=”300″]O espaço “Coluna Livre” publica artigos de opinião produzidos por leitores do Portal Aprendiz. O texto “Duas colherinhas de cottage” é de autoria de Isaac Cattan, estudante de Direito da Universidade de São Paulo (USP), ator de teatro amador e voluntário em uma organização de educação não-formal. No ano de 2011, morou em Israel, participando de um curso de liderança para jovens de todo o mundo.[/stextbox]

O movimento social mais noticiado em 2011 foi, sem dúvida, a Primavera Árabe. Apesar de Israel não ser componente do conglomerado de nações em revolução, a posição geográfica do país propiciou a influência da população no sentido de investir contra os problemas sócio-econômicos latentes.

O movimento por melhores condições de vida começou manso: proposta de boicote ao queijo cottage, cujo preço nos supermercados atingiu um patamar 75% acima da média, e que lá é tão popular quanto o brasileiríssimo arroz-com-feijão é por aqui. Como exige o protocolo de qualquer evento de massa do século XXI, tudo foi devidamente comunicado e organizado via Facebook. O resultado foi o ajuste dos valores do produto e o surgimento de novas demandas.

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A sociedade israelense percebeu que tinha a faca e o cottage nas mãos. Após o conflito pelo queijo, jovens casais protestaram pela inflação dos gastos com seus bebês, a medicina pública entrou em greve e estudantes universitários lotaram as avenidas de Tel Aviv com barracas que simbolizavam a impossibilidade de arcar com o alto preço dos aluguéis imobiliários.

Diversas manifestações ocorreram nas grandes cidades, chegando a mobilizar até 500 mil pessoas que bradaram em coro “o povo exige justiça social”. Sim, a palavra de ordem era “exigência”, mas o exemplo da vizinhança israelense foi filtrado pelos guardiões da democracia nacional – as marchas terminaram sem feridos ou detidos e com o advento de novas medidas econômicas por parte do governo.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, o Brasil está deitado em berço esplêndido e acaba de alcançar o posto de sexta economia mais poderosa do mundo. O lado preocupante é a aparência de que, na ânsia de consolidar tal posição, a sociedade esteja relevando o aumento saliente do custo de vida. Morar em São Paulo, por exemplo, ficou 6% mais caro durante 2011. Seria normal pagar R$ 5 por um simples café? Ou mais de R$ 100 pela entrada em uma casa noturna? Se para nós a resposta é positiva, jovens da América Latina ou até do longínquo Estado de Israel classificam tais valores como “absurdos”.

Esta falta de percepção que paira sobre São Paulo se reflete também na confusa aplicação de exemplos vindos das nações vizinhas, que difere da análise israelense da realidade circundante. Foi o caso dos tumultos entre estudantes da USP e forças policiais em 2011. Evocando em alguns momentos os colegas chilenos, que se uniram na luta contra a elitização do espaço universitário, os paulistas armaram praticamente uma guerrilha para expor seu descontentamento com a presença da Polícia Militar na Cidade Universitária, que, diga-se de passagem, foi palco do assassinato de um aluno em 2011. Esta aí representado um problema do qual o Brasil ainda sofre.

A sociedade prefere discutir fatos e atitudes a repensar estruturas.

Já que a universidade entrou em pauta, vale lembrar que em janeiro foi promulgado o Acordo-Quadro de Cooperação Educacional entre Brasil e Israel. A medida propõe o ensino do idioma de cada um dos países no outro, além do intercâmbio de metodologias e conteúdos de ensino e pesquisa. As nações poderão, de alguma forma, completar-se, dado o avançado conhecimento científico israelense (em 2011, foi laureado com o Prêmio Nobel de Química) e o vasto campo de pesquisa brasileiro.

Segundo a tradição judaica e israelense, a reunião em torno de uma mesa farta aproxima os corações dos que dela compartilham; e em Israel, a simples menção do nome de nossa pátria tropical é a chave para ganhar a simpatia dos nativos. Que tal, então, se Brasil e Israel combinarem um café para o final da tarde? Assim, os países poderiam se conhecer melhor e saborear uma porção de canapés com cottage.


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