publicado dia 17 de novembro de 2021
Milton Santos: Salvador pode ter avenida com o nome do geógrafo baiano
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 17 de novembro de 2021
Reportagem: gabryellagarcia
Fruto de uma mobilização popular, apoiado em um Projeto de Lei, uma das principais avenidas de Salvador pode mudar de nome para homenagear um dos mais renomados intelectuais brasileiro: Milton Santos. A via em questão é a atual avenida Adhemar de Barros, que une as avenidas Oceânica (Orla de Ondina) e Anita Garibaldi. Também é nessa avenida que está localizado o campus Ondina da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Uma petição online, organizada pela jornalista Christiane Gurgel, reuniu mais de 5.600 assinaturas em apenas dois meses pedindo a mudança de nome; a meta é chegar em 7.500. A jornalista argumenta que é um espaço de troca, convivência e criação de relações de pertencimento e, por isso, também parte da formação de identidade de uma cidade.
“Temos que valorizar o tipo de gente que merece ser reconhecida, não devemos fazer homenagens à figuras que não acrescentaram nada na cidade; Milton Santos é uma referência pra gente. Reconhecendo a importância dele, dando uma maior visibilidade faremos uma homenagem a quem é parte da cidade e da história de Salvador”.
Christiane diz também que Adhemar de Barros não tem qualquer relação com a cidade e com a Bahia, e, citando um artigo da Associação dos Geógrafos Brasileiros, de Campinas/SP, questiona qual teria sido o motivo da homenagem ao ex-Governador de São Paulo: “Nem sabemos porque aconteceu”. Completa ainda que ele coleciona uma série de escândalos ligados à corrupção em sua carreira.
Paralelamente à petição online, também tramita na Câmara de Vereadores de Salvador o Projeto de Lei 97/2021. O PL, de autoria do vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB), pede exatamente a mudança da avenida Adhemar de Barros, para avenida Milton Santos, além de destacar a relação obscura que o ex-Governador de São Paulo possuía com a ditadura. Vasconcelos também lembra que a mudança já é uma reinvindicação antiga dos moradores locais e reforça que Milton Santos fez parte do quadro acadêmico da UFBA, por onde passa a avenida, como aluno e também docente.
A escolha de Milton Santos – além da relação com a Bahia e com a própria UFBA – é justificada por Christiane por todo o histórico e currículo do intelectual. Geógrafo, escritor, cientista, jornalista, advogado e professor universitário, Milton Santos é reconhecido internacionalmente, possui mais de 40 livros publicados e ganhou aquele que é considerado o Prêmio Nobel da Geografia, o Prêmio Vautrin Lud. “É uma pessoa que redefiniu o estudo da Geografia e o olhar para as cidades. É uma injustiça histórica que deve ser corrigida”, afirma.
A via certa para a homenagem também foi cuidadosamente pensada. A atual avenida Adhemar de Barros é onde está localizada o maior campus da UFBA e foi onde Milton Santos estudou Direito e, posteriormente, lecionou. O PL 97/2021 inicialmente foi barrado, sob a justificativa de que já existe uma rua com esse nome, em Salvador. O autor do projeto recorreu da decisão; Christiane argumenta que a atual rua Milton Santos é pequena e deslocada. “É inexpressiva na periferia de Salvador, uma rua sem saída. A avenida é uma via super movimentada onde fica o campus da UFBA, então seria uma homenagem mais a altura de Milton Santos”.
Ainda são listados pela jornalista, organizadora da mobilização, oito motivos para apoiar a mudança no nome da avenida:
O atual momento em que vivemos, com a questão da representatividade em pauta, pode ser um combustível a mais para que o Projeto de Lei seja aprovado, de acordo com Christiane. Ela afirma que Salvador é uma cidade majoritariamente negra e que a campanha é muito mais do que apenas um nome de placa, ela também diz sobre o tipo de cidade que queremos e quais pessoas queremos homenagear.
“Provocar esse tipo de reflexão é de alguma forma uma revolução simbólica e acho fundamental a representatividade. Tem uma professora de uma escola da cidade que aproveitou a campanha para fazer um trabalho com alunos do ensino médio sobre Milton Santos. Ele era negro, como a maioria dos alunos, e pode ser uma referência que chegou ao topo da carreira mesmo com todas as barreiras. Era um intelectual brilhante que deu aula nas principais universidades do mundo, foi consultor da ONU, então é uma referência para jovens negros e pode inspirar uma série de jovens na vida”.
A campanha para a mudança de nome da avenida surgiu inicialmente em 2012, quando o estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes da UFBA, Kin Guerra, iniciou a primeira mobilização. Christiane conta que na época o então estudante ficou apaixonado pela história de Milton Santos, ao conhecê-la na universidade, e criou uma primeira petição. A jornalista inclusive chegou a assinar, mas diz que na época as redes sociais não tinham tanta força para impulsionar um movimento dessa natureza.
No mesmo ano o então vereador do PT, Gilmar Santiago, apresentou uma proposta à Câmara Municipal sugerindo a mudança do nome da avenida. No entanto, o PL 260/2012 acabou sendo rejeitado alguns anos depois, em 2016, sob a mesma justificativa atual. Foi dito que já existia outro logradouro na cidade com o nome do geógrafo e que uma lei municipal proíbe a alteração de nome de logradouros cuja “tradição já consagrou”.
Nascido em 3 de maior de 1926, em Brotas de Macaúbas/Ba, Milton Santos é presença frequente nas listas de referências bibliográficas em dissertações, teses e pesquisas sob o tema cidades no Brasil. No que rege ao quadro do urbanismo, o autor tem livros importantíssimos, tais como ‘Geografía y economía urbanas en los países subdesarrollados’ (1973); ‘A cidade nos países subdesenvolvidos’ (1965); ‘Pobreza urbana (1978)’; ‘O espaço dividido – Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos’ (1979); ‘A urbanização desigual’ (1980); ‘Manual de Geografia urbana’ (1981); ‘Ensaios sobre a urbanização latino-americana’ (1982); ‘O meio técnico-científico e a redefinição da urbanização brasileira’ (1986); ‘O Período Técnico-Científico e os estudos geográficos: problemas da urbanização brasileira’ (1989); e ‘A urbanização brasileira’ (1993).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 1948 e doutor em Geografia pela Université de Strasbourg, na França, em 1958, começou atuar como docente a partir da segunda metade dos anos 50, logo após conclusão do trabalho de Doutorado, em que inicia o embrião de seu trabalho independente enquanto pesquisador. Retornando ao Brasil, é nesse período que cria o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, mantendo conexões aos mestres franceses.
Junto à vida acadêmica enquanto docente, atua paralelamente nos campos do jornalismo e política. Em 1961 viaja a Cuba como editor do Jornal A Tarde, adjunto à comitiva do presidente Jânio Quadros; é convidado ao cargo de subchefe da casa civil na Bahia. Dois anos mais tarde, é nomeado presidente da Comissão de Planejamento Econômico (CPE), tratando temas ligados ao planejamento regional, urbano, econômico e político enquanto estratégias, mas, deixa-o em 1964 em decorrência do Golpe Militar, quando foi preso. Solto meses depois, partiu para França a convite da Universidade de Toulouse-Le Mirail, permaneceu ali por 13 anos; recebeu, nessa ocasião, o primeiro título de Doutor Honoris Causa.
Na década de 1970 transfere-se ao Canadá, unindo-se à equipe docente da Universidade de Toronto e posteriormente transferindo-se aos Estados Unidos, onde entra para equipe de pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT), período este em que inicia sua obra-prima, ‘O Espaço dividido’.
Dentro de um curto espaço de tempo após passagem pelo MIT, retorna à América do Sul. Na Venezuela, assume o cargo de diretor de pesquisa em planejamento da urbanização para um programa da ONU. Segue posteriormente para Tanzânia, onde organiza a pós-graduação em Geografia da Universidade de Dar es Salaam.
Retornando ao país de origem em meados de 1976, Santos passa por uma turbulência de impasses quanto à sua contratação por parte de universidades e órgãos brasileiros por conta de condições político-administrativas instáveis. Acaba por se estabelecer como consultor de planejamento do estado de São Paulo e Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) e estabelece uma série de pesquisas na conciliação entre Geografia e Educação, tornando-se um dos responsáveis pela nova estruturação do ensino da disciplina no país.
Ao longo dos anos, recebeu uma série de honrarias e titulações, com destaque a 20 títulos como Doutor Honoris Causa em universidades de todo o mundo; Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud (1994); Medalha do Mérito pela Universidad de La Habana (1994); Ordem Nacional do Mérito Científico como Comendador (1995); Medalha da Câmara Municipal de São Paulo (1995).