publicado dia 8 de setembro de 2021
A importância da diversidade nas escolas e no processo formativo
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 8 de setembro de 2021
Reportagem: gabryellagarcia
Desde 2020 têm surgido, nas casas legislativas federal, estaduais e municipais, diversos projetos de lei que vão na contramão de uma escola mais diversa e inclusiva. A grande maioria desses projetos diz respeito à proibição da utilização da linguagem neutra em espaços de aprendizagem.
Tendo surgido para questionar o binarismo (uma leitura social que define as pessoas apenas como homem e mulher e atribui a esses grupos papéis e representações) e incluir pessoas não-binárias, a linguagem neutra, no entanto, está sendo classificada como “militância ideológica”, em grande parte desses projetos.
Um dos diversos exemplos desse tipo de movimentação aconteceu em 20 de agosto em Criciúma, no sul de Santa Catarina. Depois da aprovação do projeto de lei 40/21 que proíbe o uso da linguagem neutra pela Câmara, o prefeito Clésio Salvaro (PSDB) sancionou e virou lei. Outro exemplo que vem da mesma cidade e vai na contramão de um ensino mais diverso aconteceu dias depois, em 25 de agosto.
“Não permitiremos viadagem em sala de aula”. Com essas palavras, o prefeito anunciou em um vídeo divulgado em suas redes sociais a demissão de um professor da rede municipal de ensino. O motivo que causou o desligamento do docente foi a exibição do clipe da música “Etérea”, do cantor Criolo que, nas palavras do prefeito, é “erotizada” e “inapropriada”. A canção aborda uma mensagem social e de diversidade com a temática LGBTQIA+, que chegou até a concorrer ao Grammy Latino de 2019.
Para Débora Silva, que é professora de Matemática e coordenadora de projetos do programa Escola + Diversa, esse tipo de movimentação sempre existiu, mas passou a ter mais visibilidade pelo fato de os preconceitos estarem sendo nomeados e apontados, ao contrário do que acontecia anteriormente.
“Começamos a reconhecer que são ações criminosas e o entendimento é que sempre houve, mas agora conseguimos mensurar e dar visibilidade. O Brasil, por exemplo, passou por uma forte negação do Programa Brasil sem Homofobia (programa federal lançado em 2004 com o objetivo de promover a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e, como uma estratégia política, negou a formação de um projeto para escolas. Agora as questões são mais visíveis na mídia, mas já acontece há muito tempo e isso é terrível porque estão sendo negadas e engavetadas diversas propostas por conta de uma estrutura negacionista e violenta”, explica Silva.
Já a psicóloga Giovanna Lucchesi, que também é especialista em diversidade, enxerga uma tentativa de silenciamento e opressão à diversidade, apesar de também enxergar avanços nessas pautas e discussões. “Tenho uma observação mais otimista porque acho que também há mais canais de comunicação e denúncia para se pleitear cada vez mais direitos. Acho que esse fenômeno de opressão tem a ver com a amplitude que as diversidades e as discussões sobre os temas estão alcançando”, destaca a psicóloga.
Além do projeto de lei e dos acontecimentos em Criciúma, outros PLs com a mesma natureza se espalham pelas casas legislativas do Brasil. Em Belo Horizonte, por exemplo, também tramita na Câmara o projeto de lei 54/2021 que proíbe a utilização de linguagem neutra e diz tentar garantir aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino. Já em âmbito nacional, a deputada federal Geovânia de Sá (PSDB-SC) apresentou o projeto de lei 2650/2021, que veda a utilização de linguagem neutra em escolas públicas e particulares de todo o país. A proposta adiciona ao artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) o seguinte trecho: “Fica vedada às escolas públicas e privadas a utilização de linguagem neutra em todos os seus materiais didáticos e documentos oficiais”.
Há, entretanto, projetos no sentido contrário que lutam por uma maior inclusão e diversidade no ambiente escolar. A deputada Talíria Petrone (PSOL-SP) é autora do projeto de lei 502/2019, chamado de “Escola sem Mordaça”, que garante que todos os professores, estudantes e funcionários sejam livres para expressar seu pensamento e opinião nos termos do artigo 206, incisos I e III da Constituição, garantindo o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
No município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, também foi aprovado no ano de 2019 o Programa Diversidade na Escola. O Projeto de Lei (PL) 9.091, de autoria da vereadora Luci Duartes (PDT), é voltado ao público estudantil LGBTQIA+ e busca, sobretudo, reverter índices de evasão escolar que acontecem principalmente por discriminação, bullying e várias formas de violência.
Ainda em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como inconstitucionais projetos de leis inspirados no Escola Sem Partido (ESP), ratificando que educadoras e educadores têm seu direito à liberdade de expressão assegurada pela Constituição e que os debates sobre gênero e sexualidade em sala de aula são deveres da gestão pública da Educação.
Para Giovanna Lucchesi é importante que crianças tenham contato com as diversidades e diferenças desde cedo em sua formação para se tornarem, sobretudo, indivíduos mais empáticos, inclusivos e democráticos. Diz ela:
“A temática da diversidade deve chegar na maior parte da população. Muitas escolas fecham os olhos para o tema, mas falar sobre isso é uma forma de mudar o mundo porque os grupos minorizados passam por stress e situações que prejudicam sua saúde mental e seu desenvolvimento”. Ainda segundo Luccchesi, que vê as escolas como “ambientes de transformação”, há um pânico moral ao se tratar do assunto e o trabalho fica assim, comprometido: “Crianças e adolescentes, sejam diversos ou não, devem aprender a se relacionar com as diferenças e entrar em contato com esses conceitos”.
A psicóloga também destacou que o assunto diversidade nas escolas é feito por diferentes esferas que compreendem professores, alunos e famílias. “Precisamos entender como colocar esse olhar e necessidades para os subsistemas e como dialogar com professores para capacitá-los e também protegê-los. É preciso proteger os agentes de mudanças e entender como trazer as famílias para as discussões onde serão sensibilizadas e educadas”.
Débora Silva também destacou a importância em se levar as temáticas de identidade de gênero, orientação sexual, políticas públicas ligadas a territórios e garantias de direitos para as crianças nas escolas. “São importantes momentos de escuta e diálogo para a construção da diversidade e identidade; é uma construção que se dá no período escolar e isso reflete na construção de gênero também”.
Evidenciando a importância dessa construção no período de formação, as especialistas apontam que o efeito contrário, ou seja, a falta de contato com a diversidade no ambiente escolar cria ambientes que não são saudáveis e pessoas sem, ou com pouca, capacidade de diálogo.
Lucchesi apontou que o apagamento dessa temática dentro do ambiente escolar faz com que sejam deixados de lado outros assuntos importantes como saúde mental e direitos humanos também. “Quando não se abre espaços para experiências dissidentes para o questionamento de alguns privilégios, nós aniquilamos os espaços de convivência saudáveis”.
O Escola + Diversa é uma iniciativa criada e desenvolvida pelo CIEDS (Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável), em parceria com o Itaú Unibanco e a Mais Diversidade, que busca construir estratégias de combate à LGBTfobia no ambiente escolar, visando a garantia dos direitos de acesso à educação pela população LGBTQIA+ e, consequentemente, seu ingresso qualificado no mercado de trabalho.
A atuação começou em 2019 e foi motivada por uma percepção de falta de enfrentamento e silenciamento diante de violências LGBTfóbicas em ambientes escolares. Silenciamento por parte de professores, diretores e também outros alunos.
De acordo com Débora Silva, a proposta é contribuir para estratégias de enfrentamento à LGBTfobia entendendo qual pode ser a contribuição para educadores e estudantes. Durante o período de pandemia, a estrutura do projeto precisou ser revista; foram realizadas oficinas online em quase todos os estados brasileiros.
“A ideia é fazer rodas de conversas com estudantes e professores, pensando também nos territórios que têm as articulações e, a partir dessas interações, construir planos de ações e propostas para conduzir a temática LGBTQIA+ nesses territórios, pensando também na garantia de direitos”. Hoje são 25 jovens representando 21 unidades estados e, a partir de oficinas temáticas abrem momentos de escuta e diálogo.