publicado dia 26 de agosto de 2021
Enfraquecimento da democracia aumenta desigualdades e impacta diretamente a educação, segundo Oxfam Brasil
Reportagem: gabryellagarcia
publicado dia 26 de agosto de 2021
Reportagem: gabryellagarcia
O relatório “Democracia inacabada: um retrato das desigualdades brasileiras“, produzido pela Oxfam Brasil, aponta que nove em cada 10 brasileiros acreditam que o progresso do país depende da redução das desigualdades. Para o especialista em direitos humanos e responsável pela pesquisa, Jefferson Nascimento, o caminho para reverter esse cenário e fortalecer a democracia passa diretamente pela valorização da educação.
Segundo Nascimento, a redução de desigualdades está diretamente relacionada ao fortalecimento da educação e à promoção de políticas públicas sociais assertivas. “De 2000 até 2015, o Brasil viveu uma redução das desigualdades e isso se deve em parte às políticas educacionais. O aumento de investimento na educação básica deve ser progressivo: quanto mais pobre, maior deve ser o investimento. Quanto mais dinheiro o Estado aplica, mais pessoas pobres terão possibilidades.”
Ele avalia que atualmente há uma inversão dessa política, com redução dos investimentos na educação básica e no orçamento do Ministério da Educação (MEC) para o Ensino Superior. Para se ter uma ideia desse desinvestimento, o orçamento do MEC, em 2014, foi da ordem de R$ 170 bilhões; desses, R$ 59,3 bi foram para educação básica; já em 2020, os números foram R$ 143 bilhões e R$ 43 bilhões *, respectivamente. (* fonte: SIAFI / Tesouro Nacional).
Essa opção pela redução e falta de investimentos na educação pode ser entendida como o reflexo de uma subrepresentação política, em que principalmente mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBTQPIA+ não participam das definições sobre os rumos do país. De acordo com o relatório, a democracia depende da existência de um padrão de igualdade entre os cidadãos. Sem essa representatividade, os grupos com maior acesso a recursos e informação irão exercer uma influência desproporcional sobre outros.
Nascimento também relaciona a diminuição da participação da sociedade civil, em razão do enfraquecimento dos conselhos, com o aumento das desigualdades. Desde 2019, por meio de diferentes dispositivos, o governo Bolsonaro (sem partido) tem atuado pela extinção de diversas instâncias de participação social já consolidadas. “O fortalecimento desses conselhos teria um grande impacto na redução da desigualdade social e educacional”, defende o pesquisador.
Os conselhos de políticas públicas, muitas vezes regionalizados, surgiram como um modelo que chamava a participação popular para a tomada de decisões importantes. Foram criados com o intuito de garantir à sociedade civil o acesso aos espaços de formulação e implementação de políticas públicas tendo como princípios a paridade, a gestão compartilhada, a descentralidade e a representatividade autônoma.
Impulsionados desde o final da década de 1970, influenciados por fatores como o crescimento e fortalecimento de associações comunitárias e, a partir de uma pluralidade de forças, consolidaram um conjunto de princípios e diretrizes para a participação cidadã na implementação e no controle social de políticas públicas. Foi a partir desse processo que nasceu a Constituição Federal, em 1988.
Tema de apreciação do Supremo Tribunal Federal, a extinção dos conselhos participativos atingiu, por exemplo, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), instância de participação da sociedade civil na definição e acompanhamento de políticas públicas ligadas aos direitos humanos e à alimentação adequada. Em 2020, com o agravamento da crise econômica, o Brasil atingiu a marca de 9% da sua população em situação de fome – quase o dobro da marca adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em seu Mapa da Fome.
Na opinião de Nascimento, a ocupação dos territórios é uma forma de reivindicar direitos hoje prejudicada pelo contexto gerado pela pandemia, desde o início de 2020. “A questão do território e ocupação de espaços é essencial para o fortalecimento da educação e também da democracia. Medidas que envolvem distanciamento social, de certa maneira, acabam comprometendo as reivindicações de direitos.”
Com a redução da presença de pessoas nos espaços formais da política, em virtude da pandemia, ele avalia que várias pautas estão sendo aprovadas nas casas legislativas com “pouca discussão e debate” e que “estão tirando proveito desse contexto de menor possibilidade de reivindicação de direitos”.
Um estudo elaborado por Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza, mencionado no relatório da Oxfam Brasil, aponta que mudanças significativas e duradouras na questão da desigualdade tendem a acontecer em momentos de crise e ruptura com o padrão vigente caracterizado pela presença de pessoas mais ricas e com maior concentração de renda nos espaços de poder.
Para que se pensem alternativas em direção à redução das desigualdades sociais e à busca por uma maior representatividade e ocupação dos territórios, foram apresentadas como soluções: a democratização dos partidos políticos, a equidade material no financiamento de campanhas, limites mais rígidos para doações de campanha, fortalecimento de conselhos participativos, ampliação do período de campanha de rua (estreitando relações com os territórios) e medidas de proteção contra a violência política.
*Foto: Mídia Ninja