publicado dia 13 de abril de 2020
Escola deve cumprir sua função social durante a pandemia
Reportagem: Redação
publicado dia 13 de abril de 2020
Reportagem: Redação
*Por Ingrid Matuoka, para o Centro de Referências em Educação Integral.
Com o fechamento das escolas como medida de prevenção ao novo Coronavírus, milhares de famílias e estudantes brasileiros atravessam um período atípico em suas casas. A suspensão da rotina escolar, ou seja, do encontro com os colegas, das atividades pedagógicas, da alimentação, dos deslocamentos pelas ruas e das interações com professores e funcionários -, tem acendido o debate sobre o papel das escolas durante a pandemia.
Para Gina Vieira Ponte, professora na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, é hora de reforçar a função social da escola, retomando valores que constituem a Educação e seus principais documentos norteadores, como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“Esse momento está nos mostrando que qualquer saber só faz sentido se estiver ancorado em valores universais como direitos humanos, empatia, solidariedade, e se estiver conectado às necessidades reais das pessoas e seus contextos.”
A especialista também falou ao Centro de Referências em Educação Integral sobre a importância da comunicação com as famílias, do trabalho intersetorial em rede e sobre o acolhimento e cuidado em relação à saúde mental dos docentes. E propôs: “No lugar de enviar pilhas e pilhas de exercícios, que tal proporcionar projetos educativos que partam do problema que estamos vivendo?”
Confira os principais trechos da entrevista.
CR – De que maneira esta crise impactou a forma como entendemos o papel da Educação para a sociedade?
Gina Vieira Ponte – Percebo que há um pensamento hegemônico que privilegia a concepção de educação como entrega de conteúdos, e não concebe a dimensão maior que é a educação. Isto é, que ela serve para formação da cidadania e da democracia e é um espaço humanizador e de coletividade, conforme estipulado em documentos como a Carta Magna, a LDB, e na recém-aprovada BNCC.
Esse momento está nos mostrando que qualquer saber só faz sentido se estiver ancorado em valores universais como direitos humanos, empatia, solidariedade, e se estiver conectado às necessidades reais das pessoas e seus contextos.
Há aí uma chance das famílias e da sociedade vivenciaram experiências que nos ajudem a compreender que educar é mais complexo do que só depositar conhecimentos e atividades.
CR – Neste momento, qual deve ser o papel da Educação em relação às famílias?
Gina – Não se faz educação com escola e família afastadas. É preciso um trabalho coletivo. Então se faz necessário construir um diálogo empático. Seria importante que a escola pudesse telefonar para as famílias e orientar, acalmar, saber quais são suas necessidades. Se não der para telefonar, talvez usar um carro de som ou a rádio local.
Nesse momento em que a preocupação com os filhos é gigantesca, ter esse diálogo com a escola pode fazer com que as famílias se sintam acompanhadas, menos desamparadas.
“O movimento precisa ser de entender o que as famílias estão precisando agora. Isso é mais urgente do que “salvar” o ano letivo”, diz Gina Vieira
Então o movimento precisa ser de entender o que as famílias estão precisando agora. Isso é mais urgente do que “salvar” o ano letivo. Porque podemos enviar várias tarefas para as crianças fazerem, mas ignorar que talvez essa família precise de cesta básica, precise acionar um Centro de Referências de Assistência Social para situação de violência.
A rede de educação do Distrito Federal, por exemplo, está arrecadando cestas básicas para encaminhar às famílias em situação de vulnerabilidade social.
É uma oportunidade para a escola trabalhar em rede e acionar outros setores de apoio à família. Estreitar esses laços pode fazer com que a gente atravesse tudo isso com novas aprendizagens e experiências.
CR- E em relação às crianças, qual função a escola precisa cumprir neste momento de isolamento social?
Gina – A escola precisa estimular a continuidade das aprendizagens, mas isso não se restringe a entrega de conteúdo. É cumprir sua função social, percebendo a dimensão pedagógica dessa experiência.
Então é um bom momento para as crianças aprenderem sobre solidariedade, empatia, como lidar com situações incertas, respeitar o sentimento do outro, e entender que escolhas pessoais impactam o coletivo.
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No artigo “Uma mensagem para as famílias durante o Covid-19” [em tradução livre], a pesquisadora de Educação Denise Pope, da Universidade de Stanford, explica quanto nesse momento as crianças precisam de tempo de inatividade, de lazer, de sono, e principalmente de tempo de conversa sobre o que está acontecendo. Elas precisam ser ouvidas.
Então um professor pode ligar para uma criança e dizer ‘nós estamos aqui, você não está sozinha, vamos atravessar isso juntos’. Esse diálogo humanizado é profundamente pedagógico, porque as habilidades, como as que constam na BNCC, não são aprendidas em aula expositiva, são competências adquiridas a partir das vivências.
CR- Os professores estarão nessa linha de frente de contato com as crianças e suas famílias. Quais são alguns cuidados que precisamos ter com eles?
Gina – São eles que podem capilarizar as ações da gestão central, e chegar nas famílias. Então a maneira como a gestão constrói a interlocução com o professor será decisiva para como esse educador vai se comunicar com as famílias e estudantes.
As redes precisam olhar para esse professores de maneira amorosa e empática, inclusive porque se eles forem respeitados, ouvidos e amparados, é mais possível que isso também reverbere na relação dele com seus estudantes.
“Nada que custe a integridade e a saúde mental de alguém vai surtir efeito positivo”
Esse cuidado é fundamental. A educação não pode se tornar parte do problema — tenho recebido depoimentos de educadores e famílias que já estão esgotados por tentar atender a tantas exigências. Nada que custe a integridade e a saúde mental de alguém vai surtir efeito positivo.
CR- Como avalia as tentativas que as redes têm feito de trabalho pedagógico a distância?
Gina – Vejo muitos conceitos trabalhados de maneira aligeirada, e há uma diferenciação importante a se fazer. A Educação a Distância é uma modalidade específica, já nasce a distância, e é pensada para adultos. Para crianças e adolescentes, o que preconiza a LDB é que se dará pela modalidade presencial.
O que tem sido feito agora não pode ser chamado de EaD. Precisamos ter cuidado porque se acharmos que todo mundo tem internet e um computador com processador rápido, isso vai ser um erro. Temos 80% de crianças em escolas públicas, e muitas delas em situação de vulnerabilidade, sem ter sequer água potável para resguardar sua saúde.
A prioridade da escola agora é garantir a sobrevivência e a saúde de todos. No lugar de enviar pilhas e pilhas de exercícios, que tal proporcionar projetos educativos [não obrigatórios] que partam do problema que estamos vivendo? Que tal qualificar a comunicação com as famílias?