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publicado dia 20 de fevereiro de 2020

Escolas apoiam trabalho de educação sexual nos territórios

Reportagem:

No início de 2020, o governo federal lançou a campanha “Tudo tem seu tempo”. Em esforço conjunto dos Ministério da Saúde e o da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), a premissa é combater gravidez precoce e aumento de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) com a abstinência sexual

“A ideia de promover a preservação sexual está sendo considerada como estratégia para redução da gravidez na adolescência por ser o único método 100% eficaz e em razão de sua abordagem não ter sido implementada pelos governos anteriores”, afirmou em nota o MDH. Ainda como justificativa, a pasta afirmou que a abstinência sexual é política de sucesso em outros países, embora tenha apresentado poucos e datados estudos, de acordo com checagem feita pela agência Aos Fatos

Nos últimos anos, não foram poucos os momentos em que a educação sexual esteve em pauta no Brasil. Atravessado por discursos acalorados e estimulado pela circulação de notícias falsas em aplicativos de comunicação, o tema enfrenta hoje o desafio de ser encarado com a complexidade e urgência que o caracteriza.  

No caso da abstinência sexual, o antropólogo e pesquisador de gênero, sexualidade e conservadorismo, Lucas Bulgarelli, defende que não é papel do agente público regular a prática sexual e que há um risco quando o Estado deixa de oferecer informações e se omite ao falar em prevenção.  

“Usa-se o dinheiro do Estado [A campanha custa cerca de R$ 3,5 milhões de reais ao Ministério da Saúde] para promover uma perspectiva de abstinência, que é religiosa e não tem base em estudos. E nem teria como ter, porque as pesquisas são bem sólidas com relação a estimular uma decisão consciente dos adolescentes”, acrescenta. 

Para além dos discursos, esse tipo de visão tem afetado os serviços públicos no territórios. Das escolas públicas, às unidades de saúde e equipamentos da assistência social, muitos agentes responsáveis pela implementação de políticas públicas que garantem educação sexual se veem em meio à polarização dos debates.

“A radicalização do debate tem afetado os serviços nos territórios. Valores que estavam sendo promovidos até ontem, como a interseccionalidade – quando você olha de maneira multifacetada para as questões -, intersetorialidade – a ideia de que nunca vai ser só um serviço resolvendo um problema, e sim sua combinação -, e a multifatorialidade das demandas, foram todos interrompidos”, afirma Bulgarelli.

Escola: território do conhecimento

No dia a dia do Jardim Ângela, bairro de São Paulo, a UBS (Unidade Básica de Saúde) Jardim Caiçara, realiza o projeto Vale Sonhar, em parceria com unidades de ensino da região, para tratar de questões relacionadas à educação sexual. Vista como estratégica para a realização do trabalho com os jovens, a escola permite ainda uma articulação dos serviços que atuam no território em um local onde é possível ter acesso direto aos jovens. 

“A escola dá uma oportunidade para a Saúde, para que o agente entre e faça a abordagem. Levamos materiais, dinâmicas, fazemos rodas de conversa, entramos no mundo deles, com uma linguagem acessível. Já vieram adolescente aqui na UBS Jardim Caiçara nos procurar depois da oficina em suas escolas, querendo saber o que fazer se tiverem uma relação desprotegida ou algo do tipo. É um vínculo bem bacana que se estabelece”, descreve Andréa Emi Sakata, gerente da unidade.  

Em Recife (PE), o Instituto Papai atua desde 1997 buscando conexão com as escolas locais para discutir sexualidade e masculinidades. Uma das premissas da organização é envolver os homens nos debates, inferindo responsabilidades em um tema que pode facilmente recair somente sobre um gênero. 

“Trabalhamos com as escolas, principalmente as públicas, para falar sobre prevenção, planejamento familiar, infecções sexualmente transmissíveis, diversidade, prevenção à violência. Existe também o trabalho com os profissionais da saúde e os da educação para que eles saibam como alcançar o jovem”, descreve o coordenador Sirley Vieira, revelando que o trabalho é baseado em conversas mediadas que buscam garantir que os jovens se sintam parte do processo, responsáveis por suas escolhas e também acolhidos para falar sobre o que quiserem. 

Na opinião de Lucas Bulgarelli, por ser um território de produção do conhecimento, a escola tem potencial para equilibrar o ambiente e os discursos polarizados que pautam atualmente a educação sexual. Segundo o pesquisador, uma forma efetiva de sair da polarização é demonstrar o papel da escola como lugar de circulação do conhecimento científico. 

“Não se trata só de posição ideológica, mas de pensar que existem violências e abusos. A educação sexual se prova eficaz para que adolescentes, crianças e jovens identifiquem situações de abuso dentro e fora de casa. A informação também é um jeito de se prevenir contra a gravidez precoce. A escola consegue, por meio do que tem a oferecer, que é a ciência, ampliar essa discussão.” 

educação sexual
Encontro sobre educação sexual do Instituto Papai acontecem no território e nas escolas / Crédito: Divulgação

Espaços de diálogo e vínculo

Outra abordagem adotada pelas instituições quando o assunto é educação sexual é o fortalecimento de espaços de diálogo e vínculo. Na UBS Jardim Caiçara, cada um dos agentes comunitários se divide entre 120 e 200 famílias, abrindo canais de comunicação para que possam acessá-los para tratar de uma gama variada de temas. 

“É diferente do hospital, onde a pessoa chega, passa e vai embora. Aqui não, o paciente vem, atendemos e depois continuamos a querer saber como ele está, como está sua família, como está seu acompanhamento. Cria-se um vínculo muito forte”, relata Andréa.

No trabalho direto com homens, Sirley avalia que há jovens que chegam em grupos com falas homofóbicas e que, depois de um tempo, mudam sua postura, uma transformação que se dá a partir do diálogo, nunca da repreensão ou da imposição. “Vemos muitas mudanças nos grupos, na forma como os jovens pensam e acreditam que devem exercer suas relações com os outros, principalmente com as mulheres e com relação à diversidade sexual.” 

Para estimular essas mudanças, o Instituto Papai também utiliza as artes, o teatro e o lúdico. “Quando se fala em grupos de jovens homens, eles têm muita aversão ao toque. Chegar e abraçar o outro é quase que impensável nos primeiros momentos, e aí usamos técnicas do teatro porque eles vão aprendendo a lidar com o seu corpo e o corpo do outro de uma forma mais tranquila.” 

oficina do projeto vale sonhar na escola
Projeto Vale Sonhar, uma parceira entre UBS Jardim Caiçara e escolas da região do Jardim Ângela / Crédito: Escola Sérgio Murillo Raduan
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