publicado dia 9 de abril de 2019
5 revoltas populares com participação social afro-brasileira no Brasil
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 9 de abril de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
Foi negra e popular umas das maiores revoltas do Brasil. Em 1798, alfaiates, artesãos, homens livres e escravizados organizaram um levante pela instituição de uma sociedade mais democrática e racialmente igualitária: foi a Conjuração Baiana – também conhecida como Revolta dos Alfaiates, que tomou com pólvora, panfletos e fúria as ruas de Salvador (BA).
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Essa e outras convulsões populares foram movimentos estruturantes na formação da identidade brasileira. No entanto, não é proporcional o espaço dado a elas na historiografia, o que causa pouco conhecimento de suas causas e consequências. Suas histórias geralmente são contadas pela perspectiva dos vencedores: na própria página do exército brasileiro, são retratadas como “movimentos subversivos” ou “que espalharam terror”.
Para o publicitário e storyteller Ale Santos, investigador das histórias africanas e afro-brasileiras, o desconhecimento das movimentações populares ou a mirada parcial de suas motivações não é casual.
“A História é uma ferramenta poderosa de dominação cultural. Dominar o centro da narrativa foi o que deu poder para os europeus colonizarem outros países sob o pretexto da civilização, propagando uma narrativa única que causou o epistemicídio de outras culturas.”
Ale tornou-se conhecido em redes sociais como o Twitter por divulgar narrativas africanas e afro-brasileiras no contraponto da História, contando fatos pouco vinculados à historiografia oficial. Para ele, falar pouco ou não falar da história dos conflitos sempre serviu ao propósito de inibir possíveis levantes populares.
“Imagine um Brasil de 100 anos atrás, com a maior parte da população negra vivendo em senzalas, um Rio de Janeiro onde viviam 110 mil pessoas escravizadas. Seria muito fácil reproduzir revoluções como a francesa ou a independência haitiana. O medo disso fez com as revoltas e a história fossem apagadas, fazendo pessoas acreditarem que descendiam de gente que não lutou, porque assim a sociedade sempre continuaria a mesma.”
Em parceria com Ale, o Portal Aprendiz elencou cinco revoltas que aconteceram por meio da mobilização popular, a maioria com ampla participação da população afro-brasileira.
“O Brasil é um país que foi construído com sangue de negro africano, afro-brasileiro e indígena. Não podemos deixar que essa história se apague. Se a perdermos somos empurrado para as periferias da historiografia. É preciso nos entendermos enquanto povo para impedir que opressões do passado retornem.”
A Bahia fervia. Só no ano de 1835, irromperam 30 levantes populares. E foi na noite de 24 para 25 de setembro que estourou a Revolta dos Malês. Ela foi protagonizada por negros muçulmanos oriundos de países islâmicos da África do Norte, notoriamente conhecidos por sua inteligência organizacional e por serem poliglotas. Líderes como Luiza Mahin e Pacifico Licutã lutaram contra o caos social e também pela liberdade religiosa. Foram duramente reprimidos pelas forças oficiais.
“Os malês tiveram uma chance muito grande de conquistar a liberdade. Falavam várias línguas, eram mais letrados do que a elite portuguesa e isso gerou muito medo nos senhores dos escravos. Além de tudo, eles tinham saberes cosmopolitas, integrando vivências das sociedades por onde passaram”, reconta Ale.
Para saber mais: Para Relembrar a Revolta dos Malês e O Medo que o Brasil tem dos Próprios Negros.
A primeira grande fábrica de cimento no Brasil foi erguida em Perus, bairro da zona noroeste de São Paulo. Ela escoou cimento para construções colossais, como a própria capital Brasília (DF). Foi também nela que aconteceu a primeira grande greve sindical brasileira, a dos Queixadas. Durante sete anos, a organização dos trabalhadores protestou pelo cumprimento dos direitos trabalhistas.
Ainda que a fábrica de cimento não funcione mais, o seu espaço se tornou um lugar simbólico de resistência de um bairro cuja população se organiza socialmente para pautas diversas, desde a manutenção de espaços de cultura, preservação do entorno verde até pelos direitos das descendências negras e indígenas dos povos que compõem o território.
Para saber mais: Moradores de Perus lutam para preservar a história dos Queixadas e A Greve dos Sete Anos.
Comandada por um dos maiores heróis brasileiros, o marinheiro João Cândido, a Revolta das Chibatas foi um levante organizado por marujos negros contra as péssimas condições de trabalho – que incluía ainda práticas escravagistas, como punição com chicote – dentro da Marinha Brasileira.
Thread são uma ferramenta do twitter para contar histórias. Conheça algumas escritas por Ale Santos:
Durante uma semana de novembro de 1910, eles tomaram posse de encouraçados vitais para a estratégia naval, exigindo o fim das “chibatas” e melhor tratamento dentro de seus postos de trabalho.
“Jornalistas internacionais declaravam que aqueles eram os melhores marinheiros do mundo e que nunca viram a articulação dos encouraçados para combate como aquela que acontecia pelas mãos dos marinheiros brasileiros”, relata Ale na thread sobre João Cândido. Ainda que tenha revolucionado o modo como a Marinha tratava o proletário, João Cândido nunca recebeu anistia.
Para saber mais: Como João Cândido comandou bravamente a Revolta da Chibata e Revolta da Chibata e João Cândido, o almirante negro
A Balaiada foi uma insurreição popular composta por diversos setores sociais contra movimentos autoritários como o coronelismo. Sob a liderança de Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, homem que fabricava balaios – cestas de vários trançados – se juntaram trabalhadores livres, pessoas escravizadas e artesãos.
Ale ainda complementa sobre a importante participação quilombola nessa revolta: “O líder quilombola Negro Cosme junta seus quilombos à uma revolta popular contra as oligarquias.”
Embora o movimento tenha começado com reivindicações em sua maioria voltadas para o trabalho, com os balaios concordando em depor suas armas em troca da melhor distribuição de terras ou de cargos, a participação quilombola foi determinante para seu caráter abolicionista: algumas facções do movimento ocuparam fazendas e libertaram populações escravizadas. A revolta de longa duração causou pesadelos ao exército e foi duramente reprimida.
Para saber mais: Balaiada: Construção da Memória História e Balaiada, a Guerrilha Sertaneja
“Animai-vos povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais”, dizia uma manuscrito colado nas ruas de Salvador em agosto de 1798. Uma das revoltas populares com maior adesão popular do tempo da Coroa, a também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios foi influenciada por movimentações como a Revolução Francesa e a Independência do Haiti, primeira república negra do mundo.
Embora tenha começado com reuniões das classes médias, ela rapidamente foi tomada por clamores populares, que lutavam pelo fim do pacto colonial pela instituição de um Estado republicano e democrático, com condições financeiras e sociais que permitissem a equidade racial no país.
Organizados politicamente, em agosto daquele ano diversos homens e mulheres das camadas populares de Salvador tomaram as ruas das cidades, colando panfletos que urgiam pela igualdade e democracia. A repressão dos setores militares foi dura, e a maioria de seus líderes sofreu execuções, desterros e prisões.