publicado dia 27 de março de 2019
Movimento #OcupeEstelita impede, mais uma vez, a demolição do cais José Estelita (PE)
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 27 de março de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
No dia 23 de março de 2019, uma mobilização popular, encabeçada pelo Movimento #OcupeEstelita, impediu novamente a demolição do cais José Estelita, em Recife (PE).
Em uma repetição das cenas de 2014 que coroaram o movimento como um dos estandartes da luta pelo direito à cidade no Brasil, o grupo se articula presencial e juridicamente para impedir que tratores coloquem abaixo os galpões da zona portuária, dando assim início à controversa construção do Projeto Novo Recife.
Leia +: Ocupe Estelita guarda o sonho de uma cidade feita por todos.
Nas duas últimas semanas, ativistas do movimento já estavam em alerta não somente por conta das movimentações no terreno – como colocação de tapume e aumento da vigilância armada – mas também pelo término de um embargo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que impedia o início das obras.
Na segunda-feira (dia 25), a prefeitura liberou o alvará de demolição e tratores começaram a derrubar as paredes dos galpões do cais.
Chico Ludermir, jornalista e integrante do movimento #OcupeEstelita, conta que assim que souberam das obras houve mobilização. “A área já estava “entapumada”, com muitos seguranças e cães de guarda. Fomos impedidos de entrar e houve certo tensionamento porque eles tentaram nos retirar”. No embate, alguns manifestantes foram levemente feridos, inclusive Chico.
O Movimento #OcupeEstelita é uma constelação de grupos e ativistas que luta pela preservação do Cais José Estelita. O Portal Aprendiz cobre o movimento desde 2014 e produziu as seguintes matérias: Ocupe Estelita guarda o sonho de uma cidade feita por todos; #OcupeEstelita: Socorro, mas não corro!; e Cais José Estelita volta a ser ocupado por manifestantes
Percebendo irregularidades na construção, como a ausência de um alvará no local e também de placas que sinalizassem as obras, o movimento começou a articulação para atrair a atenção do público e fazer barulho presencial e midiático, como relata Ludermir:
“Chamamos uma assembleia pública que reuniu mais de 250 pessoas na segunda-feira. Por mais que houvesse urgência, o movimento sempre complexifica e contextualiza o que significa esse modelo de cidade que tem sido adotado, despreocupado com o bem-estar das pessoas, sempre pautado pelo interesse do capital e nunca pelo cuidado e preocupação com uma cidade que cresce para todos e todas.”
A assembleia decidiu pela ocupação e dormida no terreno. “A ocupação nunca é a primeira opção. Ela acontece em casos específicos onde outras instâncias são inviabilizadas, porque não existe uma porta de diálogo com a prefeitura e empreiteiras. Há também o elemento de urgência porque caso não estejamos presentes, vai acontecer a irreversível demolição do patrimônio histórico”, explica.
Enquanto a ocupação se formava, já começando a formular atividades culturais que sempre foram um pilar do movimento, a rede voluntária de juristas que compõe o grupo acionou o Ministério Público de Pernambuco para impedir as obras e entender como um processo cercado de irregularidades e que está sendo contestado em instâncias jurídicas diversas conseguiu o alvará para a demolição.
“Apesar da prefeitura ter dado o alvará, a gente começa a perceber a pressa e urgência que sempre vai deixando de lado as necessidades legais e normativas. O leilão no qual o terreno foi cedido está cheio de irregularidades, o projeto de lei que o regulamenta, as relações entre a prefeitura e as empreiteiras. Tudo é fatalmente frágil”, explica Chico.
Foi justamente na debilidade jurídica do processo que o movimento conseguiu a suspensão da demolição. O juiz da 5ª vara da fazenda Pública Augusto Angelim determinou que o município suspendesse imediatamente as obras, sob pena de multa.
Leonardo Cisneiros, membro do grupo Direitos Urbanos, que desde 2012 articula a ocupação do cais e faz parte da constelação do Movimento #OcupeEstelita, conta que agora, é se apoiar nas instâncias legais para continuar a paralisação e impedir a construção do projeto.
“Há vários itens errados no licenciamento que ainda não viraram objetos de ação jurídica. Também tramita a ação do leilão e uma possível revisão do Plano Diretor da cidade, porque a prefeitura alterou o zoneamento da área para adequar-se ao projeto das empreiteiras. São movimentações que podemos fazer para tentar contornar essa perversão.”
As ocupações continuam no cais José Estelita. Ontem, o projeto Som na Rural realizou um show gratuito e há previsões de outras atividades até o fim da semana. “O movimento se sustenta em uma base cultural de articulação através da arte, das expressões artísticas e da alegria”, arrebata Chico.
Em maio de 2014, em noites muito similares as deste março, o movimento #OcupeEstelita ocupava o cais José Estelita. A ocupação cultural durou até junho e teve repercussão nacional e internacional, tensionando o discurso sobre direito à cidade. Na época, o filósofo David Harvey chegou a visitar a ocupação e dizer: “Eu falo sobre direito à cidade. Vocês o praticam.”
Embora brutalmente expulsa em junho de 2014, a ocupação gerou resultados práticos: conseguiu protelar a construção, exigindo que consultas populares fossem feitas para determinar como e a quem deveria atender as construções do Projeto Novo Recife. Ela também tornou o espaço culturalmente vivo, com uma programação regular de artes plásticas, educação, dança e música que acontece até hoje.
Para Bianca Tavolari, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia, o movimento #OcupeEstelita foi um decisivo marco pelo direito à cidade no Brasil: “Ele mostra, de fato, que a população organizada tem voz na determinação do futuro da cidade. Quando saiu o projeto das torres no cais, a reação tão massiva de Recife se colocou como uma grande força, obrigando prefeitura, empresas e governo a conversar.”
Quando diante da possibilidade de perder um terreno que antes pertencia à União e poderia se tornar um parque ou espaço de habitação popular para uma área com recorte elitista – estão previstos apartamentos de luxo na construção do Novo Recife – a população tomou a decisão de sugerir outros usos para um terreno daquela proporção.
“A cidade é de todos, não é de um grupo só, de uma camada ou de quem só vive em torres. O cais é simbólico e tem que ser ocupado pelas pessoas. Quando o movimento vai lá e ocupa, diz: eu ocupei, você pode ocupar, habitar, e fazer o que quiser de maneira coletiva e democrática”, finaliza a especialista.
Atualização em 29/03/2019, às 18h12: O recurso de autoria da Prefeitura da Cidade do Recife foi acatado pelo desembargador Adalberto de Oliveira Melo suspendendo, desta forma, a liminar que interrompeu a demolição dos galpões do Projeto “Novo” Recife. Com essa decisão, o Consórcio retomou a derrubada dos galpões, inclusive colocando em risco a vida das/os ocupantes. Estão planejadas ações de resistência para hoje.