publicado dia 9 de janeiro de 2019
Brincreto, a iniciativa que transformou um terreno vazio em Paraisópolis em um espaço de brincar
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 9 de janeiro de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
Quem durante 2018, às segundas e quintas, passou por um terreno vazio no coração de Paraisópolis, segunda maior comunidade de São Paulo, se deparou com crianças com joelhos polvilhados de terra, brincando com objetos como pneus, barquinhos de papel e gravetos em um sem fim de brincadeiras. Era o projeto Brincreto, iniciativa do Coletivo LUB – Laboratório de Urbano de Brincadeiras.
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Entendendo o brincar como parte da natureza da criança, o projeto formado no início de 2018 se dedica a incentivar a brincadeira espontânea em espaços inusitados da malha urbana. “O que falta para a maioria delas é a oportunidade. Basta acender uma fagulha e já está tudo ali”, conta Carla Scala, paisagista e uma das integrantes do coletivo, juntamente com Letícia Borges, Sofia e Beatriz Olival.
A brincante e pesquisadora Renata Meirelles escreveu uma coluna no site Lunetas sobre a espontaneidade do brincar e como iniciativas como o LUB reatam a relação entre brincar, corpo e cidade.
Durante todo o ano, as quatro jovens se apropriaram de um terreno desocupado, reivindicando-o como um espaço de brincar para meninas e meninos de 6 a 13 anos. “Era um terreno todo remexido pela terraplanagem e que cada dia tinha um formato diferente”, recorda Carla.
“Reunimos um repertório de objetos que traziam alguma base para começar, como bacias, pás, pedaços de madeira, pneus, e um pouco de tinta e papel. A partir disso, víamos o que as crianças traziam e o que elas queriam fazer naquele dia”, conta.
Durante os 12 meses de experimentação do Brincreto, uma gama de brincadeiras remexeu o relevo do terreno em Paraisópolis. Sob a supervisão e participação dos adultos, as crianças brincavam de pega-pega, balançavam em pneus e usavam a terra para brincar de comidinha. O repertório de atividades se dividia entre as sugeridas pelo coletivo e as trazidas pelas crianças.
Segundo a pesquisa Rede Nossa São Paulo – A Cidade e a Criança, os parques e as pracinhas, espaços de convivência de crianças, possuem as piores avaliações da população.
“Quando a criança encontra algo que não está pronto, se abre o espaço para o ócio. Daí, pode surgir o não fazer nada, que pode ser muita coisa, até criar barquinhos com papel para a poça da água. Isso é dar espaço para o tempo do brincar acontecer”, relata a paisagista.
O playground livre, feito de gambiarras e improviso, despertou também entre as intervencionistas e os pais outro importante debate: o dos riscos das brincadeiras ao ar livre, como escalar e correr.
Segundo Carla, a ideia era justamente essa. “A maioria dos playgrounds é emborrachado, criando uma impressão de pseudo-segurança que acaba engessando as crianças. Queríamos criar espaços para que elas tivessem propriedade do corpo, experimentando-o e vendo por conta própria como o risco pode ensiná-las.”
Os resultados desse um ano de intervenção veio por meio de relatos das mães e pais das crianças que perceberam que, tanto em casa como na escola, as crianças com acesso a esse espaço do brincar desenvolveram uma relação mais próxima com a natureza e também consigo mesmas.
“Tinha criança que tinha pavor de minhocas e que, no fim, se tornou uma caçadora delas, apresentando-as para as crianças novas que chegavam para brincar. Um menino, com dificuldades psicológicas, começou a realizar missões tanto no terreno quanto na escola, ficando super focado. É tudo sutil, de muitas camadas, mas são muitas as dimensões que brincar ao ar livre abre na vida delas”, comemora Carla.