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publicado dia 19 de junho de 2018

Futebol e literatura: 6 obras sobre o potencial educativo do esporte

Reportagem:

“São voos de estátuas súbitas/ desenhos feéricos, bailados/ de pés e troncos entrançados. Instantes lúdicos: flutua/ o jogador, gravado no ar – afinal, o corpo triunfante/ da triste lei da gravidade”. Nos versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, o futebol brasileiro foi jogado com palavras. Nelson Rodrigues era sagaz e febril com o jogador e o torcedor em suas crônicas.

Mário Filho dissecou racialmente o esporte, reconhecendo enfim seus negros Golias. Silvana Goellner lembrou que mulheres sempre foram parte do corpo vivo futebolístico. Futebol e literatura é um díptico tão relevante quanto futebol e Brasil.

quadro de Portinari
Quadro “Jogo de Futebol em Brodowski” (1933), por Candido Portinari

“Ao mesmo tempo em que o futebol é representado pelos textos, discursos da imprensa esportiva, crônica e literatura, ele também é inventado por eles”, sentencia Marcelino Rodrigues, doutor em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do livro Mil e uma noites de futebol: O Brasil moderno de Mário Filho.

Pesquisador do caldo amalgamado entre o suor dos jogadores de futebol e o dos dedos que escreveram sobre ele, o escritor acredita que a história contada sobre o esporte e ele próprio não só são indissociáveis, como também se retroalimentam.

Essa reportagem integra o Especial Copa do Mundo 2018 do Portal Aprendiz – série de matérias sobre como o futebol constitui e questiona a identidade brasileira, relacionando a modalidade esportiva com a temática de direitos humanos, educação e direito à cidade. A primeira reportagem é “O futebol expressa dilemas e contradições da sociedade”, diz pesquisador Flávio de Campos.

“Os textos sobre futebol criam representações que se refletem na própria realidade do jogo. O fato de reconhecermos que existe um estilo brasileiro de futebol faz com que comecemos a valorizar os jogadores que jogam dentro deste padrão, faz também com que os jogadores passem a jogar dentro desse estilo e que a torcida o valorize.  É um processo de retroalimentação, onde podemos dizer que a arte e o discurso não só representam a realidade, mas contribuem para a construção da própria realidade”.

O jornalismo como produção de conhecimento do futebol

Quando o futebol chega ao Brasil, no fim do século XIX, traz consigo uma marca indelevelmente civilizatória. Era um esporte europeu, com terminologias em inglês, jogado principalmente por elite segregativa – tensionando relações raciais após uma tardiamente vergonhosa abolição da escravatura. Por conta disso, logo nos primórdios dos jogos, caminha em paralelo uma produção literária e jornalística feita por uma elite urbana, jovem e modernizante.

Quando o esporte se massifica – o que acontece devido a sua profissionalização, em meados de 1930 – acontece um ligeiro litígio da literatura e futebol: “Tradicionalmente se diz que a literatura dita sobre o futebol não faz jus ao fenômeno, sobretudo, até as décadas de 1960 e 1970. Há muito menos coisa escrita sobre o futebol na literatura propriamente dita do que o tamanho do futebol para a sociedade, e isso é atribuído a uma coisa meio blasé, elitista da intelectualidade brasileira, que deixa de olhá-lo quando ele se populariza”.

Havia quem escrevesse avidamente sobre o futebol, mas também quem o detestasse. Como Marcelino aponta, figuras de renome da literatura brasileira como Lima Barreto ou Graciliano Ramos eram ferrenhos opositores da popularização do esporte, que creditavam pouco brasileiro. Lima Barreto acreditava – não sem razão – que o esporte era um instrumento da já acirrada segregação racional; já o autor de Vidas Secas acreditava que o esporte era “fogo de palha” e que sua popularidade não ia durar.

O mesmo não se pode dizer do jornalismo. Como no Brasil sempre houve pouca diferenciação das produções intelectuais, com escritores e escritoras comumente trabalhando em redações de jornais, a crônica, a caricatura, a charge, se constituem com arcabouço genuíno da arte produzida sobre o esporte, e são “eles que inventam de alguma maneira como pensamos ou jogamos o futebol hoje”, reflete Marcelino.

Entre tantos nomes artífices da invenção futebolística, o jornalista e escritor Mário Filho foi pioneiro. Filho do jornalista Mário Rodrigues e irmão do escritor Nelson Rodrigues, Mário popularizou uma cobertura antes asséptica, que entrevistava jogadores fora dos campos e os punha de terno em gravata em fotos pouco relacionáveis. Começou a fotografá-los suados de seus jogos, a conversar com eles depois de dribles fantásticos ou perdas abismais de gol. Parou de chamar o esporte por sua nomenclatura inglesa, pondo no mapa literário termos como chute ou o próprio futebol.

O escritor recifense também foi um dos mais febris defensores de uma democratização racial dentro do campo. “Ele que começou a se interessar por esses jogadores humildes e negros que estavam entrando no time na época da profissionalização. Desenvolvia sua cobertura a partir desses jogos, transformando nomes como Leônidas da Silva em ídolos com que as classes populares se identificaram”, relata o escritor.

jogador fazer bicicleta
O jogador Leônidas da Silva, do São Paulo, fazendo uma bicicleta à esquerda / Crédito: Arquivo São Paulo

É de Mário Filho um dos cânones da literatura sobre o futebol: em 1947, ele publica O Negro no Futebol Brasileiro, relato histórico sobre como os negros moldaram a identidade do esporte mais popular do país, ainda assim tendo que lutar contra o racismo que por muito os impediu de jogar.

A convite do Portal Aprendiz, Marcelino Rodrigues indica algumas leituras que abordam o futebol não somente em seu aspecto tático, estético e de campo, como também como espaço de reflexão sobre a sociedade brasileira. Ele sugere desde o já citado Mário Filho, passando pelas crônicas contemporâneas, chegando até a produção acadêmica que desafia a construção do futebol, investigando suas relações com gênero e raça.

listafutebol_maracanaadeusMaracanã, Adeus: Onze Histórias sobre o Futebol – Ediberto Coutinho

“Um livro produzido no contexto da ditadura brasileira, Maracanã, Adeus tem uma pegada política muito forte. Nos seus contos, o autor paraibano mostra a relação do futebol com as situações de conflito. Aparecem neles personagens marginais, machismo, racismo, autoritarismo e exploração das classes trabalhadoras. E tudo isso num texto bem construído e literariamente interessante”, declara Marcelino.

 

listadelivrosfutebol_aldyschleeContos de Futebol – Aldyr Garcia Schlee

Muito se é versado sobre o futebol carioca, mas Marcelino atenta sobre a importância de se pensar a riqueza da diversidade regional. Ele indica o livro – e a obra em geral – do autor gaúcho Aldyr Garcia Schlee. “Ele escreve sobre o futebol nesse contexto fronteiriço com o Uruguai, de mistura de culturas”. O autor tem um estilo literário que bebe do realismo fantástico à la Jorge Luis Borges.

 

 

listadelivrosfutebol_onegronofutebolbrasileiroO Negro no Futebol Brasileiro – Mário Filho

O já supracitado livro do escritor recifense é um marco na investigação racial do futebol brasileiro. Publicado em 1947 e republicado com alterações do autor em 1964, o livro se debruça sobre influências culturais afro-brasileiras como a capoeira e o samba na formação do corpo do futebol brasileiro. “É um reconhecimento de que os jogadores brasileiros, sobretudo os negros, desenvolveram uma nova maneira de jogar que hoje é reconhecida como estilo brasileiro do futebol”, declara o escritor.

 

listadelivrosfutebol_luizruffatoEntre as quatro linhas: contos de futebol – Luiz Ruffato (organizador), Eliane Brum e outras autoras

São muitos os nomes do panteão cronista e contista sobre o futebol, mas em sua maioria, são nomes masculinos. “O escritor Luiz Ruffato escolheu organizar um livro com autoras mulheres.” A reunião de contos aborda agentes diferentes do futebol, como torcedor e a mídia. Eliane Brum, Carola Saavedra, Adriana Lisboa e Ana Paula Maia são algumas das autoras que proseiam sobre a poética da bola na coletânea.

 

listadelivrosfutebol_footballmaniaFootballmania – Uma História Social do Futebol – Leonardo Affonso de Miranda Pereira

“O livro do historiador é sobre o processo de assimilação e popularização do futebol no início do século, mostrando como foi diversificada”, relata Marcelino. Sensível às lutas de classe, de pequenos órgãos de imprensa, e de uma multiplicidade de agentes que transformaram o futebol no que ele é hoje, o livro é um relato sensível e com agudo olhar histórico sobre como as lutas populares construíram o esporte.

 

Artigo Mulheres e Futebol no Brasil: entre sombras e visibilidade – Silvana Goellner

Marcelino indica a leitura deste e toda a produção acadêmica de Silvana Goellner. Referência na investigação de gênero dentro dos campos de futebol, a historiadora gaúcha escreve sobre como, embora invisível e fortemente silenciada, a presença da mulher no futebol está em seus primórdios, e que o corpo feminino tensiona a suposta democracia futebolística, denunciando sua masculinidade tóxica e preconceitos. O artigo está disponível na plataforma Cidades Educadoras.


*Imagem de capa é o quadro Futebol (1935), de Candido Portinari

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