publicado dia 8 de junho de 2018
Experiências da América Latina discutem tríade criança, natureza e território
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 8 de junho de 2018
Reportagem: Cecília Garcia
A América Latina é uma das regiões com maior biodiversidade e pluralidade de culturas e povos. Ainda assim, grande parte de suas crianças e jovens está encerrada em escolas insensíveis ao território e à natureza ao redor.
Há, contudo, experiências disruptivas, como uma escola no litoral da Bahia construída a partir dos sonhos da comunidade e pátios escolares nas mais remotas regiões do Chile reativados a partir do patrimônio sensível das populações tradicionais próximas.
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Livro reúne práticas escolares que promovem a relação entre criança e natureza
Essas e outras experiências latino-americanas foram apresentadas no Seminário Latino-americano Criança e Natureza – Cidades Mais Verdes, Infâncias Urbanas, organizado pelo Instituto Alana no SESC Interlagos. Nos dias 6 e 7 de junho, pensadores e pensadoras do Brasil, Chile, Peru e Argentina refletiram sobre criança, natureza e cidade, levando em considerações as desigualdades da região, como também sua diversidade como chave para aprendizagens genuinamente locais e pertinentes.
“Há uma pulsão expansiva que habita a criança e ela precisa de espaços amplos para se expressar”, explicou Laís Fleury, coordenadora do projeto Criança e Natureza. Ainda que haja um arcabouço acadêmico sobre as inúmeras vantagens cognitivas, físicas e sociais da criança que mantém contato, brinca e aprende ao ar livre, países latino-americanos estão entre alguns dos que menos disponibilizam metros quadrados verdes.
Na cidade de São Paulo, crianças têm acesso a 2,6 m². Nas cidades chilenas, a média é de 4,5 m². O recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é 12m².
Laís chamou a atenção para a responsabilidade da escola, comunidades e poderes públicos em pensarem práticas para mitigar esse déficit de natureza – expressão cunhada pelo pesquisador norte-americano Richard Louv.
Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz e mediadora da mesa, atentou-se ainda para o fato de que o direito à educação no Brasil é recente, garantido na Constituição Federal somente em 1988. Para dar conta da tarefa de inserir milhões de crianças e jovens dentro do sistema, a lógica que se deu foi extremamente massificada.
Para ela, está mais do que na hora de discutir que escola é essa, e como deve ser um ambiente não de preparação para a vida, e sim sobre a vida em si. “O debate sobre criança e natureza pode nos provocar a olhar para os muros, paredes e experiências que precisamos, na verdade, desnaturalizar”.
É possível sonhar uma escola, ou escola só existe de um jeito? Foi a possibilidade de desenhar uma escola junto com a comunidade que levou a arquiteta Beatriz Goulart até Serra Grande, vila litorânea do município de Uruçuca (BA) para projetar o Campus de Educação Integral e Integrada de Uruçuca. Esse projeto de muitas mãos e sonhos foi apresentado na mesa de debate Criança, Território e Educação.
Sonhar uma escola integrada com o seu território e comunidade começa, segundo a fala da arquiteta, pelo desmonte de noções calcificadas dos conceitos de criança, natureza e território. “Temos que expandir a ideia de escola, território, natureza e infância, a ponto desses conceitos pararem de se contornarem, e se mesclarem. Criança é natureza, escola é território, e os projetos têm que trabalhar a noção de simultaneidade”, refletiu Bia.
Para ela, crianças não podem ser vistas como objetos de estudo, e sim sujeitos de direito, “irrupções do possível, construtoras do futuro, com impacto de ruptura”, disse parafraseando Giorgio Agamben.
Quando convidada em 2013 a coordenar o projeto arquitetônico em Serra Grande, foi proposto então que a construção dele fosse também a do Projeto Político Pedagógico (PPP).
Durante um ano e meio, os diferentes atores se reuniram em formações e encontros para discutir que escola seria erguida. A provocação que ela poderia ser aberta, de frente para o rio, com árvores para crianças pularem ou pesquisarem ninhos de pássaro, embora encontrasse ressonância na observação das infâncias e relevos da região, provocou receio entre pais e educadores. A constância de reuniões foi decisiva para que se chegasse a um consenso.
Ainda em projeto de construção, a planta mostra uma escola pertinente à sua realidade: sua planta é intrínseca à natureza que a cerca, com salas de paredes envidraçadas, espaços interpelados por árvores; materiais de construção baianos para dar conta das variações climáticas do litoral nordestino; espaços e tempos pensados não como conceitos separados.
“Pensar a construção de escola é pensar um ambiente de vida: o desenho deve acompanhar a conversa, respeitar a imaginação dos participantes, o impulso da vida que segue avançando. Hoje está bom, amanhã não está mais, e onde o novo cabe? Esse prédio escolar deve sempre estar mudando”, relatou a arquiteta.
Pátios escolares revivem cultura e patrimônio no Chile
Dividindo a mesa com Beatriz Goulart, a arquiteta Ángela Ibañez convidou os participantes a refletirem sobre o pátio escolar. Não como um lugar inócuo, temporário, onde se realiza o recreio ou uma atividade física esquematizada. Mas pensar o pátio como um espaço educativo, um lugar onde crianças aprendem sobre si mesmas, que condensa fisicamente as experiências subjetivas tantos dos estudantes quanto do entorno.
Com quatro anos de atuação nos mais diversos cantos do Chile, a Fundación Patio Vivo é uma iniciativa de arquitetos, paisagistas e educadores para reativar pátios escolares, criando neles espaços que respeitem a cultura local e as particularidades do território.
A pertinência desses pátios só é possível de ser alcançada com participação de todos os agentes da escola. Em entrevista exclusiva para o Portal Aprendiz, a arquiteta chilena explicou: “Importa muito escutar, entender e desenhar junto com a comunidade o que há de se fazer com o espaço. Trabalhamos o corpo coletivo, reconectando-o à infância, para ver que ações podem ocorrer a partir das mudanças físicas planejadas”.
A valorização do patrimônio material e cultural das escolas também faz parte da reativação. Em Arca, cidade fronteiriça do Peru, o Patio Vivo percebeu que a escola não validava as histórias patrimoniais que as crianças traziam consigo. O projeto trabalhou sua reativação utilizando pedras – material utilizado nas casas tradicionais da região – sabedorias agrícolas e criando um fogão, espaço de convivência importante na cultura
“As escolas são lugares de validação cultural. Quando escolas são feitas de materiais que não recorrem à sabedoria de seus locais, elas estão negando-a, dizendo que o único caminho possível é cidade e cimento. Quando técnicas construtivas e materiais tradicionais do lugar são levados para dentro da escola, você os valida e diz que a escola é consciente e sensível às crianças”, finaliza Ángela.