publicado dia 5 de dezembro de 2017
Na zona leste de SP, escola articula alunos e poder público para políticas de sustentabilidade
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 5 de dezembro de 2017
Reportagem: Nana Soares
A EMEF Sebastião Francisco, o Negro não tinha a melhor reputação em seu bairro. A grande quantidade de lixo e entulho depositada nas calçadas da escola e o mau cheiro proveniente do descarte inadequado causavam má impressão entre os moradores da Cidade Líder, na zona leste de São Paulo, além de ameaçarem a saúde pública.
Para mudar esse quadro e a relação da escola com seu território, no início deste ano, professores e coordenação se uniram para criar o projeto “Vamos jogar limpo? O entorno escolar e o caminho para aprender juntos”, que trabalha uma escola mais sustentável com os alunos e poder público.
A iniciativa começou com uma atividade simples de diagnóstico: uma visita com os alunos à calçada da escola. A proposta era que eles, muitos dos quais também jogavam lixo naquele espaço, identificassem sozinhos os problemas ali presentes, o que de fato aconteceu.
As dificuldades de acessibilidade, a falta de placas de trânsito e de faixa de pedestre também não passaram despercebidas. “Mas alguns alunos vivem em condições tão precárias que não identificavam nada errado. Para eles, o lixo e os buracos da calçada eram normais, até não tão graves quanto os de suas vizinhanças”, conta Janaína da Silva Coelho, professora de Ciências e uma das responsáveis pelo projeto.
Os alunos então elencaram os problemas identificados durante a caminhada, mapearam o entorno da escola e conversaram com o grupo de Educação Ambiental da EMEF. Nestes encontros, refletiram sobre como gostariam que fossem as calçadas e seu bairro, que ainda tem poucos equipamentos públicos de lazer. A conclusão é que desejavam que as calçadas (e a rua) fossem espaços limpos, que permitissem o brincar e a convivência.
Enquanto os alunos eram impactados por essas primeiras ações, um outro grupo de professores se articulou para incidir nas instâncias de poder, isto é, cobrar ações dos vereadores e da Prefeitura Regional.
Essa segunda frente do projeto contou com a ajuda de Irene Quintáns, arquiteta da Rede Ocara, que auxiliou o processo de articulação. “Foi uma conversa que expandiu muito nossa visão. Não sabíamos, por exemplo, que há leis que especificam como deve ser o entorno da escola. Assim, nos munimos de informação e ampliamos nosso olhar. Entendemos que precisávamos olhar não só para a nossa calçada”, relembra a professora Janaína.
Desta maneira, o projeto ultrapassou o perímetro da escola e passou a agregar questões do bairro. “Na praça no fim da rua, havia um bueiro aberto que podia causar problemas a qualquer momento. Percebemos que aquilo também era problema nosso”, conta a professora.
“O que o poder público pode fazer por nós?”
Com essa nova perspectiva e um mapeamento do que estava sendo negligenciado, a equipe entrou em contato com a gestão pública. O prefeito regional Jacinto Reyes foi convidado a caminhar pela calçada, assim como fizeram os alunos meses antes, e também pelos quarteirões e praças próximas. Os próprios alunos ficaram responsáveis por apresentar os principais problemas ao gestor.
Como resposta, veio a promessa de incluir a EMEF Sebastião Francisco, o Negro em um mutirão, ainda sem data. Até o momento, as mudanças concretas foram o fechamento do bueiro e a implantação de placas sobre a proibição de jogar lixo na calçada da escola.
Internalizar mudanças
Placas pouco adiantariam, no entanto, sem um diálogo mais profundo com os moradores do bairro. Era necessário entender o porquê do descarte inadequado e conscientizá-los de seus malefícios. Para isso, os alunos, acompanhados dos professores, bateram de porta em porta para conversar com os vizinhos. “Nessa etapa, ficou nítido que o hábito de jogar lixo na lixeira em frente a escola estava internalizado, eles acreditavam que era uma lixeira pública”, conta Janaína.
Foi preciso esclarecer então que cada morador deveria deixar seu lixo em sua própria calçada até o momento da coleta, realizada pela Prefeitura três vezes por semana, às 24h. “Então percebemos que o horário era um obstáculo para muitos deles que, para garantir que o lixo seria recolhido, deixavam na frente da escola. É mais uma demanda a se conversar com a Prefeitura, porque o atual sistema de coleta não condiz com a rotina dos moradores”, ressalta a professora.
O problema inicial ainda não foi resolvido por completo, mas a educadora garante que a situação já avançou. Os alunos, hoje, se mobilizam e conversam com os vizinhos e indignam-se quando veem alguém usando a fachada da escola como lixeira. Além das contribuições da Prefeitura Regional, a EMEF também tomou a atitude de trancar sua lixeira com cadeado, abrindo somente nos dias de coleta, e de separar os papelões para os catadores, que antes reviravam a lixeira para realizar essa tarefa. A equipe quer ainda comprar bancos para a calçada, de modo a tornar o espaço mais amigável e estimular a convivência.
Para Janaina Silva Coelho, o projeto fez com que a relação entre moradores e escola melhorasse. “Quando o vizinho vê que o lixo diminuiu, ele entende que aquilo também é mérito dele. É importante empoderar a comunidade e informá-la sobre seus direitos. O horário da coleta é ruim? Então vamos falar com os gestores para mudar.”
Agir no bairro
Além disso, as mudanças já ocorridas evidenciam a importância das parcerias firmadas ao longo do “Vamos jogar limpo?”. Para a equipe responsável, articular diferentes agentes preocupados com o mesmo objetivo é um dos principais legados do projeto.
“Ainda estamos em um processo inicial de posicionar a escola como um agente de mudança no bairro todo, mas é o nosso sonho”, conta Janaína. “Colocar o lixo para fora de casa não faz com que deixe de ser um problema. A maneira com que lidamos com o lixo reflete a maneira que tratamos o planeta”, acrescenta.
Territórios Educativos
O projeto “Vamos jogar limpo? O entorno escolar e o caminho para aprender juntos” foi um dos 10 contemplados pela 2ª edição do Prêmio Territórios Educativos, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e patrocínio da Estácio.
O prêmio busca reconhecer e fortalecer experiências pedagógicas que explorem as oportunidades educativas do território onde a escola está inserida, integrando saberes escolares e comunitários. Este ano, o programa recebeu 67 inscrições oriundas de todas as Diretorias Regionais de Ensino de São Paulo e de diversos tipos de unidades escolares.
Confira os outros projetos vencedores.