publicado dia 16 de maio de 2016
No Bixiga, educação patrimonial estimula olhar dos professores para a cidade
Reportagem: Redação
publicado dia 16 de maio de 2016
Reportagem: Redação
Com mais de mil casas e edificações tombadas, sons, sotaques, escolas de samba e festas populares, o Bixiga – nome extra-oficial do bairro desde o século 19 – é um prato cheio para quem se interessa pela história de São Paulo. Povoado por negros, italianos, portugueses e, mais recentemente, nordestinos, imigrantes e refugiados, o local é um microcosmo de São Paulo com conformações culturais e territoriais diversas e em diálogo permanente com o passado e o presente. Foi ali que a quarta etapa da formação “Potenciais educativos do território urbano: rumo à Cidade Educadora” aconteceu, pensando sobre a questão do patrimônio material e imaterial da cidade.
O curso, que envolve 30 professores da rede pública municipal de São Paulo, e foi elaborado coletivamente entre Diretoria Regional de Educação Ipiranga e coletivos, museus e organizações da sociedade civil, visa oferecer subsídios pedagógicos para a exploração educativa além dos muros da escola. E, que melhor forma de fazer isso, senão com o pé na rua?
Logo cedo, no sábado (14/5), os professores se encontraram na EMEF Celso Leite, onde a Hey Sampa, organização que promove itinerários de educação patrimonial em São Paulo, fez uma breve apresentação sobre o tema. “Educação patrimonial é uma educação cidadã, uma forma de guardarmos culturalmente os saberes que achamos importantes para o futuro. E não tem pra onde ocorrer: para ele acontecer, precisamos de ativismo, de pessoas envolvidas na preservação da cultura de um lugar. São Paulo é uma cidade pouco preservada, o desenvolvimento aqui sempre atropelou nossa memória”, afirmou Paula Dias, da Hey Sampa.
Escola inventaria patrimônio linguístico na Bahia
Em uma escola estadual, no município de Correntina (BA), estudantes começaram a debater os termos que aprendiam em casa e não encontravam nos dicionários. Pensando sobre preconceito linguístico e cultura local, resolveram fazer algo sobre este tema e saíram entrevistando os idosos da cidade para conhecer suas histórias, verbos e adjetivos. Dessa atividade, nasceu o “Pequeno Grande Dicionário”, que “eterniza” a cultura oral do município, com pouco mais de 30 mil habitantes. Saiba mais.
Ela lembrou que registrar o que é patrimônio está a alcance de qualquer um, através dos órgãos competentes, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e suas seções locais. E ressaltou que patrimônio é muito mais do que um prédio. Pode ser um jeito de falar, um saber local, um sotaque, uma brincadeira. “A questão que se coloca para os professores é: você se reconhece no entorno? O que você reconhece? Qual o som do seu bairro e como a gente traz isso para dentro da sala de aula?”, instigou Paula, que acredita que diversos professores já realizam trabalhos de patrimônio mesmo sem nomeá-los dessa forma.
Prova disso, é que o Programa Mais Educação, política nacional de educação integral, apresenta como um de seus macrocampos a educação patrimonial. “A educação patrimonial pode ajudar as escolas a olharem para seus territórios e a se conectarem com suas comunidades. Se a escola é o lugar dos saberes sistematizados, pensar o patrimônio material e imaterial é jogar luz nos saberes locais. E o educador pode ser a ponte entre esses saberes”, ponderou Raiana Ribeiro, gestora do Programa Cidades Educadoras, da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Expedição: Bixiga
Para ajudar a construir essas pontes, Paulo Santiago, da Associação Novolhar,organização que atua no bairro, levou os participantes da formação para percorrer o Bixiga. A cada esquina, ele parava para contar a história de uma edificação e traçar relações com o desenvolvimento da cidade. Em um desses cruzamentos, encontrou com um velho amigo, vestindo uma camiseta com os dizeres: Velha Guarda do Bixiga. “Aqui, ‘samo’ todos uma comunidade. Quando vai fechar a rua pra fazer bloco ou procissão, ‘samos’ nós que ‘fechamo’”,afirmou, com o mesmo sotaque do famoso sambista Adoniran Barbosa.
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Na outra esquina, Namur Scaldaferri, compositor de sambas campeões pela escola de samba Vai-Vai, também contou um pouco da história do bairro. Toda sexta-feira é ele que comanda o samba do Madeira de Lei, que agita a rua 13 de maio e começa assim que a missa na Igreja da Nossa Senhora de Achiropita, logo em frente, termina. Os encontros com os patrimônios do bairro foram tantos, que até levaram uma docente a perguntar se eles haviam sido previamente combinados.
“O Bixiga é conhecido por ser um bairro italiano, mas ele tem uma grande herança e presença negra. Quando tem festa italiana, como a Festa de Nossa Senhora Achiropita, você repara que muitos dos que estão aproveitando não têm descendência italiana. Já o samba, uma tradição negra, é compartilhada por toda a comunidade”, analisou Santiago.
Criança na cidade
O ambiente urbano, por mais que seja pleno de aprendizados, ainda é visto com preocupação e hostilidade por muitos. Para desmistificar essa questão, na volta do itinerário realizado pelo bairro, Cristiane Lima, do Criacidade, falou sobre a importância da escuta infantil e compartilhou técnicas de ocupação do espaço urbano. Ela revelou que no Glicério, onde realizam cortejos de maracatu mensalmente, essa confiança no espaço público vem sendo construída aos poucos.
“No começo, saíamos com dez crianças. Na próxima quarta-feira, teremos duzentas, com professores de diversas escolas da região, trazendo para as crianças a alegria de transformar e ocupar o espaço público.” O projeto “Criança Fala na Comunidade – Escuta Glicério”, do Criacidade, do qual Cris participa, visa ampliar a escuta infantil nos processos de mudança na cidade.
Acompanhando as ideias de Cris, duas jovens estudantes de arquitetura, do Centro Universitário Belas Artes, apresentaram seus planos de reformulação da Praça Dom Orione, a partir da interpretação de estudantes da Novolhar e da Escola Lumiar, em processo retratado pelo Portal Aprendiz. “Tentamos transformar a fantasia e a imaginação em algo concreto, saindo da ideia de algo grandioso, que atende o arquiteto, mas em algo pensado para quem vive e convive ali, para que as crianças que moram nos cortiços da região e não têm áreas de lazer, possam brincar livremente”, relataram as jovens estudantes.
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Vila Itororó
Para concluir o dia de aprendizados, os educadores foram caminhando até a Vila Itororó, outro patrimônio do Bixiga. A vila, um conjunto de um palacete e 37 casas, foi construída na década de 1920 por Francisco Castro e é tombada pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) e pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico). Local de moradia popular até 2013, o local foi desapropriado e atualmente está sendo restaurado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e pelo Instituto Pedra.
Desde os anos 1970, seguidos governos fizeram investidas para transformar a Vila Itororó em um Centro Cultural, de maneira “elitista e autoritária”, oferecendo compensações irrisórias para os habitantes, segundo explicou Graziela Kunsch, coordenadora da Formação de Público do local. Após um longo processo de resistência, conseguiram compensações e foram alocados, em sua maioria, em prédios da CDHU na região e poderão, inclusive, voltar para trabalhar no local, como guias, uma vez que a restauração esteja concluída.
Aberto à visitação durante a restauração, o espaço é um canteiro de obras aberto para visitações e participações das mais diversas. “O que importa é o processo, não o produto”, aponta Kunsch sobre os usos possíveis do galpão instalado ao lado da antiga vila. Com capacetes de segurança, é possível conhecer as ruínas e histórias da vila ainda em obras, entre marceneiros, engenheiros, artistas, arquitetos e pedreiros.
De olho atento nos processos, os professores vivenciaram o percurso na Vila Itororó e foram convidados a pensar propostas de educação patrimonial em suas escolas. “Acho importante trazermos a educação para fora da escola, pois ela tem uma dimensão fundamental que as vezes perdemos: o encantamento”, entusiasmou-se a professora da EMEI Gabriel Prestes.
O curso “Potenciais educativos do território urbano: rumo à Cidade Educadora” volta a se reunir no dia 18/6, na Pinacoteca do Estado de S.Paulo. O tema do encontro será “Patrimônio Cultural” e quem organiza a proposta pedagógica do dia é o Museu da Língua Portuguesa e a Pinacoteca do Estado de São Paulo. Não perca a cobertura completa!