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publicado dia 9 de maio de 2016

Cidade Educadora: aliar educação e território é fundamental para reduzir desigualdades sociais

Reportagem:

“A escola está sempre em crise, pois o fracasso escolar sempre existiu”. Foi assim que a historiadora e professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo, Maria Rita de Almeida Toledo, abriu sua fala na roda de conversa “Educação, território e sustentabilidade”, realizada na última sexta-feira (6/5) na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).

Promovidas pela Fundação Tide Setúbal e pela Folha de S.Paulo, as rodas fazem parte do seminário internacional “Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca de Equidade”, que acontecerá no dia 14/6, e perguntavam de que maneira podem as políticas públicas, instituições e sociedade civil agirem em seus territórios para diminuir a desigualdade do país. Clique aqui para saber como foi a roda de conversa sobre desigualdades urbanas.

Para começar a detalhar essa questão, a professora traçou a história da educação pública no país, desde seus princípios republicanos até sua universalização, e problematizou o que vê como uma educação cada vez mais conteudista, que tem escanteado o espírito crítico dos estudantes ao se focar antes na resposta do que nas perguntas. Segundo ela, a educação brasileira tem gerado estudantes calados, incapazes de questionar o que lhes é passado.

“O currículo deveria estar estruturado para construir o espírito científico, ou seja, as crianças deveriam aprender a perguntar. Não existe ciência sem pergunta. Os velhos educadores, como Anísio Teixeira, já propunham a pedagogia da pergunta, enxergando o conteúdo como um repertório, não como o centro da educação”. Um dos fatores que atrapalham esta construção seria, segundo a professora, a desterritorialização dos professores.

Até a aprovação da Lei Nº 5.692, em 1971, a segunda versão da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), ainda não havia sido institucionalizado a remuneração por hora-aula e os professores concursados eram alocados em uma unidade escolar – algo, segundo a professora, “que se assemelhava muito à carreira dos universitários. Eles eram entendidos como catedráticos”. Na configuração “de passagem”, o professor fica sem pertencimento à escola e tem que se virar para garantir suas horas-aulas, “correndo de uma escola para a outra”. Esse distanciamento dos alunos reforça o “conteudismo” e afasta o professor da comunidade e do território. “O problema maior do professor é ele não ter um bom salário ou uma escola, um território e uma sala para estar?”, questiona.

Territórios integrais

Para superar essa fragmentação, Alexandre Isaac, cientista social, pesquisador e líder do projetos do Centro de Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária no CENPEC, aposta na educação integral. Para o especialista, este conceito, que vêm sendo construído desde os anos 90 e hoje embasa diversas políticas públicas, pode oferecer novas respostas para velhas perguntas.

“O conceito de Comunidades de Aprendizagem dialoga estreitamente com os conceitos de Bairro-escola, Território Educativo e de Cidade Educadora. Comunidades de Aprendizagem dizem respeito a projetos educativos que extrapolam os limites da escola, envolvendo toda a comunidade no processo de formação de seus indivíduos. Podemos definir Comunidades de Aprendizagem como uma proposta de transformação social e cultural que envolve  alunos, professores, pais e demais cidadãos locais na construção de um projeto educativo e cultural próprio, para educar a si, suas crianças, seus jovens e adultos.” Saiba mais no Centro de Referências em Educação Integral.

Mais do que colocar as crianças em tempo integral na escola, explica Isaac, caberia pensar no “desengavetamento de currículos e ações, visando, tanto da parte da escola como das comunidades, o desenvolvimento integral de seus sujeitos”. Essa convergência, cristalizada na concepção das comunidades de aprendizagem, pode “concorrer para a redução de desigualdades”.

“Qual o currículo que temos que oferecer para nossas crianças e adolescentes para que eles se desenvolvam integralmente? Têm algum saber que vale mais que o outro? É claro que não. Por isso não podemos ter um currículo que não converse, que não estabeleça relações entre o território, entre a realidade de seus estudantes e o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade. Ou seja, uma educação que estrutura para promover o desenvolvimento integral dos estudantes nunca poderá virar as costas para a vida deles em nome de uma suposta hierarquização das matérias”, propõe.

Para garantir que isso aconteça, o educador afirma que a escola não pode prescindir das organizações de um território. “É claro que esse diálogo pode ajudar a diversificar as oportunidades e garantir novos tempos e espaços. Mas não defendemos a educação integral só para garantir o tempo integral. É por princípio que dizemos que as crianças têm que sair da escola, têm que ir na ONG do lado, têm que ter aula na praça, têm que conhecer sua cidade, seus museus, suas pessoas. A escola tem que ser um agente de transformação, de construção de Cidades Educadoras”, aposta Isaac.

Ocupar as escolas

Trazendo a experiência do chão da escola, o diretor licenciado Josafá Rehem Nascimento Vieira, da EMEF Faveira do Mato, tratou de contar um pouco de sua trajetória na rede pública, sempre pautada por luta e por um contato firme com o real.

“Não dá para apostar no caos, precisamos nos organizar”, proclamou, ao criticar o ensimesmamento das instituições escolares. “Nossos jovens são importantes e o crime que cometemos, ao não conseguirmos garantir uma boa educação, é enorme”, lamentou. Segundo ele, a saída começa na crença de que o trabalho do educador é libertador.

“Precisamos nos organizar e propor alternativas, assembleias de estudantes e conselhos, onde eles tenham voz e voto. O diretor não pode se comportar como um imperador. A escola tem que estar aberta e os coletivos e organizações de juventude e cultura têm que ocupá-la, para combater a dicotomia entre a escola do conhecimento, para os ricos, e a do acolhimento, para os pobres. A igualdade que conseguiremos construir passa por isso”, concluiu Josafá.

(A foto que ilustra essa matéria é de Daniel V, via Flickr/Creative Commons)

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