publicado dia 18 de novembro de 2015
Reorganização dissocia escola da vida no bairro, apontam especialistas
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 18 de novembro de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
Com a colaboração de Danilo Mekari
Em frente à ETEC Guaracy Silveira, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, estudantes conversam em diversas rodas sobre táticas de mobilização, o que pensam sobre a ocupação da escola e o futuro da educação do estado. Logo na entrada, urnas recebem uma longa fila votantes. A Guaracy é a primeira Escola Técnica ocupada, em uma lista de mais de 67 escolas estaduais sob controle estudantil em São Paulo, cifra que não para de subir.
“Desculpa moço, você não pode ficar aqui. Só estudante”, explica uma aluna com uma câmera fotográfica a tira colo. Do lado de fora da escola, sentada em um gramado, ela pondera, junto com os demais colegas, que a mídia não tem dado a atenção necessária às ocupações. Pede ajuda na divulgação e explica a situação da escola, que irá perder turmas de ensino médio e há anos atravessa dificuldades estruturais. Questionada sobre as urnas, responde que elas estão ali para que os alunos decidam se a ocupação será mantida ou não.
Ajude as/os estudantes
“Eu acho que não, as pessoas tão com medo de perder aula, de ofuscar as escolas que serão fechadas”, explica um de seus colegas. A Guaracy parou em apoio às demais escolas e para protestar contra a “direção autoritária, sucateamento e fechamentos das turmas”.
A consulta à comunidade escolar sobre o fechamento temporário da unidade revela uma sensibilidade dos estudantes que parece ter faltado à secretaria estadual de educação na condução da reorganização da rede de ensino. Essa também é a opinião de Ulisses Araújo, professor da Escola de Artes e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e autor do livro “Autogestão na sala de aula: as assembleias escolares”.
Segundo Araújo, o processo foi conduzido de maneira “inábil e atabalhoada”. “Você até pode discutir os méritos de uma reorganização, mas sem diálogo, sem participação, de uma hora para a outra, não vai conseguir. É comprar uma briga não com o sindicato, mas com as famílias, com a organização de vida delas”, defende.
Araújo aponta que “não é trivial para certas famílias que seus filhos não estudem mais na mesma escola”. O aumento dos deslocamentos e a falta de consideração com as realidades locais, fez com que o governo comprasse uma briga com a comunidade. Há inclusive relatos de mães e pais que se licenciaram de seus trabalhos para apoiar os filhos nas ocupações.
O professor também considera que a mudança foi feita para atender critérios de gestão e eficiência das contas do estado e que os estudos sobre organização por faixa etária não indicam necessariamente uma melhora do aprendizado. Araújo acredita que o governo terá que retroceder.
“Se mostrassem que o fechamento da escola poderia se traduzir em uma melhora para comunidade, se negociasse transporte, fizesse um museu, uma escola infantil, um espaço público de educação continuada, enfim, planejassem, poderia ser que a comunidade acatasse. Mas desse jeito, eu acho que não será possível”, acredita.
Escola: centro da comunidade
“Esse processo de reorganização é a antítese do planejamento cidadão”, afirma o urbanista Kazuo Nakano. Para ele, as escolas podem e devem ser transformadas, pois a demografia dos bairros não é estática. Mas isso não se efetiva de cima para baixo.
“Essa é uma visão que dissocia a escola da vida do bairro e entende que ela é apenas um depósito de alunos. Mas não, ela é um lugar de vida coletiva. Se, ao invés de ser fechada, investisse na relação dela com o bairro, ela seria aperfeiçoada, reinaugurada. A dimensão pública da escola é que deveria ser reforçada”, aposta.
Para exemplificar, Nakano lembra que após a Proclamação da República, a construção de escolas passou a ser prioridade no planejamento urbano. Como exemplo, temos a extinta Caetano de Campos, que hoje serve como Secretaria de Educação, na praça da República, centro de São Paulo.
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“Você via que a escola, pela própria arquitetura, tinha um papel fundamental. Havia um reconhecimento social do professor, um entendimento do seu papel. Claro que era uma escola pública para poucos, mas a universalização poderia ter acompanhado essa qualidade”, avalia.
Nas últimas décadas, analisa o professor, as escolas foram se fechando cada vez mais, “escondendo” sua vocação pública numa cidade pautada pelo medo e pela insegurança. Mas cada vez mais, acredita Nakano, principalmente desde junho de 2013, tem havido uma valorização da dimensão pública da vida e da importância da educação.
“Porque não pensar em escolas multisetoriais, que acolham o que o bairro tem? Que ajudem a impulsionar cooperativas locais, ativismos diversos, que acolham reuniões e a comunidade?”, indaga.
Retomada
Para a arquiteta e educadora Beatriz Goulart, o momento é propício para reflexões sobre a educação contemporânea. Ela considera que a escola é mais do que espaço físico e vaga: ela é uma relação. “Esse corpo que luta, com apoio das famílias, essa integração de sujeito usuários, é algo quase inédito. Com isso, os estudantes têm a dimensão do que é ter uma escola com participação da comunidade. Então é uma boa hora para se perguntar: que escola a gente quer?”
“Esse movimento vê a educação como direito, como lugar que se quer estar, o território como direito, é mais do que vaga e matrícula. Acho que se a escola pudesse falar, ela diria que está orgulhosa”
É nessa dimensão – do envolvimento do território e da comunidade na educação – que estariam surgindo os frutos mais duradouros desse movimento com as diversas demonstrações de solidariedade, o envolvimento das famílias, a forma de divulgação na internet, os pedidos de colaboração organizados autogestionadamente nas redes sociais. Uma iniciativa, que está circulando na web nesta quarta-feira chama os apoiadores das ocupações a oferecer aulas, do que quer que saibam, para os alunos.
“Meu sonho seria ver creche e ensino médio junto, EJA, tudo junto, com interação pedagógica. É tão obvio você conviver com pessoas de todas as idades. Isso já acontece na família, uma ensinando para outra”, diz Beatriz. “Esse movimento vê a educação como direito, como lugar que se quer estar, o território como direito, é mais do que vaga e matrícula. Acho que se a escola pudesse falar, ela diria que está orgulhosa”, finaliza.