publicado dia 7 de outubro de 2015
Museu da Língua Portuguesa se conecta ao território e fortalece comunidade local
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 7 de outubro de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Prestes a completar uma década de existência, o Museu da Língua Portuguesa (MLP) recebeu, até agosto de 2015, cerca de 3.850.000 visitantes. O número é expressivo para um equipamento cultural localizado no coração de São Paulo, dentro da Estação da Luz – mas não acomodou a gestão do museu, que hoje busca trabalhar mais diretamente com o território onde está inserido, dialogando com a comunidade e abrindo seu espaço para promover cidadania.
Em parceria com a Sala Futura, projeto de midiateca do Canal Futura, a instituição vem organizando, desde o início de 2015, visitas ao acervo de grupos de mulheres em situação de prostituição no Parque da Luz e grupos de transexuais da região.
“Desde que nasceu, o museu pensa o seu papel neste território, bairro, cidade, país”, afirma Marina Toledo, coordenadora educativa do MLP, ressaltando que a Luz é um dos lugares mais complexos da capital paulista, pois, além de reunir diversas comunidades de migrantes e imigrantes em torno de seu comércio movimentado, possui inúmeras questões sociais, como ocupações de moradia, moradores de rua, prostituição e uso de crack. “De que forma o acervo do museu, que é público, pode ajudar as pessoas nessa busca de identidade e cidadania?”, pergunta Marina.
A Sala Futura também realiza ações com crianças que moram nas ocupações ao redor da Estação da Luz. A partir de questionamentos acerca do território, foi produzido um mapa com o que elas conhecem e não conhecem e com as mudanças que percebem ali.
A partir da instalação da Sala Futura, no começo de 2014, a instituição partiu em busca de novas parcerias na região. Produziu um mapeamento com os equipamentos culturais e educativos locais e foi atrás de parcerias para potencializar esse trabalho. “Acreditamos no trabalho em rede e no papel de cada um dentro de um projeto mais amplo. Nós fortalecemos o indivíduo com a cultura, as organizações de saúde promovendo hábitos saudáveis, a educação promovendo aprendizagem – é assim que entendo uma Cidade Educadora. Não tínhamos condições de fazer isso sozinhos.”
O projeto Mulheres da Luz, por exemplo, articulou uma parceria entre a Secretaria de Políticas para as Mulheres e o coletivo “Mulheres que atuam com mulheres”, que trabalha especificamente com mulheres em situação de prostituição. “Aliamos o olhar político e o comunitário, pensando junto uma proposta para esse público”, conta Wilmihara Santos, mais conhecida como Iara, articuladora da Sala Futura.
“A Sala serviu como espaço de articulação, onde realizamos oficinas e rodas de conversas mensais.” De acordo com ela, a demanda partiu das próprias mulheres, que gostariam de aprender mais sobre sexualidade, auto cuidado e organização financeira, entre outros temas. “Estamos formando essa rede para atender uma necessidade que vem da comunidade”, observa.
O sucesso da ação já garantiu uma visita das mulheres à Pinacoteca do Estado, instituição vizinha ao MLP. Conhecer o mais antigo museu de arte de São Paulo era um dos sonhos de Cleonne Santos, que já esteve em situação de prostituição e hoje conduz o diálogo entre as mulheres da Luz e os equipamentos locais.
Sentada em um banco do Parque da Luz, ela transforma em palavras as recordações do dia em que conheceu o espaço e as esculturas de Auguste Rodin. “Fiquei meio boba. Tudo que a gente sonha muito, quando vê, fica meio criança, sabe?”, confessa a senhora de 58 anos.
Ela relembra também um dos primeiros projetos voltados para a leitura, que “circulava” pela região da Luz: a “bicicloteca”, mistura de bicicleta e biblioteca distribuiu livros para as mulheres que ali trabalhavam. “Estava todo mundo muito ocioso aqui, o dia inteiro. Tinha que ter uma ocupação”, aponta. Por questões burocráticas, a bicicleta foi proibida de circular no parque – Cleonne, então, passou a incentivar a realização de rodas de conversa para discutir políticas públicas e direitos sociais. Atualmente, cerca de 50 mulheres se reúnem mensalmente.
Os encontros são realizados na Sala Futura e na Casa de Chá do Parque da Luz. “Estamos formando uma rede para tirar da invisibilidade, pois as mulheres que vivem em situação de prostituição são o público mais invisível que existe, não existe nada dirigido a elas, que não têm nenhum direito respeitado.”
Cleonne comemora a nova relação construída com espaços como o MLP e a Sala Futura. E afirma que, a partir de agora, essa parceria tende a se aprofundar. “A cultura é assim: quando a gente tem acesso a um pouquinho, sempre quer mais”, observa, estampando um largo sorriso. “E digo mais. Quando essas mulheres vão percebendo que têm direitos, elas começam a batalhar por eles.”
A Sala Futura promove ainda um projeto semelhante com outro grupo que sofre com a vulnerabilidade social: as transexuais. Em parceria com o Consultório na Rua, iniciativa da UBS Barra Funda, e em diálogo com outros equipamentos culturais, como o Museu da Pessoa e o Museu da Diversidade Sexual, o MLP organizou encontros que debateram a língua e o corpo como identidade, além de visitas ao seu acervo e uma ida ao cinema Reserva Cultural, onde o grupo assistiu o filme De Gravata e Unhas Vermelhas, que aborda essa temática.
“Quando mais da cidade for se descobrindo e tecendo essas redes de relação, aí sim cada um vai ser potente na sua particularidade”, finaliza Marina.