publicado dia 30 de setembro de 2015
Um encontro com André Gravatá
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 30 de setembro de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
Quando criança, André gostava de enviar cartas. Coletava nomes e endereços que pudesse achar e começava a conversa: “Oi, eu sou o André, sou estudante, queria saber um pouco mais de você.” Muitos respondiam. Uma, que leva o nome de Amanda, é sua amiga até hoje no Facebook. Mais tarde, o menino descobriu que podia ligar de graça para números 0800. De sua casa, no Embu das Artes, na grande São Paulo, ligava para os serviços de atendimento ao consumidor e travava longas conversas. Queria saber, afinal, quem estava do outro lado da linha. As embalagens de produtos também serviam de fonte para os telefones que, dentro de pouco, receberiam sua chamada.
Essa curiosidade permanente por pessoas é a força que faz o educador, jornalista, poeta e escritor André Gravatá caminhar. Por trás desse rapaz, corre uma vontade genuína de descobrir o outro, de promover encontros, de criar redes, de surpreender a rotina em pleno voo, de redescobrir a todo tempo a infância em si e nos que estão ao seu redor. De fato, é difícil passar ileso por um encontro com ele, que é um dos fundadores do Movimento Entusiasmo, além de organizador da Virada Educação e autor e co-autor de diversos livros e livretos, entre eles, Uma volta ao mundo em 13 escolas.
A jornada de André começa com a saída de seus pais da pequena cidade de Paripiranga, localizado ao norte da Bahia, para tentar a vida em São Paulo. “Era como se Paripiranga fosse meu território geográfico expandido. Geograficamente em Embu, poeticamente por lá”, relembra. Crescendo nas bordas da capital paulistana, André desde cedo se inquietou com a desigualdade. “Não que eu tenha passado fome, mas você começa a perceber certas coisas e a questionar: por que determinadas coisas são assim?, por que algumas pessoas são consideradas inferiores por terem menos dinheiro?”.
A escola e o vazio
Essa inquietação acompanhou os dias do rapaz quieto e estudioso que frequentava as escolas públicas da região.“Na escola, às vezes me sentia preenchido de algo bonito, às vezes de algo feio. Tive bons professores, é claro. Mas meu vazio nunca era preenchido por mim, no sentido de que nunca fui protagonista do meu processo de aprendizagem”, relata. Em seu último ano do ensino médio, resolveu levar a sério seu gosto pela escrita e batalhou por uma vaga no curso de Jornalismo. Conseguiu uma bolsa através do ProUni e ingressou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Tateando caminhos, enquanto se dividia entre a universidade e a casa dos pais, André começou a pensar em formas de juntar suas paixões. Uma reportagem feita enquanto estava no terceiro ano de faculdade resumiu um pouco de suas buscas naquele momento. Fez intervenções urbanas na hora do almoço. Doou sangue. Leu poemas para estranhos na ruas. Tentou misturar a poesia de suas ações com a prosa de seu texto. E, desde então, nunca parou.
No ano seguinte, reuniu educadores e jovens como ele para um encontro sobre micro-revoluções. Terminou a faculdade com um trabalho de graduação sobre arte participativa. Na sequência, se somou a um coletivo de amigos para dar início ao projeto que o faria atravessar o mundo.
Volta ao mundo
Neste momento, uma noção mais abrangente começou a se desenhar para André. “Eu via escolas interessantes e comecei a perceber que a educação deveria ocorrer o tempo inteiro, durante uma vida, de forma plena, com autonomia, empatia e protagonismo. Uma educação, na qual o encanto que produzimos seja capaz de inventar novas formas de descobrir espaços e territórios, novos arranjos de uma cidade educadora”.
André Gravatá também é colunista do Portal Aprendiz. Confira!
O lugar onde você está agora
Como mudar a educação na raiz
O livro foi um caminho sem volta nas trilhas pela educação. Após um breve hiato – uma viagem à Índia – André voltou obstinado a se aproximar da raiz viva das coisas, lembrando a imagem que Clarice Lispector deixou no conto “Amor”. Chamou alguns conhecidos e, entre uma deriva e outra, fincou o pé na necessidade de que nossa educação redescubra o espanto.
Volta ao centro
Na Praça da Sé, André rememora as “derivas” que fez pela região – procedimento de andar pelo espaço urbano em busca do inesperado, que teve origem no movimento surrealista, no começo do século passado. Brotava a semente do Movimento Entusiasmo.
Junto a outros colegas – ele sempre ressalta que são ações no plural – André realizou muitos outros encontros “potentes”. Encontro, aliás, é uma palavra chave em sua vida: define a forma como ele e seus pares agem sobre a realidade e propõe novas formas de se fazer a vida, a partir da escuta do outro e da construção de pontes entre indivíduos e coletivos.
Há dois anos, o Movimento Entusiasmo realiza trabalhos com escolas públicas da região central de São Paulo, em um processo que culmina na Virada Educação. Realizado de maneira colaborativa e horizontal, o evento toma as ruas da cidade de São Paulo por um dia com diálogos, mostras, filmes, oficinas e brincadeiras. O que podia ser uma ação pontual, já se espalhou por mais de 10 cidades brasileiras. “Para mim, tem algo muito potente em curso, que é essa noção de que a cidade é um espaço educador, que os territórios têm muito a ensinar.”
Essa concepção vai na contramão da fragmentação da educação, ou o que ele chama de uma educação não-derivativa, sem encanto.
Poema ou poesia?
Em um episódio recente, durante uma atividade dentro da escola, uma jovem perguntou à André qual era a diferença entre “poema” e “poesia”. Na indagação da menina, ele encontrou uma resposta necessária. “Eu expliquei que poema é um conjunto de versos e estrofes que alguém escreve. Poesia é algo que está na nossa vida, você não precisa nem ser alfabetizado para fazer poesia. Basta perceber.”
E é esse o desafio que ele encara até aqui: um trabalho árduo, alegre e contínuo de trazer o lirismo, o encanto e o espanto, de volta para a educação. Resgatar o cuidado, a empatia, o olhar atento, o carinho e a solidariedade que deixamos perdidos em algum lugar. Entre citações de Lispector, Drummond, Ranciére e Pessoa, sem falar em Manoel de Barros, ele encerra o nosso encontro com Edgar Morin:
“A educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, talvez mais felizes, ao assumirmos a dimensão poética de nossa vida. A poesia leva-nos à dimensão poética da existência humana. revela que habitamos a Terra não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente, destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase. Pelo poder da linguagem, a poesia nos põe em comunicação com o mistério, que está além do dizível.”