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publicado dia 3 de setembro de 2015

A cidade é a grande estratégia para voltarmos a produzir sentido coletivamente, afirma Carolina Balparda

Reportagem:

Em 2016, Rosário (Argentina) completa vinte anos como Cidade Educadora. A data celebra o comprometimento do município em reorientar suas políticas e programas em torno de uma proposta pedagógica, assumindo uma vocação educadora para o espaço urbano.

Baseando-se nos valores estabelecidos pela Carta de Princípios da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), Rosário decidiu em 1996 que descentralizaria os equipamentos públicos, fortaleceria a participação cidadã, estimularia a produção cultural independente e garantiria uma gestão local baseada na intersetorialidade.

Entrevista com Carolina Balparda sobre a cidade educadora de Rosário, na Argentina.
Convivência nos espaços públicos se tornou prioridade da gestão municipal.

Para celebrar os vinte anos como Cidade Educadora, a capital da província de Santa Fé recebe, no início de junho, a 14ª edição do Congresso Internacional de Cidades Educadoras, sob o tema “Cidades: Territórios de Convivência”. Segundo Balparda, a escolha da sede é um reconhecimento pelo compromisso de Rosário em reorganizar a sua área urbana a partir de políticas educativas e da pedagogia urbana. Os debates do evento seguirão três eixos principais: “O desafio de construir as cidades”, “O desafio de habitar as cidades” e “O desafio de igualdade nas cidades”. A partir de 7/9, as cidades participantes poderão enviar para a organização do encontro experiências que se adequem aos eixos.

Desde então, muita inovação foi produzida para dar conta dos desafios de transformar a cidade. Espaços culturais e de brincar foram criados, um circuito permanente de ruas recreativas foi estabelecido, práticas de economia solidária foram incorporadas, uma escola móvel passou a circular pelos bairros e o orçamento participativo foi adotado.

Isso sem contar o Conselho de Crianças e o Congresso de Jovens, instâncias participativas que dão voz e vez para meninos e meninas contribuírem com o dia a dia de Rosário, projetando novas formas de governança. Outra iniciativa, que aposta na experiência prática, na imaginação e nas possibilidades lúdicas do ser humano é o  Tríptico de la infância, um conjunto de três espaços públicos que foram requalificados e repensados para tornarem-se referência entre crianças, jovens, adultos e idosos.

Para a diretora geral de Programas Educativos da Secretaria de Cultura e Educação de Rosário, Carolina Balparda, a disposição espacial poética encontrada no Tríptico permite várias formas de aprendizagem e encontros, sendo uma ação que vê na brincadeira uma maneira de estar no mundo. “A cidade educadora é uma perspectiva e um componente transversal a todas as políticas públicas”, afirmou em entrevista ao Portal Aprendiz, durante sua passagem por São Paulo.

XIV Congresso Internacional de Cidades Educadoras, Rosario 2016 from Ciudades Educadoras Am Latina on Vimeo.

A cidade de Rosário possui nada menos do que 443 praças, além de 38 parques, constituindo um total de 9.370.000 m² de espaços verdes – ou 11,7 m² por habitante.

Carolina esteve em São Paulo para participar da Virada Sustentável, conhecer experiências ligadas a territórios educativos, como Heliópolis e o Catraca Livre, e divulgar o Congresso que ocorrerá em sua cidade. Rosário é a terceira cidade latinoamericana que sedia o encontro – São Paulo recebeu em 2008 e Guadalajara (México) em 2010.

Na última edição, realizada em Barcelona (Espanha) em 2014, 188 cidades de 34 países foram representados por mais de mil pessoas. Carolina afirma a proposta da gestão municipal é seguir o formato do encontro catalão, onde todo o território se envolveu como sede do Congresso, “concretizando uma experiência de Cidade Educadora”.

“Também haverá uma perspectiva bastante latinoamericana quanto aos conteúdos dos painéis”, observa a diretora. A América Latina é a segunda região com o maior número de membros da AICE: assinam a Carta 60 municípios, de 12 países. Rosário, inclusive, é a cidade responsável por levar adiante as ações da AICE no continente desde 1999. Também faz parte do Comitê Executivo e ocupa a vice-presidência da entidade.

Entrevista com Carolina Balparda sobre a cidade educadora de Rosário, na Argentina.
No Tríptico de la Infância, diversão para todas as idades.

Confira a entrevista completa com Carolina Balparda.

Portal Aprendiz: Como e quando surge a ideia de transformar Rosário em uma Cidade Educadora?

Carolina Balparda: Fazemos parte da AICE praticamente desde o início do seu funcionamento, justamente porque coincidimos em perspectivas e olhares a respeito da capacidade e possibilidade educadora de uma cidade. A forma como Rosário pensava suas políticas é coerente com a Carta de Princípios da AICE, que orienta o sentido das políticas e projetos que uma Cidade Educadora deve levar adiante.

É um erro pensar que se cria uma Cidade Educadora com uma receita, uma fórmula e um modelo. É uma soma de políticas, projetos e práticas que uma cidade leva adiante e encara como uma filosofia, um conceito, uma ideologia e uma metodologia.

A cidade é a grande estratégia para voltarmos a produzir sentido coletivamente

Também é certo que cada cidade interpreta a sua própria forma de lidar com um projeto educativo. É importante fazer essa ressalva, pois a forma pode variar de acordo com o contexto cultural, social e histórico local. Rosário se pensa como cidade que educa e pensa sua política educativa de uma maneira que é muito própria dela, com suas particularidades.

Por exemplo, não somos uma cidade autônoma. O sistema formal e educativo de ensino é de competência do nível estadual (da província de Santa Fé), com quem articulamos e temos uma relação fluída, mas não temos uma participação e intervenção direta sobre a gestão diretiva e curricular das escolas. Nesse sentido, somos mais um ator que trabalha no cenário educativo com a rede de ensino. Essa é uma característica de Rosário que São Paulo, por exemplo, não tem, pois o governo da cidade tem responsabilidade direta pela gestão do sistema escolar.

Falamos de pedagogia urbana, territórios de aprendizagem, bairro-escola, escola móvel: são todas compreensões de que o sistema educativo é mais amplo e atravessa todas as instâncias da vida, e mais ainda na cidade, que é a grande estratégia para voltarmos a produzir sentido coletivamente. Tudo isso sem deixar de reconhecer a importância da escola.

A escola é uma instituição que ensina muitas coisas para além dos conteúdos curriculares fundamentais. Ela segue sendo uma instituição central e vital, e o que nos cabe é diluir a divisão intra muros e extra muros, casa e escola, mente e corpo, jogo e aprendizagem. Nesse sentido, acredito que elas também estão mudando – se comparadas há décadas atrás, o sistema formal também está pensando de outra maneira.

 

Aprendiz: Pode-se dizer que não estar diretamente responsável pela gestão da educação foi uma grande oportunidade de produzir uma dinâmica distinta? Afinal, gerir um sistema inteiro é muito complexo. Fazer essa ação a partir da escola é maravilhoso, mas leva mais tempo, tem que lidar com todas as particularidades do sistema educativo, a formação de educadores, o tempo escolar, e cada elemento leva anos de discussão.

Carolina: O desafio é construir uma cena inteira. Que pense em todos integralmente e não exclua a escola. Todos que trabalhamos na cidade e na escola somos agentes da educação e estamos trabalhando no mesmo campo. Precisamos criar vínculos que nos convertam em uma só equipe e melhore a nossa possibilidade de uso de tempo e espaço, já que a agenda local e estadual da educação não é a mesma. Mas é importante ter um diálogo forte.

A escola é uma instituição que ensina muitas coisas para além dos conteúdos curriculares

O Tríptico, por uma questão de gestão, está na alçada da Secretaria de Cultura e Educação, mas seria impossível tê-lo se não tivesse a parceria com a Secretaria de Serviços e Obras Públicas, por exemplo.

O diálogo entre secretarias é um pressuposto que temos para o projeto. Seria impossível pensar uma Cidade Educadora sem a intersetorialidade.

Aprendiz: Como se dá a relação entre as diferentes secretarias? Existe uma instância que garanta esse diálogo ou ele ocorre a partir de demandas?

Carolina: Temos demandas particulares e cada espaço tem a sua particularidade de funcionamento. Podemos ter uma chuva atípica e criar uma situação que não era esperada quando se construiu os espaços de lazer, por exemplo, e precisarmos de uma resposta rápida dos serviços públicos. Mas também tratamos de construir espaços de trabalho permanentes. São muitas as atividades em que nos articulamos com outras áreas.

A Cidade Educadora atravessa toda a cidade como uma perspectiva e um componente transversal a todas as políticas públicas. É muito importante trabalhar para que outras áreas – inclusive as mais distantes da área educativa – incorporem essa perspectiva. Nas escolas, com a infância, com a saúde, é mais natural associar com o educativo. Mas ele também está no trânsito, na rua, na mobilidade, nos tributos. Em Barcelona, por exemplo, existe no setor da Fazenda uma intenção de compreender os componentes educativos dos tributos.

Entrevista com Carolina Balparda sobre a cidade educadora de Rosário, na Argentina.

Entrevista com Carolina Balparda sobre a cidade educadora de Rosário, na Argentina.

Comparação de espaços e equipamentos culturais entre 2004 (esquerda) e 2014 (direita) evidencia a descentralização de serviços municipais.

Aprendiz: Quais condições foram fundamentais para a transformação de Rosário em uma Cidade Educadora?

Carolina: Coerência. Nosso projeto de cidade é interessante em muitos aspectos. Isso não quer dizer que resolvemos todas as problemáticas e contradições locais, pois há um monte de desafios novos e complexos para atender, principalmente em termos de inclusão social, segurança e criminalidade.

Mas é fato que a cidade criou um projeto de trabalho e inclusão que é bastante particular. Em parte, tem a ver com uma forte aposta no investimento do que é público, na construção de espaços públicos – não só de espaços verdes, mas também espaços públicos culturais. Apostamos ainda na descentralização do governo, pois a gestão trabalha muito para que toda a cidade tenha uma oferta daquilo que é comum, do que é de todos.

Batalhamos para que tudo sempre tenha uma alternativa pública. Gosto muito de uma frase que saiu do Conselho de Crianças: ‘cuidemos do público, pois para alguns é o único’. Compartilhar espaços é um grande exercício de aprendizagem para todos.

Aprendiz: Rosário tem muitos espaços públicos. A senhora acredita que todos eles são educativos?

Carolina: Realmente dispomos não somente de muitas áreas verdes, mas também inúmeros espaços dedicados ao uso público, como centros culturais, bibliotecas, centros de saúde, de convivência, prédios municipais esporte, centros de distrito.

Compartilhar espaços é um grande exercício de aprendizagem para todos.

Não há como um espaço público não ser educativo. Estando consciente disso, é preciso orientar esse valor educativo. Um lugar sempre vai falar, dizer e propor. Mas o quê? Nosso trabalho é propor algo que crie vínculos, alimente encontros e estimule a participação social.

Entrevista com Carolina Balparda sobre a cidade educadora de Rosário, na Argentina.
Todas as idades estão contempladas no programa.

Aprendiz: Nesse contexto, qual é a importância de descentralizar serviços municipais e espaços públicos?

Carolina: A descentralização municipal é um dos projetos centrais da cidade, em todas as áreas de governo. Quando eu era jovem, tudo era no centro. Agora estamos espalhando pelo mapa da cidade áreas que atendam as pessoas, para possibilitar que todos os cidadãos, inclusive pessoas que moram na Grande Rosário, possam ir a centros de serviço, culturais, de saúde e convivência. A Secretaria de Cultura e Educação tem um coordenador por distrito, por exemplo.

Isso não quer dizer que em alguns momentos não haja centralidade. O Monumento à Bandeira continua sendo um lugar de encontro central da cidade. Priorizando a articulação territorial e de mobilidade, a ideia é aprofundar a possibilidade de aproximar, que todos possam ir de um lado a outro facilmente.

Aprendiz: Quais são as suas expectativas para o Congresso de Cidades Educadoras em Rosário?

Carolina: Me parece que todo intercâmbio de cidades é sempre rico. A AICE está em todo o mundo, e o Congresso será um grande cenário de intercâmbio para quem está interessado na concepção de cidades educadoras. Encontrar-se presencialmente, instituir novas alianças e redes, construir vínculos: creio que essa é a riqueza do encontro. Haverá muita multiplicação de coisas boas!

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