publicado dia 30 de abril de 2015
Em São Paulo, escola resgata memória do bairro e se aproxima da comunidade
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 30 de abril de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
A caminho do Parque Juliana de Carvalho Torres, o jovem Lucas Rodrigues anda lentamente pelas ruas do bairro onde nasceu, observando as casas e o movimento de pessoas na Cohab Raposo Tavares, extremo oeste de São Paulo. Aos 13 anos, ele cumprimenta moradores e reclama do entulho que tomou a pista de skate do local, tornando o esporte impraticável.
“Antes eu me isolava da comunidade. Hoje, me relaciono melhor com a história desse lugar e a geografia desse espaço”, revela o adolescente. A mudança se deu a partir da participação de Lucas no Centro de Memória Cohab Raposo Tavares, projeto iniciado em 2012 por docentes da EMEF Professora Maria Alice Borges Ghion com a finalidade de aproximar a comunidade da realidade escolar.
Através do resgate de memórias individuais e coletivas dos moradores da região, o Centro de Memórias busca valorizar a identidade da comunidade e fortalecer a sensação de pertencimento ao local. Criado no âmbito do Programa Ampliar e agora vinculado ao Mais Educação SP, a iniciativa reúne cerca de 30 alunos que registram, documentam e expõem a trajetória do conjunto habitacional, além da história de seus sujeitos, contribuindo para manter viva a memória comunitária.
O Conjunto Habitacional Raposo Tavares existe desde 1991 e foi construído a partir da luta social de seus moradores. As primeiras 77 famílias chegaram ao local após um incêndio na favela Nova República, que destruiu habitações, provocou desmoronamentos e resultou em 14 mortes. “Muitos jovens que moram aqui não têm ideia de que a nossa origem está em pessoas que perderam seus parentes e suas casas. Eu mesmo não sabia de nada, e a partir do projeto comecei a me interessar bem mais pelo lugar”, revela Lucas.
“Conhecer e interagir com as pessoas, suas histórias de vida e suas lutas, é importante demais para a aprendizagem”, afirma Andréa Leão, professora de História e uma das coordenadoras do Centro de Memória. “Primeiro, para entender que eles têm uma identidade: eu pertenço a algo, isso tem uma história e me dá sentido de existência. A escola onde estudo foi uma conquista, assim como o asfalto onde estou pisando, a moradia onde vivo. Ninguém ganhou nada de graça aqui.”
Empoderando os estudantes, o projeto pretende torná-los agentes sociais da comunidade. “Não adianta nada só contar a história e parar por aí”, pontua Andréa. Na atual dinâmica de funcionamento do Centro de Memória, alunos do 4º ao 9º ano do ensino fundamental são divididos em duas turmas. Na sexta-feira, os mais novos recebem uma introdução ao projeto, saindo da escola e passeando por lugares marcantes da comunidade.
Na segunda-feira, os mais velhos se reúnem para criar um acervo de bens culturais da Cohab Raposo Tavares, segmentando a pesquisa nos eixos lugares, saberes, objetos e comemorações locais. Lucas, por exemplo, está vasculhando a história por trás do Centro Comunitário, um dos primeiros espaços de convivência do bairro. Os trabalhos se aprofundam nas narrativas sobre o bairro, a escola e até mesmo a patrona Maria Alice.
Os pesquisadores buscam relatos orais e documentos textuais como mapas, jornais, atas de associações de bairros, registro fotográfico e outros materiais escolares para incrementar o projeto. Eles também produziram uma maquete do bairro e estudaram os movimentos de moradia que atuaram na constituição do local.
Além de ter conquistado o terceiro lugar no quesito “Unidades Educacionais” do 2º Prêmio Municipal de Educação em Direitos Humanos, o Centro de Memória COHAB Raposo Tavares já recebeu diversas honrarias. Em 2013, ficou em 1º lugar da oitava edição do Prêmio Paulo Freire de Qualidade de Ensino Municipal, concedido pela Câmara de Vereadores da capital paulista; no mesmo ano, conquistou o 3º Prêmio Saci, dado pela Associação de Educadores da USP aos promotores da cultura brasileira.
O acervo já construído é exibido em eventos públicos que acontecem por ali: a festa junina, a Mostra Cultural, a Festa do Saci, o sarau de arte e poesia, além de estar presente durante formaturas de estudantes e confraternizações de professores e funcionários.
Docente de Geografia e também coordenadora do projeto, Mariana Mattos acredita que o Centro de Memória cria uma outra relação entre professor e aluno e valoriza a metodologia de ensino que o espaço propõe. “O sistema atual de educação está falido. O projeto faz com que os alunos aprendam de uma outra forma, já que o ensino tradicional não está funcionando”, avalia. “Aqui, o estudante cria autonomia e não é um simples reprodutor do seu discurso – pelo contrário, ele mesmo produz conhecimento. Na sala de aula não conseguimos fazer isso.”
Nova sede
O Centro de Memória possui uma sede de cerca de 10 m², dividindo parede com a sala dos bedéis da escola. Espaço diminuto para as histórias já arquivadas e outras tantas que esperam para ser contadas. “Não cabemos aqui. Queremos um endereço, a afirmação de uma identidade, divulgar nosso acervo num ambiente adequado, exercendo a ideia de cultura e cidadania com a comunidade e criando um espaço educativo”, projeta Andrea.
Na próxima segunda-feira (4/5), a partir das 15h, o Centro de Memória promoverá uma reunião aberta sobre o novo projeto arquitetônico do espaço. Haverá a apresentação do projeto e sua importância para a comunidade. A reunião acontece na EMEI Professor Benedito Castrucci (Rua Cachoeira Poraquê, s/n).
O professor Antônio Barossi, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), ajudou a projetar uma nova sede para o Centro de Memória na esquina das ruas Cachoeira Poraquê e Cachoeira do Arrependido. Em 152 m², o projeto prevê a construção de uma sala multiuso, administração, sala para acervo, banheiros e um espaço para circulação na varanda. A ideia foi apresentada à Diretoria Regional de Educação do Butantã e à comunidade da Cohab Raposo Tavares; agora, espera ser aprovada pela Secretaria Municipal de Educação.
Para as coordenadoras, o crescente acervo produzido pelos estudantes demanda um lugar adequado, que garanta a preservação e facilite a disponibilização para exposições e pesquisas. “Um lugar da memória capaz de cristalizar na lembrança dos estudantes as atividades que contribuíram para sua formação. Tudo isso em um contexto que incorpora – mas transcende – a escola, agregando pessoas, bairro, comunidade”, finaliza Andréa.