publicado dia 17 de março de 2015
Em Barcelona, comunidade se conecta com escolas para fortalecer território educativo
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 17 de março de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
O que um álbum de figurinhas pode fazer para melhorar a vida de um bairro? Como ele pode ser responsável por contar histórias de uma cidade e conectar gerações? Essas perguntas levaram à criação do álbum de figurinhas “Retalhos de Histórias”, elaborado em 2011 por educadores e apoiado pela Fundação Tot Raval, que atua em Barcelona, na Espanha. O álbum, preenchido por crianças, oferecia um percurso pela história da vizinhança – desde o período neolítico – e era completado conforme as crianças conversavam com idosos e ganhavam novos cromos e pedaços de memória de Raval.
Com apenas um quilômetro quadrado, o bairro de Raval, um dos cinco do distrito de Ciutat Vella de Barcelona, possui quase 50 mil habitantes – a maior densidade habitacional da cidade. Tradicionalmente conhecida por abrigar trabalhadores, metade da sua população é imigrante do Paquistão, Bangladesh, Filipinas e Marrocos. Recentemente, se tornou um ponto turístico e cultural imprescindível da capital catalã, congregando duas faculdades, museus, centros culturais e diversos equipamentos públicos – além de cerca de 300 organizações da sociedade civil.
“Esse é o aspecto mais importante: a ideia de que todos somos corresponsáveis, pela educação.”
“É um bairro que têm duas realidades muito diferentes”, afirma Iolanda Fresnillo, coordenadora da Fundação Tot Raval, que atua articulando associações, empresas e poder público para melhorar a qualidade de vida no bairro. “Por um lado, temos um dinamismo cultural enorme. Por outro, uma população em dificuldades sócio-econômicas, com muito desemprego, renda baixa, adolescentes filhos de estrangeiros que não se sentem em casa. É uma área com muitas dificuldades, mas também muita potência.”
A fundação atua na região desde 2002 e tem um objetivo claro: ampliar a qualidade de vida do bairro por meio do fortalecimento e criação de redes no território. Como ele abriga centenas de associações da sociedade civil e inúmeros equipamentos públicos e culturais, a Tot Raval ajuda a conectar quem está interessado em promover mudanças.
Gentrificação
A reordenação urbanística do bairro, em curso desde 2002, ocasionou uma explosão no número de serviços dirigidos ao turismo e trouxe recursos para a região. Mas eles não foram distribuídos por igual. “Não queríamos que as melhoras na área redundassem em gentrificação [expulsão dos moradores do bairro por especulação imobiliária]”, relata Iolanda. “Houve um pouco, claro, mas acho que conseguimos diminuir com várias estratégias, como dinamização comercial das vendinhas locais, pressão na administração pública para que houvesse habitação acessível aos moradores. Um prédio, por exemplo, foi reformado pela Prefeitura e, ao invés de ser vendido, foi destinado ao ‘aluguel social’, com 50% reservado para habitantes do local.”
Educação: responsabilidade de todos
Barcelona é conhecida por ser a primeira cidade do mundo a se declarar uma “cidade educadora”, apostando nos espaços públicos e na articulação de diferentes setores para garantir a educação integral de suas crianças e adolescentes. Mas como isso se configura num contexto de cortes econômicos agravados pela crise econômica que se arrasta desde 2010?
Segundo Iolanda, houve uma diminuição de recursos para a educação, que tem que lidar com cenários cada vez mais complexos: “temos estudantes que chegam na metade do percurso escolar sem conhecer a língua, com indíces elevados de fracasso e abandono, sem qualquer perspectiva educacional”.
Para enfrentar essa realidade, a coordenadora da Tot Raval defende a a existência de agentes educativos que ultrapassem os muros da escola.
O projeto “Apadriño”, por exemplo, realizado pela instituição também em Ciutat Vella, busca aproveitar o que o bairro tem de melhor em favor das escolas. “A Fundação coloca em contato as escolas com os centros culturais do território, para pensar em programas educativos de excelência. A ideia é que, mesmo com as dificuldades, as escolas se destaquem pelos programas educativos e pelos recursos excepcionais, e não pelo fracasso escolar”, analisa Iolanda.
A Cidade no Currículo
“Queremos que isso influa no currículo escolar e no projeto educativo para que os alunos não olhem os museus, teatros e aparelhos culturais como OVNIs, mas como parte de um território que eles podem acessar”, aponta, lembrando que os percursos pedagógicos podem ser diversos e interconectados.
Recentemente, foi firmada uma parceria entre uma escola de música e uma instituição de ensino, na qual as crianças aprendem a ‘batucada’ e relacionam com a matemática que aprendem em sala. “O nosso objetivo principal é gerar redes que facilitarão a convivência intercomunitária. Esse é o aspecto mais importante: a ideia de que todos somos corresponsáveis pela educação.”
Quer saber mais? A Associação Cidade Escola Aprendiz, em conjunto com o Instituto Singularidades, promoverá, no dia 30/3, a roda de conversa “Cidades Educadoras e Educação Integral – o que o Brasil pode aprender com a experiência de Barcelona?”, com Natacha Costa, Pilar Lacerda, Og Doria e Ana Maria Wilheim. Saiba mais por aqui.