publicado dia 23 de janeiro de 2015
Em meio a crise hídrica, 57% dos moradores dizem que deixariam São Paulo
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 23 de janeiro de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Qualquer estudo sobre a qualidade de vida na cidade de São Paulo não pode deixar de falar sobre a grave crise hídrica que assola a capital paulista. É o caso do Irbem – Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município, cujo lançamento da sexta edição ocorreu nesta quinta-feira (22/1), no auditório da Fecomercio, em São Paulo. Já uma realidade para muitos, a falta d’água foi um dos temas mais discutidos durante o evento.
A estiagem se assevera em São Paulo. A combinação cruel da falta de planejamento das autoridades paulistas com a queda de apenas 20% da chuva esperada para o mês fez com que o Sistema Cantareira (que abastece cerca de 9 milhões de habitantes da Grande São Paulo) atingisse 5,6% de sua capacidade.
A pesquisa, que entrevistou 1.512 paulistanos acerca de suas percepções sobre 169 aspectos de vida em São Paulo (divididos em 25 áreas), revelou que 57% deles se mudariam de São Paulo, que completa 461 anos no próximo domingo (25/1).
O Irbem ainda mostra que 7 em cada 10 habitantes já passou – ou teve familiares que passaram – por problemas de abastecimento de água em novembro (a pesquisa foi feita em dezembro). Na região norte, esse número atinge 84% dos moradores. A média de erro é de três pontos percentuais.
O estudo divulga que 42% da população considera a falta de planejamento do governo do Estado o principal responsável pela atual situação. Ainda, 66% dos paulistanos se consideram bem informados sobre o baixo volume dos reservatórios de água e, para 82%, a chance de a cidade ficar sem água por longos períodos nos próximos meses é alta.
Presente no evento, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), declarou não saber porque não há um debate público e aberto sobre a questão. “A situação é muito séria e é um assunto que está para estourar há muitos anos”, afirmou. O prefeito disse que está disposto a convocar uma reunião de todas as cidades paulistas interessadas em discutir os recursos hídricos. “Torço muito para que haja uma reversão do quadro hídrico da cidade, mas o que vemos é essa situação se deteriorando.”
O respeito aos direitos humanos foi um dos quesitos que mais evoluiu. Em 2013, a nota era 5,3; já em 2014 o número subiu para 6. A relação com a comunidade também recebeu uma nota razoável (6,2); já a conservação dos espaços públicos nem tanto (5,1).
O professor de ética e política da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro, também vê como “preocupante” a falta de discussão pública e o silêncio das autoridades perante o tema. Para Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo – responsável pela pesquisa – a situação é “dramática”. “É mais do que necessário que tomemos consciência da gravidade da situação e superemos diferenças políticas e ideológicas para acharmos outros caminhos e formas de consumir água.”
Indivíduo x Coletivo
O Irbem revelou que 37% dos paulistanos acreditam que a qualidade de vida melhorou na cidade; metade dos entrevistados acha que ficou estável e 13% veem piora. Repetindo a pesquisa de 2013, os únicos temas que obtiveram notas acima da média (5,5) foram Relações Humanas, Religião e Espiritualidade; Trabalho e Tecnologia da Informação. Dentre as áreas com pior avaliação, estão Mobilidade Urbana, Acessibilidade para Pessoas com Deficiência, Desigualdade Social, Segurança e Transparência e Participação Política.
Ribeiro nota a clara diferença entre os temas bem cotados e os lanternas. “Vamos bem onde o processo depende da pessoa e não do coletivo”, observa. “Ao longo de muitos séculos, nossa cultura priorizou o lado individual e pessoal.”
Penúltimo do ranking, a área de Transparência e Participação Política recebeu nota 3,1 – coube ao quesito “Honestidade dos governantes” a pior nota da pesquisa: 2,7. O prefeito se mostrou surpreso. “Temos aberto muitos canais de participação cidadã. Essa gestão criou o conselho participativo na subprefeitura, uma demanda histórica da sociedade civil. Vejo uma contradição entre os esforços que estão sendo feitos e a percepção da população, e talvez esses canais não estejam chegando à maioria das pessoas”, ponderou.
Ferramenta de gestão
Grajew considera que o grande patrimônio do Irbem é a possibilidade de ser utilizado como um instrumento de gestão. “É uma ferramenta preciosa para a ação, dando oportunidade para o poder público investir no que a população mostra que é importante para a sua qualidade de vida.”
Alguns quesitos que melhoraram bastante…..
*Cultura de paz e recusa à violência entre as pessoas da cidade (de 4,5 para 5)
*Proximidade de bibliotecas públicas (de 4,3 para 4,7)
*Quantidade de vagas de trabalho oferecidas para a população com maior necessidade (4,2 para 4,7)
*Quantidade de ciclovias na cidade (de 4,2 para 4,6)
*Tempo de espera nos pontos de ônibus (de 3,9 para 4,4)
*Tempo de deslocamento na cidade (de 3,7 para 4,1)
Já Haddad considera que o grau de subjetividade de uma pesquisa como o Irbem é muito grande. “Trabalhamos com indicadores mais objetivos, que nos dão uma outra métrica para avaliar se o serviço está melhorando ou não. Mas a subjetividade também nos interessa: se o serviço tá melhorando, mas isso não é percebido pela população, temos que entender o que a prefeitura tem que fazer para que o cidadão acompanhe os avanços que vêm ocorrendo”, declarou o prefeito. “Temos que saber lidar com uma cidade que está em transformação.”
Além das questões referentes à qualidade de vida, o Irbem também pesquisa a impressão das pessoas perante serviços e instituições públicas e calcula um índice de Bem-Estar da Cidade (4,8 em 2013; 5,1 em 2014).
Reajuste das tarifas
Finalmente, a pesquisa mostrou também que 68% da população paulistana utilizam ônibus como meio de transporte, e que a média de espera no ponto de ônibus caiu de 25 minutos (2013) para 20 minutos (2014). No entanto, o quesito “Tarifas do transporte público” foi um dos piores avaliados (nota 4), e recebeu notas de 1 a 5 de mais de 74% dos entrevistados.
…e outros que pioraram consideravelmente:
*Condições de trabalho (de 6,3 para 5,9)
*Renda (de 5,8 para 5,3)
*Programas de prevenção da gravidez na adolescência (de 5 para 4,5)
*Frequência com que lê jornais, livros e revistas (5,3 para 4,8)
*Cuidados com a saúde (6,6 para 5,6)
*Coleta seletiva em seu bairro (de 5,5 para 4,8)
*Despoluição e preservação de rios, lagos e represas (4,2 para 3,8)
*Qualidade da moradia (de 6,2 para 5,8)
À época da pesquisa, porém, a tarifa ainda não tinha sido elevada. Os novos preços estão em prática desde o dia 6/1 e o Movimento Passe Livre realizará hoje o quarto grande ato contra o aumento das passagens.
O prefeito não quis comentar sobre as chances de revogar o ajuste. “Hoje, são o tesouro municipal e a tarifa que sustentam o sistema. Se tivéssemos outra forma de financiamento poderíamos avançar mais do que já estamos avançando”, defendeu, referindo-se aos benefícios estendidos aos idosos e estudantes da rede pública e cursos técnicos (passe livre para 48 viagens por mês), além de iniciativas como o Bilhete Único Mensal.
Haddad argumenta que a tarifa aumentou menos que a inflação do período. “A gestão tem se esforçado muito no sentido da mobilidade. E também tem havido um direcionamento de recursos para aumento do subsídio”, declarou. “A prefeitura está aberta para o diálogo, mas um avanço mais significativo depende de uma fonte de financiamento.”
Ele voltou a defender a tese de que os tributos sobre a gasolina deveriam ser municipalizados, em vias de garantir aos prefeitos recursos que proporcionem a modicidade tarifária (passagens a preços módicos, com valores muito perto do preço de custo).