publicado dia 21 de agosto de 2014
Copa removeu pessoas ‘a toque de caixa’ e sem diálogo, afirma movimento social
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 21 de agosto de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Pouco mais de três meses após ocupar um terreno ocioso na zona leste de São Paulo – ação que repercutiu internacionalmente e abalou a estrutura política de uma cidade-sede às vésperas da Copa do Mundo –, a Ocupação Copa do Povo espera agora o cumprimento de lei, assinada pelo prefeito Fernando Haddad, que destina o terreno à moradia popular.
Nesta sexta-feira (22/8), vence o prazo estabelecido pela Justiça para a desocupação da área, que abrigou o sonho de quatro mil famílias por uma casa digna. O próximo passo é finalizar o cadastramento dos ocupantes no Programa Minha Casa Minha Vida, responsável por erguer conjuntos habitacionais no próprio local.
“Não adianta ocupar e deixar o povo ao léu”, observou Sérgio Lima, integrante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) ao Portal Aprendiz em meados de junho. O caso da Ocupação Copa do Povo tornou-se emblemático para aqueles que buscam o direito à moradia adequada, mas a sua resolução pode ser considerada uma exceção. Outras ocupações populares e comunidades estabelecidas nas cidades-sede de megaeventos não tiveram o mesmo desfecho.
Guerra de números
Segundo um mapeamento realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), o número total de remoções causadas por megaeventos pode atingir até 250 mil pessoas, enquanto o governo federal, por meio do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, divulga que aproximadamente 10,8 mil famílias foram desalojadas por causa das obras para o torneio.
“Os movimentos sociais trazem esses dados por uma ótica, e o governo por outra”, afirma Vanessa dos Santos, integrante do Comitê Popular da Copa de São Paulo. Ela cita o caso de Itaquera para exemplificar a distorção. “Quem pagava de 300 a 400 reais de aluguel passou a pagar 800 pelo mesmo espaço. Essas situações também devem ser consideradas uma remoção forçada”. De acordo com o Índice FipeZap, o valor do metro quadrado em Itaquera aumentou 165% desde 2009.
Outro contraponto aos dados oficiais veio da Anistia Internacional. Em setembro de 2013, o órgão afirmou que, desde 2009, 19.200 famílias já haviam sido removidas de suas moradias apenas na cidade do Rio de Janeiro. Já o dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro” produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, aponta que, somente em 2011, 1.860 famílias foram removidas de suas casas, ao passo que outras 5.325 sofreram ameaça de despejo.
Limpeza social
O risco iminente de perder o lar evoca a questão da segurança da posse, defendida pela ex-relatora especial da ONU, Raquel Rolnik, como fundamental para a efetivação do direito à moradia adequada. A segurança da posse é a garantia da proteção legal contra remoções forçadas, assédios e outras ameaças. Segundo o estudo de Rolnik, existe uma crise mundial de insegurança da posse que se manifesta em contextos distintos, como despejos forçados, catástrofes naturais, deslocamentos causados por grandes projetos e conflitos relacionados à terra.
Para Vanessa, a capital carioca é um caldeirão de transformações desde os Jogos Panamericanos, disputados em 2007, atravessando a Copa das Confederações e a Copa do Mundo e culminando nos Jogos Olímpicos de 2016. “Por mais que no Rio de Janeiro os casos de remoção forçada sejam mais escancarados, não tem como pensarmos que essa política de exceção não vai virar regra no discurso desenvolvimentista que há nessas cidades.”
Tal política de exceção tem como alvo, de acordo com a ANCOP, comunidades localizadas em regiões que apresentaram imensa valorização nos últimos anos, passando a ser desejadas por agentes da especulação imobiliária. Enquanto o poder público argumenta que as remoções favorecerão a mobilidade urbana, preservarão as populações em risco ambiental e podendo, inclusive, melhorar suas condições de vida, Vanessa alerta para “um padrão de limpeza social que acontece com a remoção das casas, dos moradores de rua e do comércio ambulante”.
Popular e Alternativo
No final de julho, em entrevista coletiva, a vice-prefeita de São Paulo e coordenadora da SPCOPA (Comitê Especial para a Copa do Mundo de 2014), Nadia Campeão, afirmou que um dos legados do megaevento era proporcionar desenvolvimento para a zona leste da capital. Foram anunciadas diversas obras viárias e a construção de um Parque Linear.
As transformações, porém, pressionavam as cerca de 400 famílias que constituem a Comunidade Vila da Paz – a menos de um quilômetro do novo estádio –, a deixarem o local, um terreno público ocupado desde 1991 e “alvo de muita especulação”, segundo Vanessa. Um dos argumentos para as remoções era a preservação ambiental do córrego Rio Verde e a redução dos riscos de acidente para os habitantes do local.
Para combater a ameaça de remoções forçadas, o Comitê Popular da Copa-SP ajudou os moradores a criar o Plano Popular Alternativo para a Comunidade da Paz, que expõe a viabilidade da permanência de pelo menos metade das famílias na área, seguida de uma proposta de urbanização que possibilitaria o prosseguimento de mais de 150 famílias no local. O documento levanta diversos direitos que a população da comunidade visa garantir, como o direito à moradia digna, à gestão democrática da cidade e à informação.
Em entrevista à Agência Pública, um representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República revelou que as remoções são feitas sem que as pessoas sejam informadas sobre “quais são seus direitos, o que elas vão ganhar em troca, para onde vão, ou seja, se mantém a população afetada em absoluto desconhecimento” sobre qual será seu destino. A pasta divulgou, em setembro de 2013, um relatório do Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada onde avalia a violação desse direito em seis cidades-sede da Copa, além de um balanço acerca das falhas do poder público em questões como acesso à informação e ausência de participação popular no processo de reassentamento.
Chave a chave
A reparação, segundo a ANCOP, deveria ser feita chave a chave: quem for removido já deve ter como contrapartida a garantia de moradia digna. “Não se pode remover as pessoas a toque de caixa e não ter um planejamento para quem foi afetado. A nossa discussão se baseou na premissa de que as mudanças precisam ser discutidas em conjunto com as pessoas. Só que isso não aconteceu”, observa Vanessa.
Na opinião da ativista, o Mundial serviu, ao menos, para catalisar e reunir o trabalho de movimentos sociais e populares de diversas temáticas em torno das discussões sobre ocupação de espaços públicos. “O que discutimos é a seguinte questão: afinal, a cidade é feita pra quem?”