publicado dia 31 de julho de 2014
Praça Roosevelt: a criatividade como ferramenta de ocupação do espaço público
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 31 de julho de 2014
Reportagem: Pedro Nogueira
“O histórico das transformações da Praça Roosevelt, curiosamente, é um retrato da lógica de planejamento urbano que prevaleceu em São Paulo durante o século passado, segundo a qual o grande protagonista da cidade é o carro”, afirma em entrevista ao Portal Aprendiz o arquiteto Luís Felipe Abbud, que realizou seu projeto de graduação (disponível na íntegra aqui) sobre a praça, localizada na zona central da cidade de São Paulo, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
Para ele, a lógica desse tipo de planejador e construtor da cidade – para quem espaço vazio significa a perda de lucro – traz como conseqüência o esquecimento do próprio ser humano e de seu bem estar como verdadeiro foco de preocupação para o projeto do espaço urbano de convivência.
Nesta quinta-feira (31/7), às 19h, o arquiteto participará de uma conversa na Praça Roosevelt sobre a história do local e suas possíveis ocupações. O evento é promovido pelo Arrua Coletivo e pelo movimento Roosevelt Livre, que realiza uma série de atividades na praça em busca de um “um espaço permanente de troca de ideias, ações e atividades lúdicas, para torná-la cada vez mais livre, aberta, pública e desmilitarizada”.
Abbud acredita que a atuação destes coletivos abre uma perspectiva interessante sobre os rumos da cidade e dos espaços públicos. “A percepção da força de atuação em coletividade permite que novas idéias de transformação urbana possam ser propostas, expostas e colocadas em prática com uma velocidade cada vez maior. Nesse sentido, se as ferramentas são digitais e virtuais, o espaço da real ocupação e convivência humana é material e físico”, analisa.
Confira abaixo a entrevista completa. Nela, o arquiteto descreve a história da praça que virou uma referência política, cultural e de lazer na cidade e sugere caminhos para o seu futuro.
Portal Aprendiz: Por que a praça Roosevelt é importante para São Paulo?
Luís Felipe Abbud: A praça Roosevelt, como todas as outras poucas praças da cidade, é importante por trazer espaços livres, abertos e de acesso desimpedido para o desenvolvimento de quaisquer atividades de natureza pública pelo cidadão. É o espaço que caracteriza a vida pública do ser humano na cidade por excelência, pois ao mesmo tempo não pertence a ninguém e pertence a todos.
O crescimento vertiginoso de São Paulo durante o século passado se desenvolveu segundo lógicas de planejamento e construção extremamente ruins, que privilegiaram o automóvel e as edificações de uso privado e restritivo, e praticamente limitaram o espaço de estar de pedestre a estreitas calçadas de circulação. Esse processo é complexo e tem inúmeros fatores históricos, mas trouxe como conseqüência prática uma dinâmica urbana que retraiu a cultura do uso do espaço público de seus habitantes, o que pode ser bem exemplificado pela transformação dos hábitos típicos da classe média, cuja vida de bairro foi substituída por grandes deslocamentos de carro de suas casas a estacionamentos pagos, e o uso dos programas e serviços de rua e das galerias foi substituído pelo shopping center. A lógica desse tipo de planejador e construtor da cidade, para quem espaço vazio é a perda da oportunidade lucrativa de se construir edifícios feitos para pessoas que podem pagar por seus usos, traz como conseqüência bizarra o esquecimento do próprio ser humano e de seu bem estar como a verdadeira fonte de preocupação para o projeto do espaço urbano de sua convivência.
Confira abaixo a apresentação em vídeo do projeto de graduação do arquiteto:
Se os parques são os poucos oásis que permitem ao paulistano desempenhar atividades de lazer e descanso em áreas verdes, esses são estão concentrados em lugares muito específicos da cidade, às vezes e difícil acesso, são cercados e têm horário de funcionamento restrito. Nesse sentido as praças desempenham uma importante função na rede de espaços públicos da cidade, e os agentes do crescimento de São Paulo não deram a devida atenção ao projeto delas, tanto que as praças mais conhecidas e utilizadas são aquelas mais antigas e continuam concentradas principalmente no seu centro histórico. A conseqüência disso, infelizmente, é a notável carência desse tipo de espaço em São Paulo, o que mantém a Roosevelt como uma das suas poucas e principais referências.
Portal Aprendiz: O que a praça Roosevelt é e o que ela pode vir a ser?
Abbud: A Praça Roosevelt é um espaço aberto, livre, desimpedido para a realização de inúmeras atividades, e, a despeito de minhas críticas pessoais ao novo projeto que foi implantado na praça, é um dos lugares públicos mais ativos da cidade. Ela pode se manter assim, e para além disso, novas formas de uso e ocupação podem e merecem ser criadas, debatidas, organizadas e colocadas em prática, sempre de forma respeitosa entre seus diversos perfis de frequentadores. Por outro lado ela também pode ser uma praça restritiva, com suas atividades controladas, reprimidas e até banidas por meio de forças movidas por um perigoso individualismo exacerbado, gerado por uma alimentação contínua e despercebida do medo de dialogo com o desconhecido, e que não enxergam a necessidade da construção de mais e melhores espaços públicos na cidade. E diante disso eu acredito que a reserva de um futuro saudável para a Praça Roosevelt depende de uma atuação contínua em prol da defesa e da garantia do direito do cidadão pela ocupação e usufruto de espaços públicos como esse, a serem construídos e mantidos de forma coletiva e participativa.
Portal Aprendiz: Qual a identidade da Roosevelt e como ela se relaciona com o seu entorno, moradores, comunidade, equipamentos públicos? De que forma ela poderia se relacionar com esses elementos?
Abbud: A localização da Praça Roosevelt faz dela um dos pontos de referência de entrada no Centro para quem desce da região da Paulista, e está situada muito perto de outras praças importantes do centro, como a da República, a Dom José Gaspar (onde fica a Biblioteca Mario de Andrade) e não tão longe estão os largos do Arouche, do Paisandú, e Vale do Anhangabaú. Fica perto de edifícios importantes da arquitetura moderna paulistana projetados por Oscar Niemeyer (como o COPAN), Artacho Jurado, Oswaldo Bratke, Franz Heep, Vital Brazil, Rino Levi, dentre outros, e de galerias comerciais antigas como a do Rock, a Olido e a Nova Barão, todos eles trazendo a memória de uma cidade bem projetada e com especial atenção pedestre. A praça também fica próxima do metrô República e de ruas e avenidas com linhas já bem estabelecidas de transporte público como a Consolação, Augusta, 9 de Julho, Ipiranga e São Luiz, e está inserida em meio a bairros como o Bexiga, Bela Vista e a Vila Buarque, conhecidos pela cena cultural noturna muito tradicional na cidade composta por seus inúmeros bares, restaurantes, teatros e boates.
“É o espaço que caracteriza a vida pública do ser humano na cidade por excelência, pois ao mesmo tempo não pertence a ninguém e pertence a todos”
A Roosevelt sempre esteve no meio de tudo isso, então foi praticamente inevitável que ela acabasse se contaminando com toda essa efervescência. Vem gente da cidade inteira para curtir essa região, e nesse processo os habitantes do entorno foram se dividindo em duas atitudes opostas: se deixarem contagiar com o entusiasmo dessa cena e fazer parte dela, ou se incomodarem por sentirem suas tranqüilidades abaladas e mesmo ameaçadas. É esse binômio perpétuo que sempre acaba causando as maiores discussões sobre rumos dos projetos para a praça, bem como impulsos por restrições de seu uso. Chega-se ao cúmulo de alguns moradores reivindicarem, mesmo nos dias de hoje, o cercamento da praça com grades e que ela tenha restrição ao horário de funcionamento, como se a praça, que é pública, fosse uma espécie de quintal da casa deles.
Luís Felipe Abbud foi um dos organizadores da X Bienal de Arquitetura de São Paulo – Cidade: Modos de Fazer, Modos de Usar (2013), coordenando também o projeto das suas exposições sediadas no Centro Cultural São Paulo, SESC Pompéia, MASP e Museu da Casa Brasileira. Dentre seus trabalhos mais recentes destacam-se a participação nos projetos das seguintes exposições: Brasil – O Espetáculo do Crescimento na Bienal de Arquitetura de Shenzhen (2013), Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira (SESC Pompéia, São Paulo – 2013), Será que Foi, Seu Juiz? (Museu do Futebol, São Paulo – 2012), O Interior Está No Exterior (Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paulo – 2012), Os Gêmeos: Fermata (Museu Vale, Vitória – 2011), Lygia Clark: Arquivo para uma Obra-Acontecimento (SESC Pinheiros, São Paulo – 2010) e O Mundo Mágico de Escher (CCBB Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo – 2010).
Portal Aprendiz: Que eventos na trajetória da praça te chamam a atenção, do ponto de vista urbanístico?
Abbud: O histórico das transformações da Praça Roosevelt, curiosamente, é um retrato da lógica de planejamento urbano que prevaleceu em São Paulo durante o século passado, segundo a qual o grande protagonista da cidade é o carro.
Até meados da década de 1960 a praça era um grande terreno descampado que pouco a pouco começou a ser usado plenamente como estacionamento de carros ao ar livre. No final dessa década veio o projeto modernista de 1970 (que foi demolido em 2010 para dar lugar ao novo projeto) e que fazia parte integrante de um complexo de operações urbanas de infraestrutura rodoviária empreendido pelo então prefeito da cidade Paulo Maluf. Nesse projeto, Praça Roosevelt foi elevada em relação a sua topografia original, foram criados os dois andares de estacionamento subterrâneo (que estão lá até hoje), e sob eles foi criado um complexo de túneis que conectam as vias elevadas do Elevado Costa e Silva (o famoso “Minhocão”) e Radial Leste. Essas obras trouxeram consequências devastadoras para a elevada qualidade da vida urbana do pedestre que existia em espaços da cidade como a Rua Amaral Gurgel e o bairro do Bexiga, uma vez que suas grandes estruturas de concreto acabaram criando barreiras problemáticas para conexões locais, alem de configurar espaços ociosos e escuros, atraindo moradores de rua e estimulando atividades ilícitas.
Portal Aprendiz: Recentemente, a praça passou por uma longa reforma. Como foi esse processo? Como você avalia o resultado final?
Abbud: Eu estudei a praça Roosevelt durante um ano e propus um projeto para ela como trabalho de conclusão na Faculdade de Arquitetura em 2010, e nessa época a praça estava abandonada, cheia de vazamentos, sem limpeza ou tratamento de sua vegetação, e sem a devida manutenção de sua iluminação noturna. Era principalmente usada por skatistas, em cima da praça elevada que existia lá – o pentágono – e de moradores do entorno que iam passear com seus cachorros no chamado “cachorrodromo”, uma área onde antigamente haviam duas quadras poliesportivas. Descobri na época que, desde a retirada de um supermercado que existia em baixo do pentágono, começou um processo de demolição descontinuada da praça: vinha um pessoal, quebrava umas coisas, e deixava ela descuidada e com um aspecto cada vez maior de ruína.
Ainda durante o meu projeto de graduação pude acompanhar o processo de fechamento e formalização da demolição da praça, mas tinha um ar de mistério permanente sobre como seria o novo projeto: às vezes aparecia algo rápido no jornal, mas que era sempre misturado ao entusiasmo com a cena cultural efervescente dos teatros e bares que aconteciam no seu entorno direto. Cheguei a ver uma apresentação pública do projeto que aconteceu em um dos teatros, e me lembro de ter presenciado brigas e discussões baseadas em criticas e expectativas dos presentes, em sua maioria moradores e donos de estabelecimentos do entorno. Uns reclamavam sobre o excesso de escadas, que seria ruim para os idosos, outros sobre o tratamento de piso que atrairia skatistas; uns reclamavam sobre a falta de árvores na praça, outros sobre o excesso delas que traria ambientes escuros e perigosos, e por aí vai.
Quando a praça foi reinaugurada em 2012, o contraste com exemplos de praça ao redor do mundo que eu estudei no meu projeto de conclusão de curso me deixou muito decepcionado, uma vez que uma série de exemplos, dos mais antigos aos contemporâneos, traziam desenhos muito mais cuidadosos e investiram muito mais em soluções interessantes e receptivas para acomodar os freqüentadores e propor usos para um público usuário amplo. Por outro lado, passados dois anos, fico extremamente entusiasmado com modo com que o público usuário, composto por gente vinda dos mais diversos lugares da cidade, parece ter muito mais criatividade e liberdade do que os próprios arquitetos que a projetaram para ocupar e propor atividades diversas na praça. Grande exemplo disso é o “Buraco da Minhoca”, um dos túneis de acesso ao Minhocão, dentro do qual são propostas as mais diversas festas e atividades nos horários em que está fechado para carro.
Portal Aprendiz: O que deve ser levado em conta na transformação de um espaço público? Como envolver pessoas nesse processo e torná-lo educativo?
Abbud: Do ponto de vista do projeto, a pista que eu segui durante meu trabalho de graduação foi entender quem eram os usuários da praça e de seu entorno imediato, e quais eram suas necessidades programáticas. Fui pouco a pouco agrupando essas pessoas segundo perfis culturais com usos distintos do espaço da praça, e fui elaborando programas que correspondiam às diferentes naturezas de suas atividades. Por exemplo: o pessoal do teatro e dos bares queriam um lugar para sentar na calçada, conversar e beber cerveja; as crianças da escola municipal (Emei Patrícia Galvão) podiam ter um parquinho ou espaço para conversar fora da aula; os moradores de rua precisam de um albergue para passar a noite; e por mais que o skatista goste de encontrar obstáculos e elementos de mobiliário urbano pra fazerem manobras (escadarias, corrimãos, bancos, etc.), também existe uma arquitetura pensada para eles, como half pipes, bowls, rampas, transições e outros elementos que vemos em skateparks. Enquanto houver usuários com necessidades específicas, há sempre a possibilidade de realizar um projeto que arquitetura pensado para eles, mas a implementação dele depende de inúmeros fatores e do compromisso de investir nisso.
Do ponto de vista do uso da praça, eu acho que a principal ferramenta para transformação do espaço é a criatividade. Se o cidadão não está acostumado a viver fora dos ambientes fechados e privados que ele foi sendo viciado culturalmente para utilizar, para se criar uma nova cultura de uso de espaço público ele precisa perder o estranhamento e o medo do outro, do desconhecido, para pouco a pouco ir adquirindo o respeito àquilo que inevitavelmente terá que dividir, compartilhar, usar junto. E para isso é preciso bolar estratégias criativas de atração para que cada vez mais pessoas se sintam confortáveis e à vontade para usar a praça e perceberem quais são as possibilidades de uso de um determinado espaço publico, que é delas, que é de todos. É claro que nem sempre a harmonia entre os diferentes freqüentadores é possível, mas pouco a pouco esse processo pode gerar mais confiança dos usuários para desempenharem atividades em espaços públicos.
Um grande exemplo disso são as atividades propostas pelo coletivo “A Batata Precisa de Você”, que organiza todas as sextas-feiras atividades abertas das mais variadas no Largo da Batata, como piqueniques, shows de musica e oficinas para construção de mobiliário público como bancos, lixeiras e cinzeiros. Essas atividades tem mostrado que o público passou a desenvolver uma vontade maior de ocupação e uso da praça, e começou a despertar uma cumplicidade com o zelo e com a ocupação do espaço público, e essa transformação traz a possibilidade de se estender esse tipo de comportamento para toda a cidade.
Portal Aprendiz: São Paulo passa por um processo de intensa especulação imobiliária nas últimas décadas. Como isso afetou a região, de modo geral, e a praça especificamente?
Abbud: O chamado processo de “gentrificação” ocorre seguindo uma fórmula previsível e inevitável, segundo a qual o mercado imobiliário acaba por forçar uma mudança do perfil cultural de dado local na cidade e pode transformá-lo completamente pelo aumento no valor do imóvel.
Desde a década de 80 a praça fazia parte de uma cena underground na cidade e conta-se que ela passou a sediar atividades ilícitas e que foi tomada por traficantes, e que foi somente com a vinda dos teatros nos anos 2000 que essa situação começou a reverter na praça. Em uma entrevista realizada para o meu projeto de graduação com Rodolfo Garcia Vasquez, diretor da companhia Satyros de teatro que é sediada no entorno da praça Roosevelt, relatou que quando as companhias de teatro chegaram no local começaram a colocar uma mesinha na calçada e começar a vender cerveja. Apesar do atrito inicial com os traficantes que atuavam na praça, pouco a pouco as mesinhas venceram, e ele disse ter percebido só depois o quanto esse pequeno gesto foi uma grande atitude política de reconquista do espaço público.
Vasquez contou que com o passar do mesmo tempo, os agentes do mercado imobiliário perceberam a mudança positiva no cenário de uso da praça causado pelo surgimento dessa nova cena cultural noturna na cidade que atraía um público cada vez maior, e que tornou a entrada dos edifícios mais segura pela quantidade de gente que ocupava uma calçada até pouco tempo abandonada por medo, e, de repente, o valor dos alugueis e preço de venda dos apartamentos e dos térreos comerciais começou a subir drasticamente! Tanto é que estabelecimentos comerciais tradicionais dessa calçada, como a loja de história em quadrinhos HQ Mix, que promovia várias atividades como lançamentos e oficinas para o seu público freqüentador, teve que sair de lá.
É um processo gradativo: o aluguel sobe, o preço da cerveja sobe também, aí sai um teatro, sai outro, sai de lá aquele bar aconchegante e despretensioso e começam a vir novos perfis de bares, que começam a atrair novos perfis de usuários. Nem melhores nem piores, não há como julgar, mas no final das contas aquela cena cultural específica de um dado momento num dado espaço acaba se descaracterizando e se transformando em outra coisa. A cidade está sujeita a isso o tempo todo, até surgirem outras regiões da cidade que serão formadas, descobertas, para onde públicos antigos acabam migrando, novos públicos vão se formando, e por aí vai.
Eu acho que valeria a pena se especular sobre a criação de mecanismos estratégicos que venham a garantir que determinado grupo cultural se mantenha no mesmo lugar, mas cultura é algo que surge de forma muito espontânea: é muito difícil prever, e entra-se também no perigo que se querer controlar demais o processo, ao ponto de se tornar uma manutenção artificial. Eu acho que cultura é um fenômeno resultante de um processo de formação e dissolução muito orgânico e muitas vezes imprevisível, e bem ou mal e essa condição de espontaneidade mereceria ser respeitada.
“Ela também pode ser uma praça restritiva, com suas atividades controladas, reprimidas e até banidas por meio de forças movidas por um perigoso individualismo exacerbado”
Portal Aprendiz: Coletivos de ocupação da cidade têm emergido com cada vez mais força, você acredita que há uma mudança na conjuntura e na apropriação da cidade pelas pessoas, movimentos sociais e sociedade civil organizada?
Abbud: Eu acho que as diferentes formas de organização da sociedade civil e dos movimentos sociais encontraram nas novas mídias digitais uma grande ferramenta. As novas gerações estão se mostrando cada vez mais proativas, estão entendendo e tirando máximo proveito das potencialidades do uso dessas novas tecnologias e reinventado formas de atuação na cidade, a partir da realização de trabalhos e atividades em rede, da elaboração e organização de novas formas de ação coletiva e participativa, trocando de informação, compartilhando reivindicações, disponibilizando registros de atividades, tudo num fluxo de comunicação em tempo real. A percepção da força de atuação em coletividade permite que novas idéias de transformação urbana possam ser propostas, expostas e colocadas em prática com uma velocidade cada vez maior. Nesse sentido, se as ferramentas são digitais e virtuais, o espaço da real ocupação e convivência humana é material e físico, e em meio a essa rede de coletivos a figura do arquiteto representa um importante contribuição.
Essa lógica tende a influenciar cada vez mais na forma de atuação dos arquitetos, que são frequentemente estereotipados segundo a imagem daquele sujeito que tem a brilhante idéia, saca sua caneta e desenha as belas formas que Irão resolver os problemas da humanidade: eu acredito que esta imagem está fadada a desaparecer. No lugar penso que uma nova geração começará a surgir e incorporar essas novas tecnologias em rede e inventar novos modos de pensar e atuar pela arquitetura, junto a outros coletivos de diferentes naturezas. Em relação a isso, uma das principais exposições da X Bienal de Arquitetura de São Paulo, ocorrida no ano passado, se chamava “Modos de Colaborar”. Derivada do titulo da Bienal que era “Cidade: Modos de Fazer, Modos de Usar”, essa exposição apresentou projetos e organizou atividades com coletivos de arquitetura de diversos países do mundo todo junto a coletivos de ação urbana de São Paulo. Parcerias desse tipo são muito recentes, mas estão sendo cada vez mais percebidas e reconhecidas, e acredito que ainda trarão grandes frutos.