publicado dia 12 de junho de 2014
Ocupação Copa do Povo: “Estamos aqui pelo nosso direito à cidade”
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 12 de junho de 2014
Reportagem: Danilo Mekari
Hoje é dia de Copa. Para uns, Copa do Mundo. Para outros, Copa do Povo.
Enquanto Neymar e companhia vestem a camisa da seleção brasileira na estreia da competição oficial da FIFA, na Arena Corinthians, em São Paulo, a menos de quatro quilômetros dali a bola também rola para o torneio Copa do Povo, realizado na ocupação de mesmo nome, onde cerca de quatro mil famílias dividem um imenso e degradado terreno ao lado do Parque do Carmo.
“A verdadeira Copa será aqui”, brincam os meninos que se deliciam com a pelota no pátio de entrada da ocupação que, mesmo de improviso, pode ser considerado o único espaço de lazer disponível na área de 150 mil m² onde lonas, pedras e bambus formam barracos e transformam um terreno abandonado há duas décadas em esperança de moradia para a população sem-teto.
A ocupação, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), é dividida em oito núcleos (do G1 ao G8) e acolhe mulheres, homens, crianças e idosos vindos de comunidades de Itaquera, como Jardim Helian, Gleba do Pêssego e Jardim Cibele, e de outros bairros da zona leste, como Ermelino Matarazzo e São Miguel Paulista. “Tem até haitiano aqui”, afirma Sérgio Moreira Lima, integrante do MTST e morador do G2.
Segundo Sérgio, a absoluta maioria dos ocupados foi “expulsa do seu lar – sejam casas ou cômodos – pela especulação imobiliária”. Os dados do Índice FipeZap corroboram essa realidade: desde 2009 o valor do metro quadrado em Itaquera aumentou 165%, denunciando a relação intrínseca entre os megaeventos e a supervalorização de imóveis.
Graça e seus seis filhos foram uma das últimas famílias aceitas na ocupação. Pelo acordo que o movimento fez com os governos, o terreno não pode receber mais pessoas nem iniciar construções de alvenaria. Vinda de São Mateus, ela relata a solidariedade que encontrou no local: “Cheguei sem nada. Agora tenho fralda, leite e comida para os pequenos”, revela. Para além da sobrevivência imediata, um dos desafios de Graça é conseguir educação para seus rebentos. Ela pediu transferência entre as escolas públicas de São Mateus e Gleba do Pêssego, mas não acredita que dará certo. “Sem endereço fixo vai ser difícil”. Sérgio afirma que a reivindicação por creches para as crianças só vai aumentar “pois já fazemos parte do bairro”.
“Copa sem povo, tô na rua de novo”
Realizada na madrugada de 3 de maio por aproximadamente 300 famílias, a ocupação ganhou notoriedade ao longo das últimas semanas por alguns motivos: a proximidade com o estádio “padrão FIFA”, o rápido crescimento demográfico e a grande mobilização que tem causado entre os movimentos sociais da capital. Para Sérgio, ocupar um terreno nos arredores da Arena Corinthians foi um grande acerto, “uma cartada de mestre”.
Nos meses de maio e junho, o MTST realizou quatro manifestação que reuniram milhares de pessoas e terminaram em lugares simbólicos, como a Ponte Estaiada e o próprio estádio da Copa. Os protestos, nomeados “Copa sem povo, tô na rua de novo”, reivindicavam moradia digna e direitos básicos e deixavam evidente a insatisfação dos setores populares com a priorização de investimentos públicos no megaevento esportivo.
Impasse
Hoje, os ocupados comemoram o anúncio de uma parceria entre os governos federal, estadual e municipal que prevê a construção de duas mil moradias destinadas à população de baixa renda e contará com recursos do programa Minha Casa, Minha Vida. “Mas ainda falta a aprovação do Plano Diretor de São Paulo”, aponta Sérgio.
Isso ocorre porque, para o financiamento ser viável, é preciso garantir a mudança de zoneamento do terreno, além da necessidade de estudos de impacto ambiental. “Hoje a área está demarcada como rural”, assinala, lembrando que o proprietário do local – a Viver Incorporadora – paga míseros R$ 57 por mês para a União pelo Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR).
Ao lado do pátio está a horta comunitária da ocupação. Mas não há nada de legumes ou verduras, e sim plantas medicinais. Feita a partir de uma parceria entre o MTST e o Fórum Popular de Saúde, seu objetivo é transmitir conhecimentos das ervas medicinais e promover a educação básica na área de saúde. A parceria ainda oferece oficinas de primeiros socorros para tratamento de queimaduras e torções, além de atividades educativas sobre hipertensão e diabetes.
A prefeitura já se pronunciou afirmando que o Plano Diretor pode resolver essas distorções, transformando o terreno em área residencial e de interesse social. Alguns vereadores paulistanos, porém, resistem à ideia e querem decidir os rumos da ocupação Copa do Povo separadamente do Plano.
Foi por isso que a votação, prevista para última terça-feira (10/6), não aconteceu. O movimento alega ter pressa, pois está agendada para a próxima semana uma audiência na Justiça sobre a reintegração de posse do terreno. “Voltaremos às ruas caso nossa vitória não seja aceita”, ressalta Sérgio.
Direito à cidade
Enquanto aguardam a aprovação final, as milhares de pessoas que integram a ocupação organizam um torneio paralelo ao Mundial de futebol. No lugar de escretes nacionais, os times serão identificados com homenagens às categorias que recentemente entraram em greve por melhores condições de trabalho – garis, metroviários, professores e químicos estarão representados na Copa do Povo.
“Menos os policiais”, desabafa Wellington de Abreu, que também desdenha a competição oficial da FIFA. “Tanto faz se o Brasil perder ou ganhar. O que importa é a nossa batalha por uma vida mais digna. A Copa do Povo incentiva os homens a jogar com roupas femininas e vice-versa, em uma tentativa de estimular a tolerância entre os participantes.
Já a abertura oficial da Copa do Mundo promete dificultar ainda mais a vida dos ocupados. Além de bloqueios e linhas de ônibus cortadas, quatro bases militares estão instaladas nas redondezas da região.
“Não queremos mais uma ocupação desordenada. Aqui, desejamos moradia por dignidade e igualdade, assim como pensamos na criação de espaços de lazer, educativos e culturais para quando a nossa situação for regularizada”, projeta Sérgio. “Viemos aqui lutar pelo nosso direito à cidade!”