publicado dia 10 de junho de 2014
Laboratório em Porto Alegre estuda ambiente urbano e aproxima escola da comunidade
Reportagem: Redação
publicado dia 10 de junho de 2014
Reportagem: Redação
do Centro de Referências em Educação Integral.
Em 1999, professores da rede municipal da capital gaúcha (RS) começaram a adotar em suas aulas o Atlas Ambiental de Porto Alegre, para assim iniciar junto às turmas o trabalho de educação com foco no meio ambiente. Diferente de outras metodologias que envolviam a questão, o material trazia a possibilidade de se pensar o conteúdo junto à comunidade. Os espaços urbanos podiam ser avaliados a partir de suas características constituintes – naturais, sociais, gestão – e também serem indutores de análises geográficas, por exemplo, aproximando as aprendizagens curriculares do território.
O novo olhar para a temática impulsionou uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, em 2002, e, posteriormente, a criação de Laboratórios de Inteligência do Ambiente Urbano (LIAU) em diversas escolas da rede.
O projeto nasceu com o objetivo de ressignificar o espaço educacional e a comunidade que o envolve, mostrando aos estudantes que é possível gerar aprendizados sobre o meio ambiente a partir do relacionamento comunitário e da valorização dos saberes de todos. Além disso, a iniciativa mostra ainda que a sociedade não está dissociada da natureza e que o estudo de um está intrinsecamente ligado ao do outro.
O LIAU considera a escola um ambiente propulsor do processo de identificação da população com a natureza e também um espaço de estímulo à reflexão do estudante sobre seu papel de cidadão, a partir de um olhar mais crítico para o lugar onde ele vive e circula. Assim, a proposta mantém como tônica de suas ações a aproximação dos saberes acadêmicos e pedagógicos àqueles produzidos no espaço comunitário, mostrando aos alunos que o estudo do meio ambiente envolve também as relações sociais que nele se estabelecem, colaborando, assim, para a produção de significados sobre o território.
Metodologia
O Liau acontece no contraturno escolar e integra, desde 2009, o Projeto Cidade Escola, um dos braços do Programa Mais Educação do Governo Federal no Rio Grande do Sul. Os estudantes participantes são escolhidos pelos professores ou por meio de sorteio. Eles são chamados de alunos monitores, e têm como função compartilhar o conhecimento das aulas do Laboratório com os colegas de sua escola, de outras unidades e também com a comunidade.
Em cada escola, o LIAU é organizado em uma sala onde ficam expostos painéis produzidos a partir do Atlas Ambiental, que apresentam escalas da paisagem, desde as planetárias até as locais. A abordagem permite que os alunos entendam que o território em que vivem é parte integrante do planeta e que, assim como ele, evoluiu fisicamente, e teve aspectos geológicos modificados muito em função da influência humana.
A metodologia também considera a visita a campo. A partir de percursos aos arredores das escolas, os alunos têm a oportunidade de realizar pesquisas, conversar com os moradores antigos e novos, investigar a história dos espaços públicos e compreender melhor a história da comunidade onde a escola se insere. O processo busca resgatar as mudanças desses locais, a partir da compreensão dos processos naturais junto ao contexto sociológico, da interação do homem com o espaço. Nas andanças, os estudantes chegam a descobrir outros conhecimentos complementares, como quais eram as ervas e plantas utilizadas pela comunidade para o tratamento de doenças, colaborando com a preservação da cultural e costumes locais.
Posteriormente, os estudantes produzem materiais didáticos, como mapoteca (que são mapas temáticos da região da escola: as rochas, vegetação, áreas de risco); litoteca (exposição com rochas colhidas nas saídas de campo); herbário (com a identificação das plantas e árvores do pátio e arredores da escola), e também maquetes.
Depois disso, há um momento de encontro com os professores coordenadores do projeto, para pensar estratégias diferenciadas para divulgar o trabalho: peças de teatro, oficinas, materiais digitais, trilhas urbanas [caminhadas pela região], mutirões dentro da escola ou junto à população local, entre outras. A produção é exposta em datas já pertencentes ao cenário escolar, como a Semana do Meio Ambiente, Feiras de Ciências ou semanas temáticas.
Para apoiar a produção e formação continuada dos docentes, estudantes universitários da UFRGS, atuam junto aos professores coordenadores e alunos na produção de conhecimento local, aproximando os saberes acadêmicos, escolares e comunitários em uma perspectiva dialógica.
Principais Resultados
Até 2013, o LIAU estava presente em 26 unidades escolares, localizadas essencialmente nas regiões periféricas de Porto Alegre. Dentre os principais resultados, ressalta-se a interação entre escola e comunidade, em uma produção constante de conhecimento que envolve os saberes comunitários junto aos escolares e acadêmicos. Além disso, o projeto propôs maior reflexão aos estudantes sobre o que é o meio ambiente e como este está totalmente integrado à produção e percursos da humanidade.
A experiência também apresentou bons resultados de integração entre universidades e escolas, fortalecendo os saberes comunitários e a valorização da experimentação do estudante com o conhecimento: o fazer como estímulo à pesquisa e ao estudo continuado. Paralelamente, pela própria construção das atividades as unidades escolares e estudantes se aproximaram das suas comunidades, em verdadeiras discussões interdisciplinares, envolvendo conhecimentos de ciências, matemática e humanidades.
Na prática
Na dissertação de mestrado da pesquisadora Andréa Ozorio é possível acessar as práticas de diferentes escolas e compreender a evolução do programa ao longo dos anos.
Por exemplo, na escola Presidente Vargas, as crianças desenvolveram o projeto “Os incomodados que mudem o mundo” que estimulou variadas discussões, atividades de sensibilização e mobilização comunitária (dentro e fora da escola) sobre o lixo, degradação ambiental e reciclagem. Entre outras ações, os estudantes aplicaram pesquisas com os demais colegas [inclusive os da educação infantil] e com familiares e funcionários e apresentaram os resultados aos envolvidos, promovendo debates entre os diferentes segmentos da comunidade escolar.
Já na escola Rincão, o objetivo do LIAU foi associar as discussões ambientais às características e cultura da comunidade, marcada pela luta por acesso a serviços e direitos. Com um público muito diverso, de diferentes realidades socioculturais, a escola decidiu investir em um projeto pedagógico estruturado em quatro eixos: o Exercício da Diferença; a Produção de singularidades; a Desnaturalização de padrões e a Desconstrução do Racismo de Estado. Assim, todas as atividades do laboratório visavam discutir os temas, a partir do olhar para a comunidade, para as produções humanas no território e para a compreensão e valorização da memória e imaginário local.