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publicado dia 25 de abril de 2014

Para desembargador, Copa promoverá ações higienistas nas cidades-sede

O desembargador Antonio Carlos Malheiros é também conhecido como Totó pelas crianças que, desde 1997, escutam suas histórias no hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Nas horas vagas, o professor de três universidades e coordenador da Infância e Juventude do Tribunal da Justiça da capital paulista (TJ-SP) utiliza o apelido para se aproximar dessas crianças – a maioria portadora de HIV – em uma atividade voluntária que exerce junto à Associação Viva e Deixe Viver.

Antonio Carlos Malheiros, o Totó. | Crédito: André Takahashi | ASCOM Prefeitura de Votuporanga

Malheiros já foi presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça. E é, acima de tudo, um defensor “radical” da liberdade de expressão.

Foi justamente sobre esse tema que o desembargador discursou no TEDxLiberdade, evento que aconteceu nesta quarta-feira (23/4), em São Paulo. E, como não poderia deixar de ser, usou de sua experiência em alegrar crianças para contar histórias e causos que envolvem a liberdade de se expressar.

Cracolândia

Malheiros falou sobre o trabalho que realiza desde 2011 junto ao Tribunal de Justiça na Cracolândia, região da capital paulista conhecida por abrigar usuários de crack. Um movimento levou promotores, defensores públicos, voluntários da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), psicólogos e assistentes sociais às ruas da região. “Não podíamos deixar acontecer ali a brutalidade que aconteceu no Rio de Janeiro: internação compulsória em massa.”

“À noite, às vezes de madrugada, eu faço abordagem a usuários de drogas. Proponho a eles um bate-papo e tento convencê-los de que uma proximidade voluntária para um tratamento seria a opção mais adequada. Mas outro dia topei com um rapaz de 24 anos, de classe média, que disse o seguinte: ‘eu não pretendo me tratar. Tenho direito à morte que eu quero’. Naquele momento, isso tocou fundo na minha pessoa. Mas como eu sou um radical nas questões referentes à liberdade de expressão, acabei aceitando inclusive essa sentença de morte pronunciada por ele. Eu guardo pra mim que aquela expressão de ‘quero morrer como eu quiser’ é algo que tem um valor. Entendo que todos nós devemos, mesmo com a melhor das boas intenções, ir até certo ponto – e não passar desse ponto – no que se refere à liberdade de expressão.”

Homenagem ao golpe

Sobre o episódio recente no qual um professor de direito da USP leu uma carta que defendia o golpe militar de 1964 – e teve a aula suspensa após a ocupação da sala por alunos descontentes com a homenagem –, Malheiros viu-se obrigado a defender a voz do docente. “Sempre fui rigoroso e agressivo com quem participou do golpe e da ditadura militar. Mas percebi que, naquele momento, tinha que defender o direito de expressão do professor. Uma coisa é ele ser isolado pelos alunos, que se negariam a entrar na sua aula; outra coisa é atitude incorreta dos estudantes de não permitirem sua livre manifestação”, defende.

Copa ou creche?

O desembargador ainda criticou a Copa do Mundo no Brasil e o que chamou de “higienização” promovida pelos organizadores do torneio nas cidades-sede. Ele afirmou estar “absolutamente abismado” com a quebra da soberania brasileira pela FIFA (Federação Internacional de Futebol) e declarou que é contra a realização do campeonato em solo brasileiro.

No Grajaú, extremo sul de São Paulo, mães protestam contra a falta de creches. | Crédito: Reprodução

“Estão desviando verbas que poderíamos utilizar nas grandes fomes que vivemos. Esse dinheiro poderia ser utilizado em escolas de primeira linha, nas creches que nós não temos em São Paulo – onde faltam 150 mil vagas. O Pedro Pedreiro e a Joana, mulher dele, têm que deixar as crianças trancadas em casa e elas pulam a janela e vão pras ruas. Trabalho com isso e vivo o drama de crianças que são vitimas do tráfico e do desparecimento porque não temos creches. Se o dinheiro gastado para a Copa fosse bem distribuído, poderíamos ter creches por todo o Brasil.”

Lei do terrorismo

E, para piorar, a liberdade de expressão também será atingida. “A gente já sabe que vão fechar ruas para impedir que eu me aproxime do estádio para reclamar. Ou seja, onde fica o meu direito de fazer críticas se eu não poderei andar pelas ruas cercadas?”, questiona Malheiros.

Policiais promovem higienização social na região da Cracolândia. | Crédito: Reprodução

“E temos ainda a lei do terrorismo (PLS 499/2013), que acuso de ser a nova Lei de Segurança Nacional (LSN). Vai punir com cana dura quem cometer determinadas infrações. O triste disso tudo – que até mesmo supera a tristeza da antiga LSN, da qual muitos de nós fomos vítimas – é que naquela época quem formulava as leis e governava mal e porcamente o país eram militares. Dessa vez nós temos a FIFA comandando essa lei antiterror e ferindo diretamente a nossa soberania. É uma lei terrível, todos deveriam ler, e segundo as últimas notícias pode ser aprovada nas próximas horas. E digo mais: será aprovada, tudo em nome de uma mentira chamada Copa do Mundo no Brasil.”

Higienização das ruas

Para ele, o movimento a Copa potencializa a higienização das cidades. “Tenho preocupação com todo o trabalho que desenvolvo na Cracolândia, que vai ser esvaziada. Até agora consegui evitar a internação compulsória em massa, mas a partir da lei do terrorismo não sei mais o que vou poder fazer”, lamenta Malheiros.

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