publicado dia 7 de abril de 2014
A Escola Municipal Friedenreich fica ao lado do estádio mais famoso do Rio de Janeiro, em meio aos planos de ampliação do Complexo do Maracanã. Uma escola tradicional da região e uma das dez melhores do estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a instituição corria o risco de ser demolida para dar lugar a um centro de treinamento para atletas do vôlei durante as Olimpíadas de 2016. Com a mobilização da comunidade e uma petição contra a derrubada da escola, a Meu Rio entrou em cena.
Desenvolveu o aplicativo “De Guarda”, que instalou câmeras na região, “vigiadas” por moradores preocupados com a escola. Caso um trator se aproximasse, toda a rede seria avisada por SMS. “A promessa de ir à rua muitas vezes é mais forte que a própria mobilização, o importante hoje é saber casar as duas potencialidades”, afirma Miguel Lago, co-fundador da Meu Rio. Como resultado dessas e de muitas outras pressões, a prefeitura e o Estado tombaram o colégio, assim como o Museu do Índio.
Com dois anos de existência e 120 mil cariocas engajados, a Meu Rio tem se tornado uma importante rede de mobilização e agente de transformação da realidade urbana. Desde problemas locais, das ruas, chega-se ao bairro e à cidade. O usuário pode criar uma mobilização e espalhar sua causa pela rede.
A ferramenta mais utilizada é o “Panela de Pressão”, que permite que o usuário crie sua mobilização e ative sua rede para pressionar diretamente o poder público. A equipe do Meu Rio então escolhe as causas mais relevantes e ajuda em sua implementação. “Temos um sucesso de 20% nas campanhas, o que é bastante alto para uma interface de mobilização”, afirma Lago.
Além disso, o “Imagine” permite que os cariocas pensem, digitalmente e presencialmente, políticas públicas que serão encaminhadas para as autoridades competentes. “A participação em decisões urbanas é essencial para uma cidade mais justa e democrática. Na democracia de hoje, não só no Brasil, esse direito não está dado ao cidadão”, acredita. Para ele, o Estado ainda é reticente ao aceitar não ser protagonista em decisões. “O cidadão é o eleitor, mas as duas esferas devem trabalhar lado a lado, com apoio das novas tecnologias. O exemplo da Rocinha é ilustrativo nesse sentido”.
Teleférico ou água
A favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro, aguarda saneamento básico, água e tratamento de esgoto. Enquanto isso, um teleférico vai sendo construído por cima da comunidade. “Não é que é algo ruim, mas não é prioridade. A população sabe disso, sabe que há limite orçamentário, mas o poder público muitas vezes opta pelo que é mais vistoso”, aponta.
Com base nas diferentes demandas postadas no site, a equipe vai traçando campanhas e possibilidades de apoio. A campanha Saneamento é Básico é um desses exemplos. Após junho de 2013, conta Lago, a demanda de transporte público e direitos sociais, assim como segurança e saúde, cresceram na plataforma.
Entre as campanhas mais destacadas está o “Big Brother da PM”, que pressiona pela aplicação de uma lei municipal que garante a instalação de câmeras em viaturas. No mesmo sentido, uma delegacia especial para desaparecidos – são mais de mil por ano na cidade – está em vias de aprovação após pressão popular canalizada na campanha “Chega de Amarildos e Priscilas”.
Em maio, a iniciativa de sucesso em terras cariocas deve desembarcar em São Paulo. Anna Arida, uma das responsáveis pela “importação”, aposta na tecnologia para derrubar barreiras. “A rapidez da comunicação faz com que as pessoas não precisem se encontrar pessoalmente para se falar. Isso amplia o poder de organização. Muitas vezes as campanhas funcionam melhor se a gente tiver não só uma pressão online, mas também uma pressão offline. Sempre que possível, gostamos de combinar uma ação nas redes e nas ruas”, afirma Anna.
A novidade dessas ferramentas ultrapassa o que até agora vinha sendo utilizado, com plataformas de divulgação digital, petição e redes sociais, ao articular essas diferentes esferas num mesmo ambiente virtual. Enquanto se estruturam, ambas as plataformas vêm sendo financiadas por doadores e empresas. A expectativa é atingir a sustentabilidade de forma colaborativa, com ajuda daqueles que confiam no potencial das iniciativas.
Cidades democráticas
“O Brasil é um país criativo e estamos vivendo um momento fértil de engajamento. Começamos agora um projeto de mapeamento do ecossistema da participação social no Brasil e já encontramos mais de 300 experiências, entre ferramentas de colaboração, mapeamentos, etc.”, afirma Rodrigo de Luna, do Cidade Democrática, uma plataforma digital que promove concursos de ideias para as cidades e realiza projetos de intervenção urbana.
Até o momento, a equipe já consolidou trabalhos em Jundiaí, Várzea Grande Paulista, e no bairro da Vila Pompeia, em São Paulo. Atualmente, dedica-se à finalização de 17 projetos comunitários na região de Altamira, no Pará, que visam a compensação dos danos causados pela construção da hidroelétrica de Belo Monte.
Para avançar com a proposta, o Cidade Democrática prevê a realização de cursos, ferramentas e materiais que trabalhem o tema da participação social em escolas. “Cidadania é algo que se desenvolve desde cedo. Queremos promover esses valores e, a longo prazo, gostaríamos que isso se tornasse uma política pública”, projeta Rodrigo.
A ideia é sugerir aos estudantes que pensem soluções para as questões de suas comunidades, escolas e entorno, com intercâmbio de ideias com setores da sociedade civil. Para ele, a democracia direta, proporcionada de forma experimental pela internet, pode ser expandida e ajudar a romper o círculo vicioso do calendário eleitoral.
“Há uma demanda da população e, se o político topar levar adiante, todos sairão ganhando. É um círculo virtuoso entre o poder público e a cidadania. A democracia na web é uma utopia importante”, conclui.