publicado dia 17 de janeiro de 2014
PM vai administrar 10 escolas públicas em Goiás que terão mensalidade
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 17 de janeiro de 2014
Reportagem: Pedro Nogueira
Com informações do Jornal da Globo
Sob o pretexto de diminuir a violência, a Polícia Militar de Goiás irá administrar 10 escolas públicas do Estado, governado por Marconi Perillo (PSDB). Os estudantes serão obrigados a usar quatro uniformes com motivos militares e sapatos, que serão vendidos fora da escola por valores que podem chegar até R$ 600.
Além disso, a matrícula custará R$ 100. Haverá ainda uma mensalidade de R$ 50 e mais dois livros no valor de R$ 300. O valor total dos custos pode chegar até R$ 1.500 por ano. Quem não puder pagar, terá seu filho matriculado em outra escola pública.
Em nota divulga pelo Jornal da Globo, a Secretaria de Educação de Goiás afirma que a medida visa combater a violência de forma efetiva. No Colégio Fernando Pessoa, que passará a se chamar Escola da Polícia Militar de Goiás Fernando Pessoa, em Valparaíso, a escola será dirigida por um policial com formação em pedagogia. Além dele, militares farão aulas de Educação Física e exigirão disciplina dos alunos.
Mais unidades serão abertas em Aparecida de Goiânia, Anápolis, Goiás, Goianésia, Porangatu e Jataí. Serão ao todo 4.732 vagas em 2014.
Para comentar esta medida, o Portal Aprendiz conversou com a educadora Maria do Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, ex-Secretária de Educação de Belo Horizonte e ex-presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Para Pilar, a medida representa um atraso e pode até ser inconstitucional. “É o Estado declarando incompetência”. Confira.
Portal Aprendiz: O que você achou da medida da Secretaria de Educação de Goiás?
Maria do Pilar Lacerda: Desse jeito, a escola abre mão do caráter público e democrático, pois você entrega a educação para um setor que, apesar de ser do serviço público, não tem como finalidade a gestão e a organização de unidades escolares. O objetivo da polícia é outro. É o de tentar resolver o problema com a solução da repressão: em vez de ter mais pedagogia você terá mais repressão, como se isso fosse transformador, o que não é.
Por outro lado, acredito que seja inconstitucional obrigar os jovens a comprar livros, uniformes e materiais. O Governo Federal disponibiliza livros para todos os alunos da rede pública. Não faz sentido que esses livros não sejam usados e que a administração militar obrigue a comprar livros que nem sabemos quais são. O estado está abrindo mão de sua responsabilidade e declarando sua incompetência ao apelar para forças que são responsáveis por garantir segurança e reprimir o crime, mas não para gerir uma escola pública.
Aprendiz: É difícil não associar com nosso passado recente, de ditadura militar, disciplinas de educação moral e cívica…
Pilar: Me lembra os colégios militares do exército onde eles não usam os livros que o Ministério da Educação (MEC) escolhe. No lugar, entram os livros de história escolhidos por eles, o que causa muita polêmica, pois estes livros possuem um viés que repete a visão das Forças Armadas da história do Brasil. Mas essas escolas não recebem recursos do MEC, são ligadas ao exército, assim como seu plano de formação de carreira, acadêmia etc. É algo antigo que faz parte da formação de quadros deles, com escolas rígidas, punitivas e disciplinas do século passado. São escolas sem qualquer protagonismo discente, nem autonomia, ou seja, nada disso que a gente defende dentro da educação democrática. Agora, entregar para a polícia, que tem ainda menos experiência? Essa medida me parece estranha.
Aprendiz: A Secretaria de Educação de Goiás alega que houve assassinatos dentro das escolas. De que outra forma lidar com um cotidiano violento e difícil?
Pilar: Eu conheço várias experiências que enfrentaram a violência abrindo a escola para a comunidade, tendo um diálogo forte, com a escola falando com a comunidade e não para ela. Por exemplo, o Cieja Campo Limpo, dirigido por Eda Luiz, que estabelece um diálogo tão forte em que a escola passa a ser da comunidade, ocasionando uma diminuição da agressividade do contexto. No Rio de Janeiro, o programa Escolas do Amanhã tem um repertório específico para lidar com crianças e jovens em situações de conflitos e violência, com atividades pedagógicas diversas, tutorias. E são lugares onde muitas crianças viveram tiroteios ou perderam seus familiares. Em Belo Horizonte, a Escola Estadual Ulysses Guimarães também se abriu, pintou os muros com imagens dos moradores da região e integrou a escola aos demais elementos da comunidade, ou seja, tem aula de balé na igreja, inglês no centro comunitário.
É preciso que a escola se abra e reconheça que a violência é um problema da sociedade e não apenas dela. A escola não é uma ilha. Estamos numa sociedade violenta e racista, marcada por desigualdade e segregação. Então, a escola precisa encarar isso de frente, buscando saídas pedagógicas. Não estou falando que, se a criança entrar armada no colégio, temos que falar “legal, isso faz parte do contexto”, mas o primeiro passo é conversar com os estudantes, o que impede que isso se torne uma queda de braço entre a escola e o aluno.
Também vejo como crucial que a escola se alie com demais áreas do poder público, como conselhos tutelares, saúde, direitos humanos, ou seja, estruturas que dão consistência para o trabalho da escola e trazem mais segurança. Não podemos culpar as professoras e diretoras pelo medo que sentem. Mas enfrentar isso militarizando a escola é uma saída atrasada.