publicado dia 22 de maio de 2013
“As pessoas acham que é fácil na Europa. Que vão chegar na Escola da Ponte e encontrar crianças dançando, pulando, emancipadas. Mas não, o trabalho é árduo e é preciso desconstruir o mito justamente para mostrar que é possível.” Assim teve início a conferência sobre educação livre e democrática de José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte, que agora promete converter Cotia (SP) em uma Cidade Educadora.
A atividade faz parte da Semana de Psicologia e Educação: cotidiano escolar, políticas públicas e diferentes instituições educacionais, organizada por estudantes e professores de pedagogia e psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Como de costume, a primeira pergunta – Pacheco recusou-se a falar sem ser questionado – foi justamente sobre a famosa escola portuguesa.
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Há 40 anos, a Escola da Ponte começou a abolir as séries, provas, salas de aulas e disciplinas, voltando sua proposta pedagógica para o exercício da autonomia e da liberdade por parte de seus estudantes. O trabalho do professor, sempre visto como solitário, passou a ser compartilhado com outros docentes e também com os estudantes, que levaram para o resto da vida os aprendizados.
“Há uma nova ordem social em nossos ex-estudantes. São envolvidos politicamente e realizados pessoalmente. São grandes artistas, criadores, solidários e profissionais bem sucedidos. Exatamente aquilo que foram na Ponte”, relata o educador. Hoje, mais de quarenta escolas em Portugal – e muitas outras pelo mundo – seguem questionando o modelo tradicional de educação.
“É uma escola pública que rompe o esquema industrial do aluno sentado em série, calado, desanimado. E o fazemos com excelência acadêmica e inclusão social. É isso que eles não conseguem aceitar! Nossos alunos são os melhores nas provas nacionais sem nunca terem feito uma prova antes!”, exclamou Pacheco, que vê hoje em dia uma guerra na educação.
“Precisamos nos organizar como numa guerrilha. Se o todo está errado, comecemos pela parte, quebrando com essa escola que exclui milhões e os condena a infelicidade e ao analfabetismo. Não podemos continuar com adultos do século 20, ensinando jovens do século 21 com métodos do século 19.”
E no Brasil?
A experiência da Escola da Ponte nem sempre foi fácil. No começo, não havia estrutura adequada (faltavam até banheiros) e eles recebiam muitos alunos vindos de contextos vulneráveis (e continuam recebendo). “Jagunços” matavam os animais, destruíam as hortas orgânicas e pintavam a palavra “morte” com sangue nas paredes. Secretarias de educação e órgãos do governo descreditavam o projeto. O cenário catastrófico pode lembrar bastante o de uma escola pública no Brasil.
Talvez justamente isso, talvez muito mais, tenha feito Pacheco dedicar-se ao nosso país em seu projeto seguinte. Após percorrer o Brasil, conhecer escolas, pessoas, acadêmicos, cidades e políticos, Pacheco apaixonou-se pelo brasileiro, “pelo que ele tem de solidariedade e de inventivo”. O português listou mais de 100 experiências positivas no país e as colocou em diálogo. Uma delas, a Escola Estadual Amorim Lima, situada na zona oeste de São Paulo, ficou conhecida por ter derrubado seus muros e implantado um projeto de educação democrática.
Navegar é preciso
Localizado entre três favelas e à beira do Rodoanel Mário Covas, o Projeto Âncora, antiga escola de circo e atividades culturais, ocupada por jovens da região no contraturno escolar, conseguiu, em 1 ano e 4 meses, ajudar muitos alunos e educadores a navegar novos mares. “Tínhamos 5 professores e nos mandaram todos os estudantes que tinham dificuldades nas escolas da região, que estavam envolvidos com crime, que tinham passados difíceis”, narrou Pacheco, responsável pela coordenação do projeto.
A metodologia de trabalho foi chamar toda a equipe da escola, do porteiro ao professor, e elaborar um Projeto Político Pedagógico de dois parágrafos: o primeiro trazia os valores consensuados entre todos e o segundo, a missão de levar isso adiante. E perguntou: começamos abolindo tudo ou vamos aos poucos? Todos decidiram pagar para ver.
Apesar da dificuldade nas primeiras semanas, logo todos os estudantes, que tinham entre 5 e 11 anos, começaram a entender a metodologia democrática do novo espaço, assim como os professores. Sem ter completado dois anos, a escola já é um modelo triunfante: não há violência, todos estão alfabetizados e conseguindo bons desempenhos. A iniciativa promete se expandir para todos os níveis do ensino: tudo isso construído coletivamente pelo corpo vivo da escola.
“Tudo age para reaprender a ser, a fazer, a viver. Precisamos gerar sociedades humanas sustentáveis e justas, criar redes de aprendizagem colaborativas, saindo dos espaços tradicionais. Isso é educação. O resto é desperdício.”
Além da aula, além da escola
“Quem disse que no Brasil não era possível?”, provocou Pacheco após a apresentação do Âncora. E foi instigado de volta pelo auditório: e agora, o que virá? “Algo mais ambicioso que o projeto da Ponte”, respondeu. “A ideia não é criar uma ilha de paz num lugar violentíssimo. O que vamos fazer é desinstitucionalizar a escola, formando comunidades de aprendizagem em toda parte: praças, lan houses, hospitais, condomínios, favelas. Queremos que Cotia seja uma cidade educadora com 300 mil alunos.”