publicado dia 28 de novembro de 2012
São muitas as crianças e adolescentes que saem da sua cidade de origem para tratar doenças complexas como o câncer em centros de referências da capital paulista. As instituições, conhecidas como Casas de Apoio, abrigam as famílias que não possuem recurso financeiro para se manter em São Paulo. Mas como será que escolas, pais e o poder público trabalham para garantir o direito à educação dessas crianças em tratamento de saúde?
Com a falta de dados precisos sobre o tema, o Projeto Cores da Vida, desenvolvido desde 2007 pela Associação Cidade Escola Aprendiz, com apoio da Pfizer, realizou um *levantamento inédito sobre a demanda escolar dessas associações. Foram identificadas 19 Casas de Apoio na região metropolitana de São Paulo, sendo que 18 (que abrigam, no total, 229 pacientes) foram entrevistadas – uma não respondeu ao contato.
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Dessa amostragem, constatou-se que 13, ou seja 72% delas, não possuem acompanhamento pedagógico sistematizado. Além disso, somente quatro têm como política institucional matricular todas as crianças e adolescentes que chegam às instituições em escolas regulares ou classes hospitalares. Já as outras só costumam fazer isso com pacientes com um tempo de permanência de seis meses ou mais.
Para a gestora do Cores da Vida, Laize de Barros, esses jovens precisam, enquanto estão na cidade, participar do território e da vida social, dos quais a escola faz parte. Em entrevista ao Portal Aprendiz, ela falou sobre a falta de vínculo das Casas de Apoio com o poder público, o problema das classes hospitalares e a necessidade de construção de um projeto político pedagógico para as Casas de Apoio.
Portal Aprendiz – Qual é a situação escolar das crianças e adolescentes hospedadas nas Casas de Apoio de São Paulo?
Laize de Barros – Temos três situações. A primeira são as crianças que sequer estavam matriculadas na escola de origem, porque perderam a vaga ou tinham problemas de bullying– e isso exige um trabalho árduo de integração já que, geralmente, tanto elas quanto as famílias desistem da escola, de tantos maus tratos que sofreram ao longo do processo de escolarização. Há também as que continuam com a matrícula na outra cidade e que os professores mandam trabalhos simples para que elas não percam o ano. Ocorre uma insatisfação muito grande com essa solução, pois elas se sentem fora do processo e não sentem que aprendem. E o terceiro caso são as crianças que conseguimos matricular em São Paulo, com muito esforço, próximo à Casa de Apoio e ao hospital onde elas recebem tratamento. Mas quando a criança é matriculada na rede de São Paulo, ela é jogada dentro de um território. Não pode ser assim, elas precisam de um trabalho de integração maior do que uma criança que mora no bairro. Queremos dizer ao poder público: como fica a demanda educativa das crianças hospitalizadas no estado de São Paulo e no Brasil? Porque se isso acontece em uma cidade desse tamanho, imagina em menores.
Aprendiz – Qual é a relação das Casas de Apoio com o poder público?
De 6 a 10 anos: 23%
De 11 a 14 anos: 19%
De 15 a 18 anos: 13%
Maiores de 18 anos: 9%
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Laize – Elas são instituições filantrópicas e não estão ancoradas em nenhum poder legal, embora o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente seja o órgão que fiscalize as casas, elas não estão em um guarda-chuva específico de nenhum poder público. E, por incrível que pareça, não há interesse das direções das casas de que isso aconteça, porque significaria vigilância mais incisiva, prestação de contas e talvez uma certa burocracia que não interessa a elas. Isso, inclusive, nos afastou de muitas casas à medida que trazíamos a discussão de uma tentativa de regularização e de apoio em nível público.
Aprendiz – As Casas de Apoio desenvolvem algum trabalho para garantir o direito à educação dessas crianças por meio das classes hospitalares? Se sim, qual é proposta educativa desses espaços?
Laize – Existem poucas classes hospitalares em Casas de Apoio, algumas têm projetos muito sistematizados, como a Hope e o GRAC, que são maiores e mais estruturadas em termos educacionais, por mais que possamos questionar a educação que está sendo feita lá. Mas as casas menores nem sempre têm classes hospitalares e quando têm, elas precisariam de uma integração muito maior com a escola e com o território para não ficarem isoladas, com um pequeno atendimento hospitalar e as crianças ficarem só desenhando e fazendo massinha. Não tem articulação com o que elas querem e com o que está acontecendo com elas, é muito alienante. A classe hospitalar não pode ser uma alternativa segregadora, são crianças e jovens cheios de vida, tem dias que eles estão melhores e outros piores, mas eles são muito ativos, não estão impedidos de sair e ir à escola.
Aprendiz – A classe hospitalar não substitui, portanto, a importância da escola na vida dessas crianças e adolescentes em tratamento de saúde?
Laize – A classe hospitalar é importante para uma criança que tem uma dificuldade de transitar e está em um tratamento mais severo. Mas a escola permite a socialização e um refresco para a mente, nessa situação de doença e de hospital que vivem. Talvez a escola pudesse fazer um trabalho articulado com a classe hospitalar e isso ser um projeto educativo das casas, de convivência e de diversidade.
Aprendiz – Há algum acompanhamento público do trabalho realizado nas classes hospitalares?
Laize – Alguns setores públicos acompanham as classes hospitalares das Casas de Apoio, porque elas estão vinculadas à secretaria municipal ou estadual de educação, mas é um acompanhamento muito simplista, que poderia ser muito melhor em termos de integração, de articulação com o bairro, com a escola e com as próprias casas. Hoje o nosso objetivo é dar visibilidade a essa questão, dizer às escolas, ao poder público e à sociedade que existem crianças hospedadas em Casas de Apoio e que elas e suas famílias precisam, enquanto estão aqui, participar desse território, dessa vida social, da qual a escola faz parte. Quando vamos à Secretaria Municipal de Educação e ao Conselho Municipal de Educação, eles desconhecem esse fato.
Aprendiz – O que precisaria ser feito para garantir uma educação que promova o desenvolvimento integral dessas crianças e adolescentes?
Laize – Nos debruçamos sob a demanda educativa das casas, sob a perspectiva do bairro-escola, e percebemos que muitas crianças não estão matriculadas nas escolas e que há muita dificuldade de integrá-las socialmente. Como são jovens em tratamento eles têm uma rotina de vida muito instável e, por isso, gostaríamos que as escolas pensassem na inclusão dessas crianças, mas com projetos diferenciados. Um caminho interessante para o trabalho com elas talvez seja a tecnologia das Trilhas Educativas [Percursos de aprendizagem que partem da experiência dos educandos e articulam diferentes agentes, espaços, saberes científicos e populares, integrando a escola à cidade], desenvolvida pela Associação Cidade Escola Aprendiz. Além disso, os pais que saem do seu local de origem e vêm viver com esses jovens têm uma vida completamente mudada, um trabalho com eles, que a própria escola ou o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) pudessem adotar, também seria muito bem-vindo. E um terceiro passo, que é algo que já estamos fazendo no GRATHI, Casa de Apoio no bairro Jabaquara, é que essas instituições tenham um Projeto Político Pedagógico (PPP).
Aprendiz – Como seria um Projeto Político Pedagógico ideal para essas Casas de Apoio?
Laize – O GRATHI se desafiou a pensar a educação para fora da casa e está criando uma classe hospitalar com um Projeto Político Pedagógico (PPP), com apoio do Cores da Vida e com consultoria da responsável pela classe hospitalar do hospital AC Camargo. Um PPP bacana seria que toda a comunidade daquela região pudesse participar da sua construção. E ele deveria prever também um currículo que fosse o mais aberto e interdisciplinar possível, que abraçasse as questões que esses pacientes trazem, que dialogasse com as escolas no sentido de um currículo mais formal, mas que também pudesse ouvir as necessidades, anseios e interesses desses jovens, como é a proposta que temos das Trilhas Educativas: ser a ponte entre o saber comunitário e o saber mais formal.
Aprendiz – Como é o trabalho do Cores da Vida nessas instituições?
Laize – Hoje trabalhamos em duas Casas de Apoio, fazemos oficinas de arte e audiovisual com os jovens, encontros de formações com as instituições para discutir temas importantes como o Projeto Político Pedagógico e o mapeamento de território. Ajudamos a matricular essas crianças nas escolas e acompanhamos de perto o processo para entender se elas estão gostando e se de fato está ocorrendo ou não esta integração. Além disso, endereçamos essas demandas às secretarias de educação e procuramos deputados que militam na área de educação. Foi aí que descobrimos o Projeto de Lei 225 que prevê a inclusão de Casas de Apoio na modalidade das classes hospitalares e articulamos com o autor do PL [Claudio Fonseca], mas sempre pensando que a vida das crianças poderia ser mais integrada se elas tivessem essa socialização permitida e que a Casa de Apoio fosse promotor desse direito, como um local educativo.
*O levantamento utilizou dados disponibilizados pelo Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS), Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), hospitais que oferecem tratamento para o câncer e informações fornecidas pelas próprias casas.