A concepção de Cidade Educadora remete ao entendimento da cidade como território educativo. Nele, seus diferentes espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes pedagógicos, que podem, ao assumirem uma intencionalidade educativa, garantir a perenidade do processo de formação dos indivíduos para além da escola, em diálogo com as diversas oportunidades de ensinar e aprender que a comunidade oferece.
Movimento das Cidades Educadoras
Este conceito ganhou força e notoriedade com o movimento das Cidades Educadoras, que teve início em 1990 com o I Congresso Internacional de Cidades Educadoras, realizado em Barcelona, na Espanha. Neste encontro, um grupo de cidades pactuou um conjunto de princípios centrados no desenvolvimento dos seus habitantes que orientariam a administração pública a partir de então e que estavam organizados na Carta das Cidades Educadoras, cuja versão final foi elaborada e aprovada no III Congresso Internacional, em Bolonha, na Itália, em 1994.
A carta é ainda hoje o referencial mais importante da Associação Internacional de Cidades Educadoras, que reúne mais de 450 cidades em 40 países do globo.
O movimento compreende a educação como um elemento norteador das políticas da cidade e o processo educativo como um processo permanente e integrador que deve ser garantido a todos em condições de igualdade e que pode e deve ser potencializado pela valorização da diversidade intrínseca à vida na cidade e pela intencionalidade educativa dos diferentes aspectos da sua organização: do planejamento urbano, da participação, do processo decisório, da ocupação dos espaços e equipamentos públicos, do meio ambiente, das ofertas culturais, recreativas e tecnológicas.
Na Carta, o movimento afirma:“A cidade educadora deve exercer e desenvolver esta função paralelamente às suas funções tradicionais (econômica, social, política de prestação de serviços), tendo em vista a formação, promoção e o desenvolvimento de todos os seus habitantes. Deve ocupar-se prioritariamente com as crianças e jovens, mas com a vontade decidida de incorporar pessoas de todas as idades, numa formação ao longo da vida. As razões que justificam esta função são de ordem social, econômica e política, sobretudo orientadas por um projeto cultural e formativo eficaz e coexistencial”.
Cidades Educadoras no Brasil
A concepção de Cidades Educadoras vem se fortalecendo no Brasil nos últimos anos. Com a criação do programa federal Mais Educação, em 2007, responsável por implementar a educação integral em 60 mil escolas públicas brasileiras, a partir da extensão da jornada escolar e da ampliação qualificada das oportunidades de aprendizagem, o debate sobre o papel do espaço urbano na formação de crianças e adolescentes tem norteado a elaboração de políticas públicas que compreendem a cidade como Território Educativo.
O programa Escola Integrada, em Belo Horizonte (MG), configura-se como um exemplo de articulação de novos agentes no processo educativo, extrapolando a sala de aula e impactando não apenas a aprendizagem de meninos e meninas em idade escolar, mas também o cotidiano das famílias e comunidades, que passam a ter seus saberes e conhecimentos valorizados e refletidos.
Nova Iguaçu (RJ) criou e implementou o Bairro-escola Nova Iguaçu. No programa, praças, clubes comunitários, teatros e até as próprias ruas viraram espaços educativos. Além da reformulação curricular e da mudança no papel dos professores, o Bairro-escola exigiu um trabalho intersetorial entre as diferentes secretarias e propôs a reconfiguração da cidade como um todo.
Compõe esse cenário o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê que 50% das escolas brasileiras terão educação integral até 2024. Sua aprovação, em 2014, tem ampliado a demanda por novos arranjos educativos nos municípios e estados, exigindo medidas que reconfigurem a relação entre escolas e territórios.
Se atingida, a meta do PNE – que estabelece ainda que o Brasil deverá garantir 25% das matrículas da rede pública de ensino em educação integral nos próximos dez anos – pode pautar profundas mudanças na maneira como a sociedade brasileira concebe a educação.
A experiência de Maranguape (CE) já é reflexo desse novo paradigma. A participação de pais, estudantes, professores, associações civis, jovens e idosos na requalificação de espaços da comunidade para a criação de um Ecomuseu, reorientou os patrimônios materiais e imaterias do município para uma proposta de Cidade Educadora.
O processo – ancorado na valorização da cultura local e na participação social – culminou na aprovação de um Plano Municipal de Educação que estabelece diretrizes e metas para que Maranguape se consolide como Cidade Educadora.
Tendência que também pode ser observada na conformação do Bairro-escola Rio Vermelho, em Salvador (BA); na proposta que articula educação e saúde, concebida em Sorocaba (SP); em programas organizados em torno de uma proposta pedagógica e intergeracional, na cidade de Santos (SP); na vocação de Cidade que Educa, assumida pelo município de Coronel Fabriciano (MG); entre outros.
É importante lembrar que, no Brasil, a ideia de uma Cidade Educadora está em permanente diálogo com o trabalho de diversos autores, entre eles, Anísio Teixeira (Escolas-Parque), Mário de Andrade (Parques Infantis), Paulo Freire (Educação Cidadã), Milton Santos (Território) e Ladislau Dowbor (Educação e Desenvolvimento Local), para citar alguns.
Direito à Cidade
Soma-se a esses exemplos, o surgimento de diferentes movimentos sociais de ocupação e ressignificação do espaço público nas principais metrópoles do país. De norte a sul, emergem grupos que se organizam de forma colaborativa, utilizando as novas tecnologias, para requalificar ruas, praças, calçadas, parques, escadarias, pautando e exercendo o direito à cidade como um direito inalienável no século 21.
Rompendo com a lógica das políticas fragmentadas, as experiências em diálogo com a Cidade Educadora evocam a necessidade de articulação entre os diferentes setores do governo e da sociedade em um pacto pelo desenvolvimento humano e social. Em oposição à baixa participação, a Cidade Educadora exige a criação de mecanismos e estratégias capazes de contemplar as diferentes vozes que compõem o espaço urbano, com especial atenção para crianças e adolescentes.