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Mariana Belmont: “Racismo Ambiental é reflexo da violação histórica da escravidão”

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Em entrevista, a jornalista e ativista ambiental Mariana Belmont explica o significado do termo racismo ambiental e como as populações não-brancas são mais atingidas pelos efeitos da crise climática no Brasil.

Reportagem: Carol Scorce | Edição: Tory Helena

Resumo: Em entrevista, a jornalista, ativista ambiental e autora do livro "Racismo Ambiental e Emergência Climática no Brasil", Mariana Belmont,  analisa como as desigualdades raciais agravam os efeitos da crise climática para as pessoas não-brancas.   
Logo do Especial Racismo Ambiental e Infâncias

A crise climática global impactará a todos – mas os efeitos mais nocivos serão sentidos mais gravemente pelos mais vulnerabilizados. Em especial, populações negras, periféricas, indígenas e tradicionais estão mais expostas às consequências do desequilíbrio do clima e aos eventos climáticos extremos extremos. Essa distorção é efeito do racismo ambiental.

Leia + Como o racismo ambiental opera na crise climática

O conceito surgiu nos Estados Unidos, influenciado pelas lutas dos direitos civis no contexto da igualdade racial. A discussão nasce na perspectiva das desigualdades de impactos ambientais que recaem sobre as populações racializadas e socialmente vulnerabilizadas, e ganha corpo para a perspectiva geográfica. 

Racismo Ambiental
Alagamento no Rio de Janeiro (RJ): territórios ocupados por pessoas não-brancas são mais vulneráveis aos extremos climáticos.

Ou seja, o impacto é na vida das pessoas, mas ele ocorre no território, onde as pessoas trabalham, moram, se deslocam, professam sua fé e usufruem do lazer. O termo foi cunhado pelo ativista Benjamin Chavis na década de 1980, durante protestos por justiça ambiental no estado da Carolina do Norte, nos EUA. Os manifestantes eram contrários à instalação de um aterro sanitário para resíduos tóxicos em um território majoritariamente negro.

No Brasil, o debate sobre racismo ambiental tem aumentado nas últimas décadas, mobilizado especialmente pelo movimento negro no domínio das discussões da crise climática. 

A questão, que atinge especialmente crianças negras, indígenas e quilombolas, levou mais de 220 entidades da sociedade civil a assinarem um manifesto contra o racismo ambiental na COP 26, em 2021. Na ocasião, a Coalizão Negra por Direitos lembrou que a crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e indígenas.

“No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população. Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista. É negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome. É negar a violação dos direitos constitucionais de comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas. É negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, afirmou a Coalizão no documento.

Para Mariana Belmont, o racismo ambiental (ou racismo climático) é consequência direta do legado da escravidão e das desigualdades raciais no Brasil.

Mariana Belmont é autora do livro “Racismo Ambiental e Emergência Climática no Brasil”.

“O racismo ambiental é reflexo da violação histórica de um povo escravizado por 400 anos e de uma sociedade encabeçada por uma elite branca e supremacista, que se organizou para manter esses corpos à margem. Sim, a estrutura social e financeira brasileira é racista. As zonas de sacrifício racial incluem territórios indígenas, quilombolas, e estão diretamente relacionados à extração e exploração econômica racista que ocorreu durante a Era Colonial, pela qual as potências coloniais não foram responsabilizadas”, analisa a jornalista, que é ativista de movimentos ambientais e periféricos.  

Nascida em Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo (SP), Mariana trabalha com articulação e comunicação para políticas públicas no tema do racismo ambiental. Foi diretora de Clima e Cidade no Instituto de Referência Negra Peregum, e é colunista do portal Gênero e Número. 

Foi editora convidada da Revista “Diálogos Socioambientais: Racismo Ambiental” da Universidade Federal do ABC (UFABC), é organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023), e faz parte do Conselho da Nuestra America Verde.

Conversamos com Mariana sobre como a injustiça ambiental se incorpora no contexto brasileiro e impacta nos direitos da população. Confira: 

Educação e Território: Como devemos definir o que é racismo ambiental e racismo climático? 

Mariana Belmont: Quando se fala de injustiça ambiental, partimos da ideia de que existe um direito sendo violado, mas essa definição só existe para quem tem o privilégio de estar em um Estado que garante esses direitos.

Durante muito tempo, o racismo foi tirado de cena na questão ambiental: era uma questão de justiça ou injustiça ambiental. O racismo ambiental, então, fala sobre como essas injustiças ambientais privam a população negra e os povos indígenas de humanidade e direitos. 

O termo racismo ambiental descreve a discriminação institucionalizada envolvendo “políticas, práticas ou diretrizes ambientais que afetam ou prejudicam (intencionalmente ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de forma diferenciada com base em raça ou cor”. 

Então devemos entender como uma discriminação que atinge outros povos e etnias, e não somente as pessoas negras? 

Pessoas de ascendência africana e asiática, povos indígenas, ciganos, refugiados, migrantes, apátridas e outros grupos raciais e etnicamente marginalizados são todos afetados pelo racismo ambiental, que deve ser abordado o máximo possível sob o direito internacional dos Direitos Humanos.

A Declaração e o Plano de Ação de Durban, documentos provenientes da Conferência de Durban contra o Racismo em 2001, fazem referência direta ao meio ambiente. Eu recomendo a leitura. Lá, há 22 anos, o debate ambiental já estava diretamente relacionado à saúde das populações negras e ao processo de tomada de decisão. Naquela época, o documento macro de referência era aquele acordado, negociado e aprovado durante Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro, em 1992 (Rio 92) – ou seja, o termo “mudanças climáticas” ainda não havia sido incorporado. Finalmente, para o bem da história e do ativismo, o conceito racismo ambiental entrou na pauta brasileira justamente após ausências de debate específico no processo de preparação da Rio 92.

E como ele se estrutura no Brasil?

O racismo ambiental é reflexo da violação histórica de um povo escravizado por 400 anos e de uma sociedade encabeçada por uma elite branca e supremacista que se organizou para manter esses corpos à margem. Sim, a estrutura social e financeira brasileira é racista. As zonas de sacrifício racial incluem territórios indígenas, quilombolas, e estão diretamente relacionados à extração e exploração econômica racista que ocorreu durante a era colonial, pela qual as potências coloniais não foram responsabilizadas. 

Como o racismo ambiental afeta os direitos das crianças e adolescentes, em especial os negros, indígenas e periféricos, no Brasil?

Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e periféricos não escolheram os lugares considerados de risco para viver, mas são forçados e jogados para regiões de risco, ou têm seus territórios transformados em áreas de risco, distanciados de suas capacidades e competências de relações produtivas.​

Embora eventos climáticos extremos impactem a todos, ​quem paga a conta está nos territórios sem segurança climática. ​Ele é composto majoritariamente pela população negra, quilombola, pesqueira, periférica, indígena, ribeirinha e infantil. Vale lembrar que esses mesmos grupos populacionais são sub-representados em espaços de tomada de decisão e de estruturação de políticas climáticas.

Quais dados ou fatos notórios nos ajudam a explicitar essa questão? 

Analisando os dados do Censo 2022, vemos que 83,5% das pessoas brancas têm esgotamento sanitário considerado adequado, enquanto o número diminui para 75% das pessoas pretas, 68,9% das pardas e 29,9% das indígenas. A região Norte merece especial atenção das políticas públicas, pois dos 78% dos moradores que se declaram pretos e pardos,  só 46,4% – menos da metade dos seus 17,2 milhões de habitantes – têm saneamento básico.

Regiões sem saneamento adequado podem virar focos de doenças transmitidas a partir da água contaminada ou de vetores como ratos, baratas e moscas, que são atraídos pelo esgoto a céu aberto e pela disposição inadequada de resíduos.

O Censo 2022 aponta, ainda, que cerca de 9,1% da população não tem acesso à coleta direta ou indireta de resíduos. Entre os estados, o Maranhão tem a pior taxa, com cerca de 30% dos moradores sem coleta. Já entre as regiões, a cobertura mais baixa é o Norte do país (21,5%).

De que maneira o território e educação podem ser incorporados neste debate? 

​Espaços educativos devem fazer parte da luta pelo combate ao racismo ambiental. Só teremos espaços mais solidários, justos e seguros para as crianças e adolescentes se os territórios tiverem segurança para a vida de todos.

De que modo é possível abordar o racismo ambiental dentro de uma educação antirracista nas escolas? 

​Eu penso que deveria estar no currículo. As escolas precisam encarar os problemas estruturais da sociedade. Especialmente para que exista senso crítico para defender políticas públicas de combate ao racismo. Essa é uma questão urgente e transversal, que envolve educação, saúde, segurança pública e dignidade. 

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