Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
Calor extremo, enchentes, chuvas volumosas: de Norte a Sul do Brasil, as mudanças climáticas são cada vez mais vivenciadas na prática pelos jovens e adolescentes brasileiros. Em 2025, ano em que o Brasil sedia a 30ª Conferência das Partes (COP30), em novembro, em Belém (PA), o cenário desafiador ganha espaço e relevância.
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Alguns estudos realizados nos últimos anos chamam atenção para a relação das juventudes com a crise climática. Entre elas, a pesquisa Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas no Brasil, produzida pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio).
De acordo com o levantamento, feito com 200 adolescentes e jovens em 10 capitais brasileiras, 80% dos participantes da pesquisa relataram sentimentos de ansiedade, medo ou insegurança. A maioria também reconhece que o local onde vivem já sofre os efeitos das mudanças climáticas.
Outro estudo, feito pela plataforma Sintonia e Sociedade em 2023, identificou que 7 em cada 10 jovens de 18 a 24 anos entendem a gravidade das mudanças climáticas e do aquecimento global. Para 60% dos jovens brasileiros que participaram do levantamento, as enchentes são o principal símbolo das mudanças climáticas.
“No nosso território de Coroadinho [em São Luís (MA], temos medo da chuva. E não é normal ter medo disso, não é normal temer que seu território vai alagar. A outra camada da sociedade, que está nas partes mais elitizadas da cidade, está tranquila quanto a isso”, ilustra a pesquisadora e ativista socioambiental Sarah Emanuelly, de 23 anos, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas da ONG Engajamundo.
“Nós aqui na periferia vamos sofrer”: os efeitos da crise climática para as juventudes
Sarah mora na comunidade de Coroadinho, em São Luís (MA), considerada a 8ª maior favela do Brasil, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Coroadinho tem uma população estimada em 52.069 habitantes, que vivem em 18.331 residências.
Além das enchentes, moradores da comunidade maranhense sofrem com deslizamentos de terra e o ondas de calor extremo.

“A gente também tem visto um aumento da temperatura do planeta e quem mais vai sofrer não são as pessoas que estão dentro de suas casas e ambientes de trabalho com ar-condicionado. Somos nós aqui na periferia, que muitas vezes não temos condição nem de ter um ventilador de qualidade”, pontua Sarah.
Levantamento realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostrou que 6 milhões de brasileiros viveram o equivalente a cinco meses de calor extremo em 2024. Melgaço (PA), por exemplo, teve 228 dias de calor extremo, enquanto a sede da COP30, a capital Belém, registrou 212 dias nas mesmas condições. Além disso, todas as cidades do país atravessaram pelo menos um dia de calor escaldante no ano passado.
Ansiedade climática entre os jovens
Para além dos impactos no acesso a direitos, o aquecimento global e outros efeitos das mudanças climáticas atingem a saúde física e a mental das pessoas, sobretudo as mais jovens. Esse impacto na saúde emocional tem sido chamado de ansiedade climática ou ecoansiedade, condição caracterizada por sentimentos como tristeza, desamparo e angústia.
Pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 2023 identificou que mais da metade (57%) das pessoas entre 16 e 24 anos sentem ansiedade climática. O levantamento ouviu as juventudes de 15 países na África, Ásia, América do Norte e América do Sul, incluindo o Brasil.
Os sentimentos também apareceram na pesquisa conduzida pelo CIESPI, um dos poucos estudos existentes no Brasil com foco específico nas percepções das juventudes. Medo, ansiedade ou insegurança foram mencionados na maioria (68,5%) das respostas dos estudantes. Outros 11,5% expressaram outros sentimentos como preocupação, angústia, tristeza, raiva e revolta. Apenas 17,5% disseram não ter nenhum sentimento negativo em relação às mudanças climáticas.

O professor Christian Kristensen, titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), avalia que o termo ecoansiedade faz cada vez mais sentido no contexto brasileiro.
“O Brasil é afetado de forma crescente pelos efeitos das mudanças climáticas. Embora os estudos nacionais sejam escassos, eles apontam que a ansiedade climática na população brasileira é evidente. Um estudo publicado em 2021, no periódico The Lancet Planetary Health, evidenciou que os jovens brasileiros apresentam elevada preocupação com as mudanças climáticas. Neste estudo, foram comparados jovens de 10 países, e o nível de preocupação entre os jovens brasileiros só foi menor do que aquele apresentado por jovens nas Filipinas e na Índia”, destaca Kristensen, que também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (NEPTE-PUCRS).
A ansiedade climática não é categorizada como uma doença, embora seja reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como questão de saúde pública. Em vez de uma patologia, trata-se de uma resposta emocional complexa diante da emergência climática e das alterações no meio ambiente vivenciadas coletivamente.
“O reconhecimento como uma questão de saúde pública é muito importante para validar o sofrimento psicológico experienciado frente às mudanças climáticas. Isso auxilia a reduzir o estigma, pois favorece reconhecermos que este sofrimento não é, por assim dizer, um exagero, e sim uma resposta possível frente ao agravamento dos efeitos da mudança climática. O reconhecimento como uma questão de saúde pública ainda ajuda a reduzir barreiras de acesso na busca por tratamento psicológico”, analisa Kristensen.
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Engajamento das juventudes no debate climático
Na esteira dos avanços da crise climática, movimentos liderados por juventudes têm emergido Brasil afora em busca de protagonismo nas mesas de negociações sobre mudanças climáticas.
A ativista socioambiental Sarah Emanuelly defende mais espaço e escuta juvenil no debate climático, uma vez que as novas gerações serão as pessoas mais atingidas pelos efeitos da emergência climática.
“Estamos fazendo um movimento de tentar influenciar os tomadores de decisão, as pessoas que decidem o nosso futuro. Essas pessoas com o poder para decidir não estão na nossa pele e não vivem os efeitos da crise, pois não estão nas favelas, não estão nos locais mais atingidos”, explica Sarah.
“Antes costumavam falar que era um problema do futuro, para as futuras gerações, mas a gente enxerga que os impactos da crise climática não serão sentidos no futuro, eles estão acontecendo agora. Somos as pessoas mais impactadas pelos eventos climáticos extremos e pela negligência do poder público, pela falta de políticas públicas e de assistência”, completa.

O desafio para 2025, segundo a jovem, é galgar espaços de escuta dentro da COP 30. Embora um dos eventos sobre clima mais importantes do mundo seja uma janela para expor os problemas vivenciados pelo país que o sediará, os movimentos de jovens esbarram em dificuldades para garantir sua participação nas negociações.
“A gente tem muita esperança de conseguir fazer uma incidência dentro dessa COP, mas ao mesmo tempo estamos preocupados sobre quais serão as nossas limitações nesse espaço”, compartilha Sarah.
“Há uma especulação de que os números das credenciais, que é o que permite que a gente acesse os espaços de negociação, sejam reduzidos. Outra preocupação é que trata-se de uma conferência internacional, onde as nossas questões e anseios locais podem não ser de interesse dos países que participam”.
A maior participação em movimentos e soluções coletivas é defendido por Irene Rizzini, coordenadora da pesquisa Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas produzida pelo CIESPI, como um caminho para combater a ansiedade diante da crise climática.
“Nossa pesquisa mostra claramente que os jovens estão com muita ansiedade justamente em relação ao futuro e gostariam, mas não estão conectados às ações para contribuir. A melhor maneira de lidar com o medo é estar envolvido e ter condições de contribuir”, resume Irene.