Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: A pesquisa inédita Adolescentes, jovens e mudanças climáticas no Brasil traz pistas sobre as percepções, sentimentos e efeitos cotidianos da crise no clima para as novas gerações. Confira as principais descobertas do levantamento desenvolvido pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio) e os desafios do país na corrida contra a emergência climática.
“Me preocupa o futuro das pessoas aqui no mundo”, resumiu um dos jovens ouvidos pela pesquisa “Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas no Brasil”.
Inédita, a escuta das adolescências e juventudes brasileiras sobre as percepções e sentimentos delas acerca da crise climática é o coração da pesquisa realizada pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio).
Ao longo dos últimos meses, sob a coordenação da socióloga e professora Irene Rizzini, a pesquisa entrevistou 200 adolescentes e jovens de 12 a 18 anos, de escolas públicas e privadas, localizados em 10 capitais do país para compreender o que adolescentes e jovens sabem, pensam e fazem sobre a questão das mudanças climáticas.
Juventudes estão preocupadas, mas conhecimento sobre o tema é insuficiente
De acordo com o estudo, 90% dos jovens brasileiros preocupam-se com os efeitos das mudanças climáticas. Embora 7 em cada 10 afirme ter aprendido alguma coisa sobre o tema na escola, os conhecimentos a respeito ainda são insuficientes.
Foram ouvidas pessoas das cidades Belém (PA), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e São Paulo (SP). A pesquisa é apoiada pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal e Nova Institute e conta com parceria da Cidade Escola Aprendiz, por meio do programa Educação e Território.
A pesquisa busca preencher uma lacuna em relação ao que a população mais jovem pensa sobre as mudanças climáticas, uma vez que há um número reduzido de pesquisas, especialmente no Brasil, com o enfoque em crianças e adolescentes.
A pesquisa ouviu 200 estudantes de escolas públicas e particulares, com idades entre 12 e 18 anos, nas capitais Belém (PA), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
“Nossa pesquisa tem muita relação com o ano da COP30. Todas as discussões políticas sobre mudanças climáticas excluem as populações infantil e juvenil, que são as mais afetadas hoje e serão também no futuro. Principalmente, porque são elas que estão vivendo com a falta de investimento nessa questão. A pesquisa mostra que as novas gerações observam claramente que a administração pública não prioriza a proteção do meio ambiente”, aponta a professora Irene Rizzini, coordenadora da pesquisa.
A preservação do meio ambiente e a mitigação dos efeitos das alterações climáticas estão diretamente relacionadas aos direitos de crianças, adolescentes e jovens.
O Comitê dos Direitos da Criança da ONU reconheceu, em publicação feita em 2023, que a degradação ambiental, especialmente a crise climática, compromete o exercício dos direitos preconizados na Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, e reforçou a obrigação dos Estados de prevenir e reparar os danos causados.
Preocupação dos jovens com mudanças climáticas
A pesquisa realizou a escuta com 51,5% estudantes de escolas privadas e 48% de escolas públicas. Metade (50,5%) dos respondentes se autodeclararam do sexo feminino, ante 46% do masculino. No perfil racial da amostra, há 46,5% autodeclarados brancos, 36,5% pardos e 13% pretos. Os amarelos e indígenas somaram, cada um, 0,5%.
A ampla maioria dos jovens (99,5%) relatam já ter ouvido falar sobre mudanças climáticas, destacando o aquecimento global. Além disso, 90% dizem estar preocupados com os efeitos da emergência no clima, com boa parte dessa preocupação relacionada ao futuro.
“Me preocupa o futuro das pessoas aqui no mundo, porque talvez, assim, quando eu não estiver vivo aqui, um dia eu não vou mais estar aqui, mas ainda vai ter outras pessoas e eu quero deixar um bom lugar pra elas ficarem”, afirmou um dos jovens ouvidos.
Preocupações com os impactos atuais das mudanças climáticas também são mencionadas pelos jovens, como a temperatura global, o aumento dos níveis do mar, desastres ambientais e os incêndios, que colocam em risco também os animais.
Ansiedade, medo e mudanças climáticas
As mudanças climáticas impactam ainda a saúde emocional dos adolescentes e jovens. A maioria dos entrevistados (68,5%) menciona em suas respostas os sentimentos de ansiedade, medo ou insegurança.
Outros 11,5% expressam sentimentos como preocupação, angústia, tristeza, raiva e revolta. Apenas 17,5% dizem não ter nenhum sentimento negativo em relação às mudanças climáticas.
O medo, por exemplo, é citado por 90 dos jovens ouvidos pela pesquisa. A maioria desses faz referência ao futuro: “Causa medo, como eu falei, causa medo pelo futuro do que pode vir”, mas alguns pontuaram eventos do presente ao falar de como se sentiam:
“Porque quando teve as queimadas, eu não conseguia respirar, então eu ficava com muito medo, né? Eu via minha família passando mal, meus irmãos passando muito mal, então, assim, é um sentimento de medo, né? Até porque nessa época os hospitais lotaram aqui em Brasília.
Ficou complicado, entendeu?”.

Os sentimentos relatados pelos jovens com relação às mudanças no clima e eventos extremos têm sido estudados por pesquisadores nos últimos anos e fazem parte do guarda-chuva da ansiedade climática ou ecoansiedade.
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Presente na área da Psicologia desde a década de 1990, o termo ganhou mais reconhecimento ao ser apresentado como verbete em 2017 pela American Psychology Association (Associação Americana de Psicologia, em tradução livre).
A associação norte-americana define ansiedade climática como “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando preocupação associada ao futuro de si mesmo e das próximas gerações”.
Apesar dos efeitos na vida dos jovens, como demonstra a pesquisa, a ansiedade climática não é categorizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença.
“Não é uma patologia, mas um fenômeno que tem a ver com essas emoções negativas, como angústia, tristeza, impotência e até raiva relacionadas à mudança climática. No entanto, podem surgir preocupações intensas (ou até pensamentos obsessivos) sobre alterações climáticas”, explica o professor Christian Kristensen, titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Ainda assim, caso as reações emocionais interfiram no cotidiano, o também coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (NEPTE-PUCRS) recomenda buscar uma avaliação profissional de um psicólogo ou médico psiquiatra.
O que a escola ensina sobre mudanças climáticas?
As escolas ainda enfrentam barreiras quando o assunto é mudanças climáticas, aponta a pesquisa. Embora 7 em cada 10 relate que aprendeu alguma coisa sobre o tema durante o percurso na Educação Básica, uma parcela significativa, 11%, afirmou que não está aprendendo nada sobre crise climática no momento e outros 15% responderam que nunca aprenderam sobre o assunto na escola.
Entre os estudantes que responderam que aprenderam sobre o tema, são citados assuntos como aquecimento global, poluição, efeito estufa e tratamento e descarte inadequado do lixo, além de queimadas, enchentes e derretimento das geleiras.
Para os pesquisadores, o percentual de estudantes que afirmam não ter contato com o tema na escola é preocupante. O dado também chama a atenção diante da proximidade de um megaevento diplomático sobre o tema no Brasil, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), programada para ocorrer em novembro em Belém (PA).
Dentre os entrevistados pela pesquisa, apenas dois adolescentes mencionaram a COP30, ambos alunos de escolas privadas, em Salvador (BA) e Manaus (AM). Contudo, nenhum se referiu ao evento de 2025.
A professora Irene Rizzini chama atenção para o cumprimento da Política Nacional de Educação Ambiental, implementada pela lei federal nº 9.795, de 1999. A legislação define a Educação Ambiental e Climática como componente essencial e permanente da Educação.
“A maior parte dos estudantes mostrou um conhecimento limitado acerca das mudanças climáticas, embora a maioria deles já tenha ouvido falar sobre o tema. No entanto, o ambiente escolar continua sendo a principal referência deles sobre as mudanças climáticas. Precisamos olhar com muita atenção para a Educação Ambiental, na qual a lei parece não ser implementada como deveria”, avalia a coordenadora da pesquisa.
Altas temperaturas e chuvas fortes são os fenômenos mais observado pelos jovens
Cada vez mais frequentes, fenômenos extremos como ondas de calor (altas temperaturas) e chuvas fortes foram os eventos mais relatados pelos respondentes ao serem questionados sobre suas percepções das mudanças climáticas nos territórios onde vivem.

A pesquisa também identificou diferenças entre as cidades brasileiras no que se refere aos impactos das mudanças climáticas. Em capitais como Belém (PA) e Manaus (AM), no Norte, as chuvas fortes e altas temperaturas se sobressaem, além de incêndios. Ao passo que grandes metrópoles do Sudeste, como Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), enchentes e secas chamaram mais a atenção.
A maioria (88%) ainda demonstra estar atenta a alguns dos efeitos desproporcionais das mudanças climáticas nas populações. As respostas variam entre os que disseram que os mais pobres são os mais afetados e que o local da moradia exerce influência sobre isso. Os jovens se referem também à dificuldade de estudar em razão de chuvas fortes, altas temperaturas ou queimadas.
“Eu acho que para os jovens que têm mais condições de vida, que moram em um local melhor, um ambiente melhor, eles não são tão afetados, mas pra gente que mora nas comunidades, nas periferias, a gente vê essa realidade de perto, vê a falta de saneamento básico no nosso bairro,
vê o descaso”.
O que os jovens sugerem e fazem para combater as mudanças climáticas?
Apesar dos gargalos no aprendizado sobre mudanças climáticas nas escolas, a pesquisa mostra um consenso entre os jovens acerca da necessidade de agir para reduzir os impactos negativos das mudanças climáticas. A maior parte dos entrevistados elenca mais de uma iniciativa, algumas de caráter individual e outras que demandam ações coletivas.
Entre elas, estão ações como frear o desmatamento e os incêndios florestais, além de incentivo ao reflorestamento e o plantio de árvores, trazendo à tona a responsabilidade no mercado nesse processo.
“É porque eu tenho a consciência de que boa parte da situação que a gente está vivendo hoje é pelo desmatamento, mas também boa parte do desmatamento vem por causa do capitalismo e também vem por causa do agro. Ou seja, eu sei que teria que ter uma diminuição do agro, mas é um dos mercados que são mais consumidos hoje em dia”.
Os jovens também não isentam o poder público de sua responsabilidade para reduzir os impactos.
“E também tem a parte do governo, né? De fazer alguma coisa sobre isso, que o governo não faz nada. E basicamente é isso. É uma coisa dos dois lados, assim, da população e do governo. Se a população não ajuda, nem o governo ajuda também”.
Apesar de os jovens entrevistados, em sua maioria, reconhecerem a necessidade de reduzir os impactos das mudanças climáticas, uma parcela deles ainda não faz nenhuma ação para preservar o meio ambiente.
Entre os 72% dos que dizem fazer algo, são listadas iniciativas como tratamento e descarte do lixo, economia de luz e água, além do plantio e cuidado com plantas.

Outro dado relevante da pesquisa é que dos 200 adolescentes ouvidos, 191 não participam de iniciativas como movimentos sociais focados em diminuir os efeitos das mudanças climáticas. Dos apenas seis que participaram, todos mencionam iniciativas ligadas às escolas, como discussões e trabalhos sobre tema e envolvimento com o Grêmio Estudantil.
A publicação conclui que “ao mesmo tempo que a grande maioria tenta contribuir por meio de ações individuais em pequena escala, particularmente no que se refere ao tratamento e ao descarte adequados do lixo, à economia de luz e água e ao cuidado com as plantas, esses mesmos adolescentes e jovens não se vinculam a nenhuma ação coletiva. Alguns mencionaram que gostariam de fazer alguma coisa para colaborar, mas não sabem como”.
Acesse todos os dados da pesquisa “Adolescentes, jovens e mudanças climáticas no Brasil”.