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Como o racismo ambiental opera durante a crise climática

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Especialistas apontam como o racismo ambiental aprofunda os impactos de eventos climáticos nas populações mais vulneráveis

Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena

Resumo: As populações mais vulneráveis - como a negra e a periférica - tendem a ser mais impactadas pelos eventos extremos catalisados pelas mudanças climáticas. Especialistas apontam como o racismo ambiental opera e como o Estado falha em garantir proteção para os mais vulnerabilizados.
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Moradias precárias e suscetíveis a deslizamentos de terra e alagamentos, falta de acesso à água potável, más condições de saneamento básico, de serviços de saúde, de educação e transporte são algumas características de regiões mais pobres e vulneráveis.  

Quando ocorrem eventos climáticos extremos, essas regiões tendem a ser as mais atingidas, com efeitos sociais e econômicos sobre suas populações. Um exemplo foi o caso da cidade de Porto Alegre (RS), que registrou entre maio e junho de 2024 o maior nível de chuvas desde 1941. A água não escolhe onde cair e 2,3 milhões de pessoas foram impactadas pelas cheias, mas as regiões mais afetadas da cidade foram as habitadas, em sua maioria, por pessoas negras, conforme apontou estudo do Observatório das Metrópoles.

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“Crise climática é quando acontece um evento climático extremo e que gera consequências sociais, econômicas e ambientais devastadoras para a população. As pesquisas mostram claramente que boa parte das mudanças atuais no clima ocorrem por causa de interferência humana. Essas mudanças têm ocorrido num ritmo diferente do que estávamos acostumados e com isso gera efeitos sociais e ambientais muito grandes”, aponta Paulo Soares, professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Racismo ambiental e crise climática

Ainda no exemplo da capital gaúcha, os bairros que mais sofreram com as enchentes, como Humaitá, Sarandi e Rubem Berta, apresentam uma concentração de população negra quase sempre acima da média total da cidade.

Segundo o estudo do Observatório das Metrópoles, baseado em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas pretas e pardas compõem 26% dos habitantes da cidade, enquanto nas regiões mais atingidas, esse percentual chega a até 40%.

Soares explica que ao passo que as capitais brasileiras se expandiram, as populações mais pobres e negras foram levadas a ocupar regiões com piores condições ambientais.

“Esse é um processo de uma sociedade desigual e no qual a localização das pessoas se dá pela capacidade que elas têm de pagar. Essa população com menor poder aquisitivo compra terrenos mais baratos e ocupa locais  que não são demandados pelo mercado imobiliário.  Isso demonstra que há uma divisão de localização na cidade, que faz com que negros fiquem nessas áreas”, afirma.

A esse fenômeno social que deixa a população negra em ambientes mais vulneráveis a enchentes, deslizamentos e outros eventos climáticos extremos é dado o nome de racismo ambiental. Em artigo, a pesquisadora Tania Pacheco, coordenadora do projeto “Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil”, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),  se refere ao racismo ambiental como “injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e sobre outras comunidades, discriminadas por sua ‘raça’, origem ou cor”.

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“O Racismo Ambiental não se configura apenas através de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente através de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem”, diz trecho da publicação.

Como evitar os impactos de crises climáticas nas populações mais vulneráveis?

Eventos climáticos extremos podem se tornar cada vez mais comuns, o que exige a criação de medidas urgentes para o seu enfrentamento, conforme apontou Gabriela Savian, diretora adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), em evento realizado pela Frente Parlamentar Mista Ambientalista.

Paulo Soares, do Observatório das Metrópoles, alerta que esses eventos dificilmente podem ser evitados e reforça a importância de ações preventivas para mitigar seus efeitos.

“Há um descaso do poder público, que investe muito menos em áreas mais pobres do que em áreas mais ricas e brancas. Evitar o evento extremo é difícil, mas é preciso estar prevenido em termos ambientais, como ter limpeza urbana e áreas de drenagem adequadas”, sugere.

O Brasil possui um arcabouço jurídico robusto no que diz respeito ao meio ambiente, com normas como a Política Nacional sobre Mudança do Clima, de 2009, que dispõe sobre iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais, e a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, que dispõe sobre a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida.

Mas o geógrafo Diosmar Filho, coordenador científico de desigualdades e mudanças climáticas da Associação de Pesquisa Iyaleta, aponta falhas na legislação ambiental brasileira.

“Precisamos encarar que a legislação ambiental brasileira foi elaborada em um cenário de conservação da preservação e tem falhas como qualquer outra legislação. A lei das mudanças climáticas deve combater o racismo ambiental, mas não é uma questão que se resolve apenas a partir da criação de uma lei”, analisa.

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